Dez mil famílias portuguesas vivem do Banco Alimentar. Isto é a verdade dos números neste início de 2010. Dez mil famílias apenas sobrevivem e matam a fome porque existe um Banco Alimentar e não um estado social que as proteja quando a vulnerabilidade do desemprego as ataca. É assim o Portugal que se ufana de ter uma política humanista e social.
A crise internacional veio pela porta principal no final de 2009 e atolou o país que até então tinha já consolidado as contas e reduzido o défice, conforme anunciavam pomposamente os arautos do governo.
Num ano passámos da estabilidade orçamental ao PEC da nossa vergonha. E se me parece vergonhoso este PEC, mais acredito que esta sequência de letras em forma de sigla não sejam as iniciais de um programa urdido a pensar em PORTUGAL, mas antes e primordialmente um acto de onomatopoese cuja forma seja traduzir um som natural tal como o ruído de qualquer coisa a cair… P E C. Assim como uma pedra a cair num enorme charco que assusta só de olhar. O ruído é seco, pec, e entra de rompante pelos nossos ouvidos deixando-os em ressonância contínua. E não fica por aí.
Gianni Rodari no livro, “ Gramática da Fantasia, Introdução à Arte de Inventar Histórias”, tem um texto surpreendente que descreve estes efeitos.
“Uma pedra lançada a um charco provoca ondas concêntricas que se expandem pela sua superfície, envolvendo no seu movimento, a distâncias diferentes e com diferentes efeitos, o nenúfar e a cana,(…) e a bóia do pescador. Objectos que estavam muito bem onde estavam, na sua paz ou no seu sono, são como que chamados à vida, obrigados a reagir, e a entrar em relação entre si.
Outros movimentos invisíveis propagam-se em profundidade, em todas as direcções, enquanto a pedra se precipita, deslocando as algas, assustando os peixes, causando sempre novas agitações moleculares. Quando, por fim, toca o fundo, remexe o lodo, bate nos objectos que aí jaziam esquecidos, alguns dos quais são assim desenterrados, enquanto outros por sua vez ficam cobertos de areia. Inúmeros acontecimentos, ou micro-acontecimentos, sucedem-se num lapso de tempo curtíssimo.
Do mesmo modo, uma palavra, lançada ao acaso na mente, produz ondas de superfície e de profundidade, provoca uma série infinita de reacções em cadeia, envolvendo, na sua queda, sons e imagens, analogias e recordações, significados e sonhos, num movimento que diz respeito à experiência e à memória, à fantasia e ao inconsciente, e que é complicado pelo facto de que a própria mente não assiste passiva à representação, intervindo nela continuamente, para aceitar e recusar, associar e censurar, construir e destruir. …”
A mente não assiste passiva à representação deste turbilhão de efeitos , mas será que alguém poderá intervir e alterar o rumo deste PEC, seco e duro, que arrasta em cadeia tantos sobressaltos, tantos medos?
Portugal não é um charco, mas de lodo temos todos pavor. Que ele não nos salpique nunca.
A crise internacional veio pela porta principal no final de 2009 e atolou o país que até então tinha já consolidado as contas e reduzido o défice, conforme anunciavam pomposamente os arautos do governo.
Num ano passámos da estabilidade orçamental ao PEC da nossa vergonha. E se me parece vergonhoso este PEC, mais acredito que esta sequência de letras em forma de sigla não sejam as iniciais de um programa urdido a pensar em PORTUGAL, mas antes e primordialmente um acto de onomatopoese cuja forma seja traduzir um som natural tal como o ruído de qualquer coisa a cair… P E C. Assim como uma pedra a cair num enorme charco que assusta só de olhar. O ruído é seco, pec, e entra de rompante pelos nossos ouvidos deixando-os em ressonância contínua. E não fica por aí.
Gianni Rodari no livro, “ Gramática da Fantasia, Introdução à Arte de Inventar Histórias”, tem um texto surpreendente que descreve estes efeitos.
“Uma pedra lançada a um charco provoca ondas concêntricas que se expandem pela sua superfície, envolvendo no seu movimento, a distâncias diferentes e com diferentes efeitos, o nenúfar e a cana,(…) e a bóia do pescador. Objectos que estavam muito bem onde estavam, na sua paz ou no seu sono, são como que chamados à vida, obrigados a reagir, e a entrar em relação entre si.
Outros movimentos invisíveis propagam-se em profundidade, em todas as direcções, enquanto a pedra se precipita, deslocando as algas, assustando os peixes, causando sempre novas agitações moleculares. Quando, por fim, toca o fundo, remexe o lodo, bate nos objectos que aí jaziam esquecidos, alguns dos quais são assim desenterrados, enquanto outros por sua vez ficam cobertos de areia. Inúmeros acontecimentos, ou micro-acontecimentos, sucedem-se num lapso de tempo curtíssimo.
Do mesmo modo, uma palavra, lançada ao acaso na mente, produz ondas de superfície e de profundidade, provoca uma série infinita de reacções em cadeia, envolvendo, na sua queda, sons e imagens, analogias e recordações, significados e sonhos, num movimento que diz respeito à experiência e à memória, à fantasia e ao inconsciente, e que é complicado pelo facto de que a própria mente não assiste passiva à representação, intervindo nela continuamente, para aceitar e recusar, associar e censurar, construir e destruir. …”
A mente não assiste passiva à representação deste turbilhão de efeitos , mas será que alguém poderá intervir e alterar o rumo deste PEC, seco e duro, que arrasta em cadeia tantos sobressaltos, tantos medos?
Portugal não é um charco, mas de lodo temos todos pavor. Que ele não nos salpique nunca.
Os meus parabéns pelo brilhante texto e pela sua pertinência. Ana Maria
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