Anton Tchékhov (29 de Janeiro de 1860, Taganrog, Rússia - 15 de Julho de 1904, Badenweiler) considerava que as pessoas verdadeiramente educadas deviam evidenciar algumas qualidades, tendo destacado oito como as mais importantes.
"Para Tchékhov ser
educado vai muito além de acumular conhecimento, é antes uma perspectiva profunda e
enriquecedora que deve encorajar a reflectir. O grande escritor russo
distingue uma pessoa genuinamente culta, que adquiriu conhecimento, mas que por essa circunstância não se coloca acima dos outros.
Quando ainda era muito jovem,Tchékhov escreveu
para o seu irmão Nikolai quando este tinha 28 anos e começava a ganhar fama como
pintor na capital russa. A carta, enviada de Moscovo, com a data de 1886, contém uma
série de conselhos para um artista incipiente que reclamava que ninguém o entendia. O primeiro conselho é uma declaração de intenção: “As pessoas entendem-no perfeitamente bem. Se não se entende, não é culpa delas”, escreveu Tchékhov com extrema lucidez. Mas a carta continua, e cada frase é uma autêntica
pérola de sabedoria.
Pessoas cultas e educadas são as que, na minha
opinião, satisfazem as seguintes condições:
1. Respeitam a personalidade humana e,
pelo mesmo motivo, são sempre amáveis, gentis, educadas e dispostas a ceder
ante os outros. Não fazem fila por um martelo ou uma peça perdida de borracha
indiana. Se vivem com alguém que não consideram agradável e a deixam, não
dizem “ninguém poderia viver contigo”. Perdoam o barulho , a carne seca e fria, as ocorrências e a presença de estranhos nos seus lares.
2. Têm simpatia não só pelos mendigos e os
gatos. Ficam também com o coração doído por aquilo que não
veem. Levantam-se de noite para ajudar […], para pagar a universidade dos
irmãos e comprar roupa para a sua mãe.
3. Respeitam a propriedade de outros e,
em consequência, honram todas as suas dívidas.
4. São sinceras e temem a mentira como o
fogo. Não mentem inclusive em pequenas coisas. Uma mentira é o mesmo que
insultar quem está escutando e colocar numa perspectiva mais baixa quem está a falar. Não aparentam: comportam-se na rua como em sua casa e não presumem
ante seus conhecidos mais humildes. Não tagarelam e não obrigam a confidência impertinente
dos outros. Por respeito aos ouvidos de outros, calam mais frequentemente do
que falam.
5. Não se sentem menosprezados por despertar
compaixão. Não desertam a pena dos demais para que gemam e façam algo
(ou muito) . Não dizem “Sou um incompreendido” ou "Tornei-me de segunda
categoria” porque isso é perseguir um efeito barato, é vulgar, velhaco, falso…
6. Não têm vaidade supérflua. Não se
preocupam com esses falsos diamantes conhecidos como celebridades, que apertam
a mão de bêbados ou são reconhecidos nas tabernas. Se ganham alguns centavos,
não se pavoneiam como se estes valessem centenas e não alardeiam que
podem entrar onde outros não são admitidos. […] Os verdadeiramente talentosos
sempre se mantêm nas sombras entre a multidão, tão longe quanto seja possível
do reconhecimento.
7. Se têm um talento,
respeitam-no. Sacrificam o descanso, as mulheres, o vinho, a vaidade.
Sentem-se orgulhosos de seu talento. Ademais, são exigentes.
8. Desenvolvem para si a intuição
estética. Não podem ir dormir com a roupa do corpo, ver rachaduras das
paredes cheias de insetos, respirar um ar ruim, caminhar no piso recém cuspido.
Pretendem tanto quanto seja possível conter e enobrecer o instinto sexual. O
que querem numa mulher não é apenas uma colega de cama. Não pedem
inteligência que se manifesta na mentira constante. Querem, especialmente se
forem artistas, frescor, elegância, humanidade, capacidade de ser mãe. Não
tomam vodka a qualquer hora do dia e noite, não cheiram os armários porque não
são porcos e sabem que não o são. Bebem apenas quando estão livres, de vez em
quando. Porque eles querem mens sana in corpore sano.
Existem muitos tipos de cultura. Ser culto não
se limita a ler muitos livros e acumular conhecimento académico sobre o mundo.
Entender a cultura de uma perspectiva mais ampla nos tornará pessoas mais
tolerantes e livres."
Sobre o Autor:
"Anton Pavlovich Tchékhov nasceu a 29 de Janeiro de 1860. Em 1887, já exercendo medicina, curso que frequentou em Moscovo, já escrevia e ganhou o prémio literário Púchkin. "Neste tempo, os contos humorísticos e histórias cómicas de Tchékhov apareciam na imprensa periódica , tendo-lhe trazido uma rápida popularidade, embora publicados sob vários pseudónimos (como por exemplo: Antocha Tchekhonté, Irmão do meu irmão, Homem sem baço). Os temas desses contos eram tradicionais para a literatura russa, mas foram compreendidos e apresentados sob um novo ângulo – não com um intuito de gerar simpatia ou compaixão, mas na forma de humor suave ou de piada, que provoca um sorriso. Tchékhov conhecia bem os seus leitores. Este leitor não tinha necessidade de sentir empatia pelo destino amargo de um confrade desconhecido que era objecto de lamentação da literatura russa (por exemplo: Akaki Akákievitch de «O Capote», de Gogol, ou as personagens de Dostoievski). Uma nova camada da vida, desconhecida da literatura russa, tornou-se o objecto de interesse e interpretação artística de Tchékhov. Ele descortinou ao leitor a vida tal como ela é, de dia-a-dia, de rotina e que ele conhecia muito bem. As suas histórias respiram realidade, revelando-se ao leitor todos os vícios do seu tempo: a hipocrisia, a corrupção, a carestia, a lisonja, a sabujice, a prepotência, disfarçados por ironia e sátira através das suas personagens e situações cómicas.
Começou a ser admirado pela crítica, quando publicou a sua novela A estepe, em 1888. Nessa época, passou a ser conhecido também como autor de teatro. Dois anos depois, em 1890, o autor fez uma viagem à ilha de Sacalina. Dessa viagem, surgiu o livro A ilha de Sacalina, publicado em 1895, em que Tchékhov mostra a desumana situação dos presos na colónia penal de Sacalina. Mas o sucesso como escritor não o fez abandonar a Medicina. Assim, em 1892, adquiriu uma propriedade em Melikhovo, onde trabalhou como médico. Contudo, devido aos problemas com a tuberculose e por recomendação médica, o escritor, em 1898, mudou-se para Ialta. Nesse ano, conheceu a actriz Olga Knipper (1868-1959), com quem se casou em 1901.
Tchékhov foi um intelectual de primeira geração: o seu avô foi um servo de gleba, o seu pai um pequeno comerciante. Mas na história da cultura russa, o seu nome tornou-se sinónimo de inteligência, boa educação e refinamento. Tchékhov trabalhou como médico durante a maior parte da sua carreira literária e numa das suas cartas ele escreveu o seguinte a este respeito: "A medicina é a minha legítima esposa; a literatura é apenas minha amante".
Morreu, quando estava em tratamento na Alemanha, a 15 de Julho de 1904, na cidade de Badenweiler." Texto adaptado do artigo de Vladimir Pliassov (CER-FLUC)
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