domingo, 19 de dezembro de 2010

Sobre a Poesia

(I- Poesia e Oralidade)


"La poésie est un genre que l’on s’évertue à voir là où il n’est pas — dans un coucher de soleil, dans le slam, dans les convulsions scéniques d’un artiste — et à ne pas voir là où il se trouve : dans un tête-à-tête du poète avec la langue. Son insignifiance économique la condamne à l’obscurité ; pourtant, les recueils, les revues, les sites qui lui sont dédiés continuent de fleurir. Et réservent de belles découvertes à ceux qui prennent la peine d’y accoutumer leur œil et leur oreille."
" LÓbstination de la Poésie " par Jacque Roubaud dans le " Monde Diplomatique", 2010

Esta afirmação de Jacques Roubaud é facilmente comprovada através de um pequena visita a algumas Livrarias. Encontrar livros de poesia é um  feito deveras dificil, embora as prateleiras estejam repletas de livros, o espaço  reservado aos poetas é minúsculo. Tentem formular um pedido e começam as dificuldades: a estranheza do pedido , a consulta do arquivo informático e finalmente a constatação da ausência . Os poetas não existem nesse depósito que se deseja esvaziar em cifrões.
Entrar e pesquisar nas livrarias de Lisboa e alargar a alguns pontos do país, incluindo a invicta cidade, é o confirmar da triste realidade que enferma o mercado livreiro. A poesia não gera receitas, pelo que fica condenada ao espaço menor de uma sobrevivência sofrida. Há dois anos fiz um périplo em busca da obra poética de Jorge Sena. Não encontrei um único exemplar, apenas a " Antologia Poética " num alfarrabista em Faro. Quase que se torna inimaginável, mas acabou por ser um feliz acaso neste desastre nacional.  A excelente obra de Herberto Helder desaparece rapidamente porque o poeta limita as edições dos seus livros. Jorge de Sena e tantos outros grandes esperam que os reeditem  e nós e o mundo bem o acalentamos. O mercantilismo das letras invadiu e minou a fruição natural da arte maior , a Poesia.
Hoje, vamos iniciar  um espaço de reflexão sobre POESIA , publicando alguns artigos escritos por poetas que traçam ou reflectem sobre essa arte. Manoel de Andrade é o poeta que vai inaugurá-lo  com:
Poesia e Oralidade
"A Poesia, ao longo do tempo, foi perdendo a nítida feição com que nasceu: a oralidade. Conta-se que há 2.500 anos, o poeta grego Simónides de Ceos  — célebre pelo hino que compôs aos heróis das Termópilas e que treinou sua memória para correr a Grécia declamando os poemas de Homero, de Safo e de poetas que o antecederam  — encontrou um dia seu discípulo e conterrâneo Baquílides, escrevendo suas odes sobre uma placa de cera e o acusou de trair a poesia cuja magia e encanto, dizia, estava em sua expressão declamatória e não na palavra escrita. “A Poesia, afirmava ele, é uma pintura que fala”. A poesia oral consta dos mais antigos registros literários da Grécia micênica e embora, no terceiro mundo, ainda se encontrem hoje culturas ágrafas, cuja expressão poética se manifesta apenas pela oralidade, é necessário lembrar que a literatura nasce da littera(letra), como pressuposto da escrita e da leitura.  Assim, um fenômeno não pode excluir o outro e é tão importante valorizar a tradição oral da poesia, quanto reconhecer que sem a escrita, parte de todo o seu acervo histórico se perderia com o tempo. Nesse sentido tanto a poesia escrita, como a vocalizada ou dramatizada são expressões por onde permeia a mágica dimensão poética. Nas antigas culturas de tradição oral os poetas eram tidos como os receptores e transmissores do Conhecimento e reverenciados como os guardiões da Sabedoria e por isso considerados tão importantes como os reis, sendo que os reis podiam ser mortos, mas matar um poeta era considerado um sacrilégio. O premiado poeta nicaraguense Ernesto Cardenal, em seu  notável Prólogo a la antología de la poesía primitiva, afirma que “ el verso es el  primer linguaje de la humanidade. Siempre ha aparecido primero el verso, y después la prosa; y ésta es una espécie de currupción del verso. En la antigua Grécia todo estaba escrito en verso, aun las leyes: y en muchos pueblos primitivos no existe más que el verso. El verso parece que es la forma más natural del lenguaje”.
(…) A poesia nasceu pelo tom declamatório da palavra e deixou seus registros nos anais milenares da expressão escrita. A pós-modernidade trouxe consigo novos cânones e estranhos paradigmas levando a arte e a cultura a indesejáveis mutações. Neste embate a poesia foi perdendo sua cidadania, confundida pelos excessos formais da criatividade, por dolorosas rupturas e descartada pelos hábitos de consumo impostos pelos interesses editoriais. Reagiu, alçou sua voz e volta a ser ouvida no canto plural dos grandes festivais. Filha do tempo e da beleza, ela resiste solitária diante de um mundo em crise, entrópico, fragmentado e com seus referenciais abalados pela cultura do caos. Resiste e resistirá sempre como “uma proposta de diálogo com o mundo”, como “ um gesto de amor para legitimar a condição humana”.
Manoel de Andrade, in Revista HISPANISTA – Vol.IX nº 35

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