( Nice, 1990 - Gil)
"Na plateia do teatro superlotado , de pé, aplaudimos nosso Gilberto Gil, nosso por brasileiro e bahiano, amorável criatura, intérprete da luta e da esperança , da vida contra a morte, voz do povo desatada no canto anti-racista, no louvor da natureza: marulho de onda, rugido de tempestade.
A música mestiça domina a assistência, os franceses cantam um português do Brasil, dançam em afro-brasileiro, estamos na croisette de Nice ou no Largo do Pelourinho, Eduardo Jasmim Tawil, correspondente de A Tarde, comanda o samba na sala de espectáculo, repleta, enlouquecida.
Recordo outros dois momentos de Gilberto Gil, duas emoções que me tocaram o coração e os quimbas. O primeiro aconteceu no Teatro Castro Alves, em 1968, na Bahia: Gil e Caetano haviam saído da cadeia dos milicos, partiam para o exílio em Londres, foi-lhes prometido um show para que pudessem angariar um pouco de dinheiro. Plateia de jovens contestatários da ditadura, o clima é tenso e solidário. Gilberto Gil toma do violão e entoa Aquele Abraço, samba de despedida e de saudade. O teatro é protesto e vibração, canta em uníssono com Gil e Caetano: à frente dos jovens vejo o poeta Castro Alves em seu teatro. O coração dispara, o frio do pólo atravessa-me os ossos.
A outra vez foi em 1987, vinte anos depois, e o palco onde Gil cantava e deslumbrava era o do Olympia, em Paris. Gil me dedica a canção que compôs para o filme Jubiabá, de Nelson Pereira dos Santos adaptado do meu romance. A multidão em transe o acompanha na oração do pai-de-santo Jubiabá, o nome do personagem ressoa no teatro ilustre. Estremeço: calor no coração, frio nos quimbas, os olhos apertados."
Jorge Amado, in Navegação de Cabotagem, Publicações Europa-América, p. 380
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