sexta-feira, 17 de junho de 2022

A obrigação do romance

 

A OBRIGAÇÃO DO ROMANCE
por Eugénio Lisboa

 


A única obrigação que um romance deve cumprir desde o início,
sem incorrer na acusação de arbitrariedade, é ser interessante.

                                                   Henry James

 

“Escrevi neste mesmo local, há poucos dias, um áspero artigo, a propósito de um inconcebível romance, da autoria de António Carlos Cortez. Com igual, maior ou menor intensidade, o que disse deste romance poderia dizê-lo de muitos romances que, entre nós, se produzem.

Há coisas que se não dizem em público – a coragem não é a mercadoria mais bem distribuída no mundo – mas correm, em surdina, no privado. Uma das que mais oiço, mesmo na boca de leitores treinados e compulsivos, é que não há pachorra para a maior parte dos romances que hoje se escrevem em Portugal: muita ginástica e pirueta narrativa, muita revolução parola da “linguagem” e pouca substância. Em suma, entreter o leitor é a última preocupação destes aspirantes a inovadores. Por isso me lembrei de pôr em epígrafe deste curto artigo que agora escrevo a inequívoca convicção da necessidade imperiosa de “interessar” o leitor, oriunda da pena de um dos mais exigentes ficcionistas do século XX: Henry James. James não é um escritor de fácil leitura: as frases compridas, circunvolutas, sempre em busca de “dizer melhor”, pedem ao leitor uma extrema atenção. Tanto maior razão pra querer, por outras vias, capturar o interesse desse mesmo leitor.

Este sôfrego desejo de estar sempre a “inovar”, que leva aos maiores desastres de composição narrativa, faz-me recordar uma célebre afirmação do poeta inglês, T. S. Eliot, ele mesmo um dos maiores inovadores da poesia do século XX: segundo o autor de THE WASTELAND, muitos escritores achavam possível revolucionar a linguagem de dez em dez anos. E dizia-o com acerada ironia, Entre nós, tenta-se revolucionar a linguagem e a estrutura narrativa, de meia em meia hora.

Deixo aqui, à meditação dos nossos ambiciosos ficcionistas, estes dois fortes avisos de dois grandes escritores anglo-americanos. Eles meteram, fundamente, a mão na massa e sabiam do que falavam.”

Eugénio Lisboa, em 17.06.2022

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