Passeio por
ilha da Patagônia chilena tem pinguins e "churrasco" de mariscos
Por Victor Farinelli | Santiago - 01/05/2014 - 06h00
No caminho de 2,2 quilómetros até a Ilha Grande de Chiloé, o viajante é escoltado por golfinhos e
focas
"Ao chegar ao quilómetro 1093 da Rodovia 5 Sur – cujo início é em Santiago e leva ao sul do país –, na pequena localidade de Pargua, já é possível sentir outro Chile, menos seco, mais verde, resfriado pelos fortes ventos patagônicos.
O povoado de Pargua somente bordeia o trecho da estrada que é literalmente interrompido pelo mar, onde uma balsa está pronta para transportar os visitantes ao outro lado da rodovia. Nos 2,2 quilómetros do Canal Chacao, há uma tensa e bela travessia, sacudida pela ventania, onde o viajante é escoltado por golfinhos, focas e pinguins, até a Ilha Grande de Chiloé.
Victor Farinelli/Opera Mundi
O arquipélago é o salão de visitas da Patagónia Chilena, e o acesso difícil passa ao turista a sensação de cruzar um portal e entrar num mundo alternativo, ou ao menos bastante diferente das extremas paisagens andinas e dos áridos desertos do norte.
Um mundo de diversificada flora e fauna, embora suas principais atracções naturais estejam no mar. A maior parte dessa diversidade está ao redor da Ilha Grande, com seus 8,4 km2, mas também é possível encontrar surpresas nas quarenta ilhotas – todas de menos de 100 km2, e algumas que são verdadeiras rochas vulcânicas gigantes erguidas entre as ondas.
O lado oeste do arquipélago é habitado por pinguins, focas, leões marinhos, lontras e diversas outras espécies. Os que podem se aventurar mar adentro encontrarão inclusive algumas espécies de baleias, como as azuis e cachalotes. As graciosas aves marinhas são mais acessíveis, e também as mais procuradas pelos turistas.
Entre Setembro e Fevereiro, durante seu período de acasalamento e procriação, os pinguins costumam ocupar a região nos arredores da cidade de Ancud (no norte da Ilha Grande, cerca de 20 km após a travessia da balsa), as chamadas praias ou ilhas “pinguineiras”. A mais procurada delas é a Praia de Puñihuil, onde os pinguins montam seus ninhos nas margens das pequenas ilhotas vulcânicas que formam uma barreira natural.
Victor Farinelli/Opera Mundi
Porém, aquele que for a Puñihuil em Fevereiro, verá os últimos pinguins acompanhando seus recém-nascidos, antes de iniciarem a migração ao sul da Ilha Grande. A melhor época para fazer a visita é em Novembro, quando nascem as primeiras crias e há um número maior de pinguins na zona, e de mais variadas espécies.
Nas cidades de Ancud e Castro, as maiores e mais habitadas da Ilha Grande, se destacam as casas de madeira e as palafitas erguidas sobre os pequenos golfos dessas cidades, mostrando que essa é uma das regiões mais pobres do país. Longe delas, chamam a atenção os mistérios e a culinária típica chilota, a mais surpreendente do Chile.
O folclore regional é bem peculiar e alimentado por histórias de bruxos e outras figuras da mitologia huilliche – povo indígena originário do arquipélago, os huilliche são ligados aos mapuche, mas possuem seus costumes e tradições peculiares. A culinária também é bastante pitoresca, e convida a uma aventura por sabores que não se podem encontrar em nenhum outro lugar do Chile.
“Churrasco de mariscos”
“Nada é mais tipicamente chilote do que comer uma bela chochoca no café da manhã”, diz a senhora Mirta Guinao, que trabalha no Mercado da Rua Yumbel, em Castro, capital da província de Chiloé. Mirta é uma mulher chilota (nascida no arquipélago), e é dona de uma lanchonete que vende salgados típicos da região, na entrada do mercado. A chochoca é a estrela do seu cardápio, preferida tanto pelos locais quanto por turistas.
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Os salgados de dona Mirta são especiais porque é possível vê-la os fazendo de forma quase artesanal, num pátio ao lado do comércio. No caso da chochoca, ela prepara a massa, de farinha e batata, usando um imenso rolo conhecido como “palo chochoquero”, que gira sobre uma churrasqueira durante meia hora, até a massa adquirir um tom meio dourado. Em seguida, a massa é retirada do rolo, e recheada com chicharrones, espécie de torresmo feito na região, e enrolada como um rocambole. “É excelente para esquecer as preocupações com o colesterol e saborear a vida”, brinca um cliente da dona Mirta, mostrando um pouco do particular humor chilote.
Grande parte das iguarias típicas de Chiloé é feita com batata. Até o estudioso britânico Charles Darwin, que visitou o arquipélago em meados do século XIX, chegou a acreditar que o alimento era originário da ilha.
Em todo caso, a chochoca é uma das receitas que nasce em Chiloé a partir da troca de influências entre os huilliche (povo originário do arquipélago) e os primeiros colonos espanhóis. Outros salgados menos pedidos, como o chapalele (uma batata amassada revestida de farinha) e o milcao (feito com batata ralada farinha, ganhando um aspecto redondo e esponjoso) são puramente huilliche.
Ambos integram aquele que é o mais representativo prato chilote e que, assim como a chochoca, não pode ser encontrado em nenhum lugar fora do arquipélago: o curanto. A iguaria reúne todos ingredientes de um verdadeiro “churrasco de mariscos”, incluindo o ritual de preparação e o carácter comunitário de degustação. Para encontrar um bom curanto em Chiloé é preciso sair das principais cidades da província (Ancud e Castro) e buscar os pequenos povoados – especialmente os que estão escondidos em pequenas ilhotas periféricas à Ilha Grande, a poucos quilómetros de Castro.
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A cozinheira huilliche Sonia Catepillán vive no povoado de Dalcahue, dentro de uma dessas ilhotas. Diariamente, ela recebe turistas esfomeados e curiosos. As excursões chegam cedo para que os visitantes possam acompanhar o minucioso processo de preparação. Os mariscos da região, utilizados para fazer o curanto, são enormes. Um choro maltón chilote pode chegar a medir o mesmo que uma mão humana estendida. Também a variedade de mariscos é bem grande, e alguns deles são desconhecidos dos brasileiros – como as machas, almejas e ostiones.
Aos mariscos, são acrescentados pedaços de frango, linguiça e costela de porco, e por fim as massas feitas de batata, como o chapalele e o milcao, levados à fogueira como massa crua, para serem assados. O toque final: todas as porções são cobertas por enormes folhas de pangue – planta ornamental típica da região –, para depois serem literalmente enterradas.
“Os ingredientes ficam uma hora debaixo da terra, para adquirir o sabor defumado que vocês experimentarão logo mais”, explica dona Sonia. Uma hora depois, a terra e as folhas são descartadas, liberando uma densa nuvem com cheiro de churrasco.
Algumas agências de turismo de Ancud e Castro fazem excursões para degustar o curanto em fogueira nas pequenas ilhas de Chiloé, por valores que partem dos 10 mil pesos chilenos por pessoa (cerca de R$ 40). Os grupos levam entre 15 e 30 pessoas, e incluem visitas às típicas igrejinhas de madeira do arquipélago, a maioria delas perdidas nas estradas que ligam as pequenas cidades da Ilha Grande ou nas maiores entre ilhotas periféricas.
Vale a pena visitar as feiras de artesanato local, onde se pode comprar um poncho chilote, feito com lã de alpaca, ou completar a aventura de sabores degustando um copo de mistela chilota, mais púrpura mais forte que a tradicional mistela espanhola, ou do suave e doce licor de oro, uma bebida típica da região feita com aguardente e gordura do leite, que lhe dá o tom amarelo claro que inspira o seu nome." Victor Farinelli , Opera Mundi
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