Por Edival Lourenço
"Em 29 de Setembro de 1977, numa livraria de Brasília, comprei “Ficções”, de Jorge Luís Borges. Foi o meu primeiro contacto com a obra deste autor. Encantei-me perdidamente. Aquele mesmo exemplar, já esfarelando, está na minha mesa de cabeceira e não passo mais de quinze dias sem que leia algum trecho. Além da paixão por “Ficções”, li toda a sua obra, que considero grandiosa. Seleccionei algumas frases do autor pelo seu aspecto desconcertante e surpreendente e pela fina ironia, embora ele diga ser incapaz de cometer uma ironia, o que já é uma ironia dentro da ironia. Algumas frases são de obras literárias. No entanto, a maioria foi retirada de O Dicionário de Borges (O Borges Oral, o Borges das Declarações e das Polémicas), reunido por Carlos R. Stortini, Rio de Janeiro, Editora Bertrand, Brasil, 1990."
1. Só os imbecis nunca mudam de ideia.
2. Quando chegar à minha idade, terá perdido a vista quase por completo. Verá a cor amarela e sombras e luzes. Não fique preocupado. A cegueira gradual não é uma coisa trágica. É como um lento entardecer de verão.
3. A gente publica para não passar a vida corrigindo o que escreve. A verdade é que se publica para se libertar do livro e pensar em outro. Quanto a mim, reli muito pouco do que escrevi. Ainda que de vez em quando me releiam passagens do que escrevi e às vezes elas me agradam. E digo: de onde tirei tudo isto? Na certa deve ser plágio, porque é bom.
4. Não releio, esqueço facilmente, mas tudo o que publico supõe dez ou doze versões, sendo que a última acrescendo um descuido evidente para que pareça espontâneo.
5. Os cárceres me parecem abomináveis… Certos homens deveriam ser mortos em vez de encarcerá-los directamente. Nem a meus inimigos posso desejar o cárcere, e sim a morte.
6. Um cego é um prisioneiro. Há muito tempo estou cego. Comecei a ficar cego quando comecei a enxergar
7. Acho que fazer um exame é muito menos penoso do que ir a um cocktail.Os cocktails são uma organização de chatice.
8. Como é que Deus que se fez homem, que é a favor dos pobres de espírito, dos humildes, dos deserdados da terra, vai se autoconceber como um ser belo? Seria um acto injusto de Deus. Seria um acto racista de Deus, impossível. Por isso, Cristo deve ter sido francamente feio, e todas as pinturas que o mostram formoso são pura mentira.
9. Na memória, tudo é grato, até a desventura.
10. A guerra é horrível, mas a vida também o é. Talvez seja melhor morrer num campo de batalha.
11. Agora existe uma ciência humana chamada informática. Que nome mais feio para uma ciência. É uma desgraça o facto de a informação substituir a cultura.
12. A vida não é outra coisa senão a morte que anda brilhando.
13. Para se escrever poemas tem-se que ser ingénuo e não muito inteligente.
14. O suicídio não me parece ruim; ao contrário, seria conveniente que mais gente se suicidasse; há excesso de população no mundo.
15. Pensei num labirinto de labirintos, num sinuoso labirinto crescente que abarcasse o passado e o futuro e que envolvesse, de algum modo, os astros.
16. No sonho do homem que sonhava, o sonhado despertou.
17. A verdadeira história não é o que sucedeu; é o que pensamos que sucedeu.
18. Não gosto do que escrevo; contudo, lamentavelmente não posso escrever outra coisa. Quando jovem, quis ser Chesterton, Lugones, Quevedo, quis ser Hugo, mas evidentemente não fui, ou o fui de um modo defeituoso. Então me resignei a ser Borges, e as pessoas se mostraram muito indulgentes para comigo.
19. Escrevi demais. Me daria por satisfeito se depois de minha morte ficasse, de tudo isso, um par de contos, um conto, um livro de poemas, um poema que seja.
20. Não sou modesto, apenas fico assombrado por ser conhecido. Deixei de ser um homem invisível aos cinquenta anos, e pode-se descobrir a qualquer momento que sou um impostor.
21. Sou céptico, mas não me felicito por isso. Desejo que os jovens tenham direito à esperança.
22. Che Guevara foi partidário de um tirano… Não me lembro o nome dele; Um senhor que mora em Cuba.
23. A cobiça é outra tolice, pois conheço gente rica e gente pobre, e não notei que alguém rico seja mais feliz do que o pobre. Entretanto cometem-se sequestros, roubos tudo feito por pessoas ingénuas que acreditam que se ficarem ricas, serão mais felizes, o que vem a ser um erro grave. Ainda que a indigência tampouco seja uma virtude nem uma coisa extraordinariamente vantajosa.
24. Uma crise monetária não é a causa, mas a consequência de uma má administração político-económica de um país. Dizendo bem… nossa crise económica — que também é ética — se origina, fundamentalmente, no dinheiro que foi roubado.
25. O escritor deve ser submisso e não convém que tente compreender demais o que está fazendo, porque qualquer acto consciente pode deitar a perder a obra.
26. Penso em George Bernard Shaw, em André Gide, em Robert Frost. Os melhores escritores vivos já morreram.
27. Odeio Carlos Gardel, porque seu sorriso se parece com o de Juan Perón.
28. Somos um sonho sem sonhador. Esse sonhar se chama história universal, e cada um de nós é um símbolo desse sonho.
29. O aborrecimento é mais terrível do que a violência.
30. Organizar uma biblioteca é um modo silencioso de exercer a arte da crítica.
31. Num jornal, geralmente, se escrevem notícias. Naturalmente, fúteis. As notícias que os jornais dão referem-se a temas que não me interessam.
32. Em várias oportunidades, tentei fumar marijuana, mas sempre fracassei; finalmente, optei pelas pastilhas de menta.
33. O Papa é um funcionário que não me interessa muito. Um funcionário da Igreja Católica.
34. "Ulisses" não foi escrito para ser lido, foi escrito para alguma coisa muito superior, foi escrito para que o autor ficasse famoso, fosse analisado, figurasse na história da literatura.
35. Se não repito os outros, repito-me eu mesmo e talvez eu não passe de uma repetição.
36. O rosto de uma pessoa é móvel e difícil de ser fixado numa lembrança.
37. Todos falam dos supostos benefícios que a saúde traz ao indivíduo, mas eu acho que a saúde é um estado precário que não pressagia nada de bom.
38. A vida é uma conjectura.
39. A tentação mais grosseira de um artista é a de ser um génio.
40. Ironia: uma coisa que aprecio e reconheço, e de que sou totalmente incapaz.
Edival Lourenço, in Revista Bula
1. Só os imbecis nunca mudam de ideia.
2. Quando chegar à minha idade, terá perdido a vista quase por completo. Verá a cor amarela e sombras e luzes. Não fique preocupado. A cegueira gradual não é uma coisa trágica. É como um lento entardecer de verão.
3. A gente publica para não passar a vida corrigindo o que escreve. A verdade é que se publica para se libertar do livro e pensar em outro. Quanto a mim, reli muito pouco do que escrevi. Ainda que de vez em quando me releiam passagens do que escrevi e às vezes elas me agradam. E digo: de onde tirei tudo isto? Na certa deve ser plágio, porque é bom.
4. Não releio, esqueço facilmente, mas tudo o que publico supõe dez ou doze versões, sendo que a última acrescendo um descuido evidente para que pareça espontâneo.
5. Os cárceres me parecem abomináveis… Certos homens deveriam ser mortos em vez de encarcerá-los directamente. Nem a meus inimigos posso desejar o cárcere, e sim a morte.
6. Um cego é um prisioneiro. Há muito tempo estou cego. Comecei a ficar cego quando comecei a enxergar
7. Acho que fazer um exame é muito menos penoso do que ir a um cocktail.Os cocktails são uma organização de chatice.
8. Como é que Deus que se fez homem, que é a favor dos pobres de espírito, dos humildes, dos deserdados da terra, vai se autoconceber como um ser belo? Seria um acto injusto de Deus. Seria um acto racista de Deus, impossível. Por isso, Cristo deve ter sido francamente feio, e todas as pinturas que o mostram formoso são pura mentira.
9. Na memória, tudo é grato, até a desventura.
10. A guerra é horrível, mas a vida também o é. Talvez seja melhor morrer num campo de batalha.
11. Agora existe uma ciência humana chamada informática. Que nome mais feio para uma ciência. É uma desgraça o facto de a informação substituir a cultura.
12. A vida não é outra coisa senão a morte que anda brilhando.
13. Para se escrever poemas tem-se que ser ingénuo e não muito inteligente.
14. O suicídio não me parece ruim; ao contrário, seria conveniente que mais gente se suicidasse; há excesso de população no mundo.
15. Pensei num labirinto de labirintos, num sinuoso labirinto crescente que abarcasse o passado e o futuro e que envolvesse, de algum modo, os astros.
16. No sonho do homem que sonhava, o sonhado despertou.
17. A verdadeira história não é o que sucedeu; é o que pensamos que sucedeu.
18. Não gosto do que escrevo; contudo, lamentavelmente não posso escrever outra coisa. Quando jovem, quis ser Chesterton, Lugones, Quevedo, quis ser Hugo, mas evidentemente não fui, ou o fui de um modo defeituoso. Então me resignei a ser Borges, e as pessoas se mostraram muito indulgentes para comigo.
19. Escrevi demais. Me daria por satisfeito se depois de minha morte ficasse, de tudo isso, um par de contos, um conto, um livro de poemas, um poema que seja.
20. Não sou modesto, apenas fico assombrado por ser conhecido. Deixei de ser um homem invisível aos cinquenta anos, e pode-se descobrir a qualquer momento que sou um impostor.
21. Sou céptico, mas não me felicito por isso. Desejo que os jovens tenham direito à esperança.
22. Che Guevara foi partidário de um tirano… Não me lembro o nome dele; Um senhor que mora em Cuba.
23. A cobiça é outra tolice, pois conheço gente rica e gente pobre, e não notei que alguém rico seja mais feliz do que o pobre. Entretanto cometem-se sequestros, roubos tudo feito por pessoas ingénuas que acreditam que se ficarem ricas, serão mais felizes, o que vem a ser um erro grave. Ainda que a indigência tampouco seja uma virtude nem uma coisa extraordinariamente vantajosa.
24. Uma crise monetária não é a causa, mas a consequência de uma má administração político-económica de um país. Dizendo bem… nossa crise económica — que também é ética — se origina, fundamentalmente, no dinheiro que foi roubado.
25. O escritor deve ser submisso e não convém que tente compreender demais o que está fazendo, porque qualquer acto consciente pode deitar a perder a obra.
26. Penso em George Bernard Shaw, em André Gide, em Robert Frost. Os melhores escritores vivos já morreram.
27. Odeio Carlos Gardel, porque seu sorriso se parece com o de Juan Perón.
28. Somos um sonho sem sonhador. Esse sonhar se chama história universal, e cada um de nós é um símbolo desse sonho.
29. O aborrecimento é mais terrível do que a violência.
30. Organizar uma biblioteca é um modo silencioso de exercer a arte da crítica.
31. Num jornal, geralmente, se escrevem notícias. Naturalmente, fúteis. As notícias que os jornais dão referem-se a temas que não me interessam.
32. Em várias oportunidades, tentei fumar marijuana, mas sempre fracassei; finalmente, optei pelas pastilhas de menta.
33. O Papa é um funcionário que não me interessa muito. Um funcionário da Igreja Católica.
34. "Ulisses" não foi escrito para ser lido, foi escrito para alguma coisa muito superior, foi escrito para que o autor ficasse famoso, fosse analisado, figurasse na história da literatura.
35. Se não repito os outros, repito-me eu mesmo e talvez eu não passe de uma repetição.
36. O rosto de uma pessoa é móvel e difícil de ser fixado numa lembrança.
37. Todos falam dos supostos benefícios que a saúde traz ao indivíduo, mas eu acho que a saúde é um estado precário que não pressagia nada de bom.
38. A vida é uma conjectura.
39. A tentação mais grosseira de um artista é a de ser um génio.
40. Ironia: uma coisa que aprecio e reconheço, e de que sou totalmente incapaz.
Edival Lourenço, in Revista Bula
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