Refugiados afegãos, paquistaneses, palestinianos, congoleses e somalis num centro de detenção em Chop, no oeste da Ucrânia, em 2009. |
O Guantánamo do Este
Menos mediática que o Mediterrâneo, a Ucrânia é um importante ponto de passagem para a Europa dos refugiados que fogem dos islamitas na África oriental. Mas as condições de acolhimento são indignas, como testemunham os requerentes de asilo.
Por Lorenzo Ferrari
"Hasan Hirsi tem 21 anos e saiu da Somália aos quinze anos, depois de os terroristas de al-Shabab terem atacado a sua aldeia e assassinado o seu pai. Fugiu para Moscovo e, a partir de lá, uma rede de tráfico de humanos levou-o até Kiev. Hirsi demorou cinco anos – e cinco tentativas – para passar da Ucrânia para a União Europeia. Cada vez que tentava, era detido pelos guardas fronteiriços ucranianos, húngaros e eslovacos e passou cerca de três anos em centros de detenção e prisões ucranianas, onde afirma ter sido roubado, espancado e torturado pelas forças de segurança. Hoje em dia, revela ao Spiegel, refere-se à Ucrânia como “o inferno” e continua a ter pesadelos.
Apesar de a atenção dos meios de comunicação social e dos políticos se concentrar sobretudo nas rotas de imigração que passam pelo Mediterrâneo, Maximilian Popp observa, numa longa investigação publicada no site em inglês da revista alemã, que “até agora o interesse era limitado no que diz respeito à rota oriental e à saída de imigrantes como Hasan Hirsi”. Contudo, “no ano passado, com o conflito em curso na Ucrânia, centenas de imigrantes tentaram chegar à UE através da Europa oriental”.
Um dos principais cruzamentos da rota oriental situa-se na cidade ucraniana de Uzhgorod. Os refugiados passam, muitas vezes, meses à espera que as suas famílias lhes enviem o dinheiro necessário para seguirem o seu caminho. Em seguida, “em troca de várias centenas de euros, os traficantes ucranianos conduzem os imigrantes desde Uzhgorod até à Hungria ou à Eslováquia”, escreve Maximilian Popp.
Apesar de os Estados-membros da UE serem responsáveis por examinar os pedidos de asilo, “os países ao longo da sua fronteira oriental, como a Hungria ou a Grécia, ignoram muitas vezes as regras e enviam os refugiados para trás”. Foi assim que Hirsi, que queria apresentar um pedido de asilo, foi enviado várias vezes de volta para a Ucrânia.
Entre 2000 e 2006, a UE concedeu 35 milhões de euros à Ucrânia, para que esta reforçasse o controlo das suas fronteiras. Nos últimos anos, Bruxelas desembolsou 30 milhões de euros adicionais para construir e modernizar os seus centros de detenção e de acolhimento para imigrantes. Um acordo assinado em 2010, entre a UE e a Ucrânia, estabeleceu que os refugiados que entram na UE através da Ucrânia podem ser reenviados para esta última.
“Ao longo da fronteira oriental da Europa, a externalização da política de asilo da UE é mais avançada do que em qualquer outra região”, escreve Popp, que acrescenta que, “aparentemente, Bruxelas espera que este sistema leve à diminuição do número de requerentes de asilo na Europa – sem chamar demasiado a atenção”. Mas, já em 2010, a ONG Human Rights Watch tinha criticado a UE “por esta ter investido milhões com o intuito de deslocar o fluxo de imigrantes para longe da Europa e em direcção à Ucrânia, sem garantir que foram tomadas medidas suficientes para assegurar um tratamento humano dos refugiados.
Segundo o testemunho de Hasan Hirsi, os refugiados na Ucrânia são tratados de forma desumana. Um dos campos de detenção onde esteve detido, em Pavshino, era por exemplo conhecido como “o Guantánamo do este”. Nos campos, os imigrantes “eram mantidos num local escuro e não aquecido e os guardas recusavam-se a deixá-los utilizar as casas de banho. Muitos refugiados urinavam em garrafas ou no chão e não recebiam nada para comer durante dias. “Estávamos encarcerados como animais”, afirma Hirsi. Durante os interrogatórios, os agentes batiam nos imigrantes e davam-lhes choques eléctricos. Segundo Hirsi, um deles disse: “agora estão na Ucrânia e não na Alemanha ou na Inglaterra. Aqui, não há democracia”.
O relato de Hirsi coincide com o de vários outros relatórios e testemunhos. Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), a detenção dos imigrantes na Ucrânia viola a Convenção europeia dos Direitos Humanos. Teme-se que o tratamento dos imigrantes possa piorar devido à actual crise na Ucrânia. Tal como observa o representante do ACNUR, “o Governo de Kiev já se encontra totalmente sobrecarregado com a gestão e a protecção dos refugiados internos, cerca de um milhão de pessoas. […] Na verdade, não tem condições para se ocupar também dos requerentes de asilo”. Voxeurop, Der Spiegel
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