O DESTERRO DOS POETAS
Manoel de Andrade
Nada vos quisera dizer que sonegasse o
encanto
mas transito por um mundo sombrio
e por caminhos degradados.
Já não vejo flores nas campinas
nem lírios à beira das estradas,
já não ouço o cantar dos pássaros
nem o murmúrio das fontes.
Restou-nos a paisagem decepada e nua,
de quando em quando, pequenos bosques
solitários
e o sibilar melancólico do vento.
Viandantes milenares da estesia e do
mistério,
hoje somos seres desgarrados e silentes.
Nossas imagens foram abatidas,
nossos símbolos calcinados,
globalizaram as metáforas,
plastificaram as rosas,
poluíram as estrelas.
Restaram-nos o espanto e os pressentimentos,
e, nessa patética realidade,
entre rimas e a paixão pelo lirismo,
a poesia mendiga descalça pelo mundo,
trajando seu rosário de versos encolhidos.
Nossas páginas já não são abertas,
já não publicam nossos livros,
declamamos num palco de figurantes,
e ante os versos desse drama,
não há público nem aplausos...
Versejar é uma vocação solitária,
uma chama delirante que se apaga no coração
dos homens.
Apesar de tanto desencanto,
nada vos direi que sonegue a esperança,
mas digo que os poetas jamais silenciarão
seu canto,
porque ninguém poderá desterrar o sonho e a
beleza
e porque sempre haverá um poema de amor a
ser escrito.
Os poetas cantam desde a aurora dos tempos,
pela glória de Aquiles e pela paixão por
Beatriz.
Cantam para gestar uma “Ode Triunfal”,
para compor “ Uma Canção Desesperada”,
ou para erguer uma bandeira libertária.
Cantam para denunciar os calvários de
chumbo que sangraram tantas pátrias
e para que o esquecimento não sepulte a
história dos vencidos.
Cantam para acusar os tiranos e consagrar
os mártires,
e para reunir na memória os punhos da
bravura.
Os poetas sempre haverão de cantar,
enquanto a luz parir a vida, eles
cantarão...
cantarão para abrir as janelas do infinito
e para semear novos sonhos nos herdeiros do
amanhã.
Machucado por tanto desamor,
por esses acordes tolos e nocivos a malhar
meus tímpanos,
e perante essa estética do absurdo,
a essa irreverência que empesta os ares
e proscrito por um tempo que confunde os
nossos passos,
saio em busca do Eldorado.
Quero um cântaro de luz para beber a vida,
um sol de abril para iluminar meu rumo.
Quero meu veleiro, meu farol, meu porto,
minha aldeia,
e ‘onde estiver meu coração, sei que lá estará o meu tesouro’.
“Vou-me embora pra Pasárgada”
levando minhas ternuras e uma fé inabalável.
Minhas velas vão rasgando o desencanto,
navegando nas lágrimas do mundo
e nesses mares de naufrágios.
Sei que quando o impasse se acabar,
as flores povoarão os campos
uma rosa purpurina se abrirá no teu
canteiro
e a estrela da manhã surgirá num novo céu.
E eis que uma aurora de luz há de beijar a
Terra,
o amor abraçará os filhos da esperança,
e só então a paz será um eterno banquete
festejando a vida.
Vos digo que num só “idioma” se entenderão
os povos,
que a música renascerá na melodia,
que uma nova literatura deslumbrará a alma
e que o nosso canto, sedutor e palpitante,
reviverá no coração dos homens.
Curitiba, 20 de Agosto de 2014
Manoel de Andrade, poeta brasileiro
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