terça-feira, 3 de abril de 2012

Em terra de sol

Rodando rodando
rodando rodando
a trança de meninos e estrelas
em terra de sol
vozes e vento
são búzios de murmúrio
na concha de nossas mãos
em terra de sol
se espuma ao de leve a calema da dor
na praia do tempo
rodando rodando
a trança de meninos e estrelas

Arlindo Barbeitos, poeta angolano,in “Na Leveza do Luar Crescente”, 1998, Lisboa, Editorial Caminho

No céu azul distante

no céu azul distante
a grande roda vermelha
em tempo
que inda não é tempo
de dança
o pescador
de seu dongo de sombra
lança redes
perdendo-se em quadriculado
por
a grande roda vermelha
no céu de azul distante
em tempo
que inda não é tempo
de dança

Arlindo Barbeitos, poeta angolano,in “Na Leveza do Luar Crescente”, 1998, Lisboa, Editorial Caminho

"Makèsú
“Kuakié!… Makèzú…"
O pregão da avó Ximinha
É mesmo como os seus panos
Já não tem a cor berrante
Que tinha nos outros anos.
Avó Xima está velhinha
Mas de manhã, manhãzinha,
Pede licença ao reumático
E num passo nada prático
Rasga estradinhas na areia…
Lá vai para um cajueiro
Que se levanta altaneiro
No cruzeiro dos caminhos
Das gentes que vão p´ra Baixa.
Nem criados, nem pedreiros
Nem alegres lavadeiras
Dessa nova geração
Das “venidas de alcatrão”
Ouvem o fraco pregão
Da velhinha quitandeira.
“Kuakié!… Makèzú, Makèzú…”
“Antão, véia, hoje nada?”
“Nada, mano Filisberto…
Hoje os tempo tá mudado…”
“Mas tá passá gente perto…
Como é aqui tá fazendo isso?”
“Não sabe?! Todo esse povo
Pegô num costume novo
Qui diz qué civrização:
Come só pão com chouriço
Ou toma café com pão…
E diz ainda pru cima
(Hum… mbundu Kene muxima…)
Qui o nosso bom makèzú
É pra véios como tu.”
“Eles não sabe o que diz…
Pru qué Qui vivi filiz
E tem cem ano eu e tu?”
“É pruquê nossas raiz
Tem força do makèzú!…”
Viriato da Cruz, poeta angolano, in “No reino de Caliban II -  antologia panorâmica de poesia africana de expressão portuguesa”)

1 comentário:

  1. "Em tempo que inda não é tempo de dança"... - Arlindo Barbeitos (poeta angolano) e
    "Pru qué qui vivi filiz / E tem cem ano eu e tu?" -
    Viriato da Cruz (também poeta angolano)...
    Poesia melodiosa, autêntica, cuja leitura me propicia momentos únicos de felicidade, lida, interiorizada, em noite de cacimba, com sons de jambé ao fundo, batuque em noite de luar... Na pista da descoberta do viver feliz. Viva a Literatura de Angola! Em especial a POesia... Do melhor.

    ResponderEliminar