A minha relação com os livros é de permanente enleio. Comecei a deixar-me enlevar era ainda muito pequena. Recordo as estantes cheias de livros na casa da minha infância. Os meus pais liam muito e todos os dias se celebrava a leitura após o lanche e antes de deitar. A minha Mãe emprestava a voz a mil e uma histórias que nos faziam sonhar. Os livros cresciam semanalmente e para todos nós existia sempre um novo título a descobrir. O fascínio das palavras ficava nos nossos ouvidos e povoava de sonho a nossa imaginação. Com o tempo acedi às letras e passei a devorar com consentimento ou sem ele os livros da casa. Fui crescendo e vieram as letras proibidas pela ditadura. Essa leitura fruía como manancial inesgotável de deleite e de afirmação identitária, colocando-me lucidamente no lugar oposto ao da ideologia vigente, castradora da liberdade. Os livros proibidos por uma censura legalizada e oficializada enchiam muitas das prateleiras mais recônditas da casa. Esses devorava-os com um maior deslumbramento , roubando à noite muitas horas de sono. Tinham, então, para mim um redobrado apelo: o sabor supremo da palavra e a descoberta de um novo mundo mais justo e livre. Portugal , além de um pequeno ponto no extremo da Europa, estava fechado, encarcerado numa ideologia fascista que nos obrigava a resistir e a escavar os Subterrâneos da Liberdade.
Os livros sempre me acompanharam, marcando e moldando os meus dias. Estruturei-me, cresci, aprendi, ensinei e fiz descobrir com eles e através deles. Com poesia ou com prosa, eles sempre se entrelaçaram em mim numa laboração constante, pulsativa, provocatória, obrigando-me a uma fiel e perene rendição.
Aos livros, a minha homenagem. Hoje e sempre.
Sem comentários:
Enviar um comentário