Urbano Tavares Rodrigues nasceu em Lisboa a 6 de Dezembro de 1923 e morreu, ontem, com 89 anos. Escritor consagrado , com uma vasta obra dispersa por vários géneros literários, foi um excelente crítico literário, cronista, ensaísta, professor entre várias actividades desenvolvidas ao longo de uma laboriosa vida. Conheci-o na época em que trabalhava na Agência Latina, no tempo da Ditadura, quando muitos dos nossos intelectuais estavam proibidos de exercer a sua normal actividade e se refugiavam nas agências de publicidade , nas editoras e afins que aproveitavam o génio e o talento desses escritores proscritos por um tenebroso governo totalitário.
Urbano Tavares Rodrigues , além de um dos mais destacados escritores portugueses , era um amante da vida. Saboreava-a e trazia-a no rosto. Perdeu-a ontem, mas a imagem de um pleno vivente permanecerá.
Segundo António José Saraiva, Urbano Tavares Rodrigues é o mais respeitado e dotado ficcionista proveniente do existencialismo de 50. Com uma enorme e excelente produtividade, pode ser caracterizado sumariamente pelo enlace entre os temas do sexo, da coragem e de uma combatividade em riste contra a burguesia, cuja necrose psíquica vem denunciando, desde o Baixo Alentejo até além-fronteiras.
Entretanto Jacinto Prado Coelho , na " Problemática da História Literária" (Edições Ática,pag. 267) referia " O que permanece , como pedra de toque de uma personalidade admirável, é a tensão interior que dinamiza um estilo poderoso, por vezes muito belo, aliciante pela expressão plástica, pelo metaforismo poético e pela fluência musical."
Urbano Tavares Rodrigues nunca parou. Escreveu e viveu em plenitude até ao fim.
Entre os últimos livros publicados, destacam-se "Os Cadernos Secretos do Prior do Crato" (2007), "A Última Colina" (2008), "A Natureza do Acto Criador" (2011) ou "A Imensa Boca Dessa Angústia e Outras Histórias", publicado neste ano, em Abril.
Ao Urbano de todos os tempos, com o nosso até sempre , transcreve-se um excerto de um dos seus romances considerado uma Obra-Prima do Século XX, " Bastardos do Sol".
"Romance do amor e do ódio num clima de frustração , " Bastardos do Sol" é também o romance da dignidade em revolta (...) canto mítico que mergulha as suas raízes vigorosas nas realidades do Alentejo. ", escreveu Alcides de Campos em " Le Monde"
"Nesse preciso instante, quando ela sentia desejo de largar ali mesmo todo aquele pessoal, que a enjoava mais do que a feria, aparecera o Delfino, à volta de uma esquina, e juntara-se ao grupo. Ficaram os dois para trás. Tinham dançado cinco vezes, muito enlaçados, mas sem violência e, no fim, ele sorrira, insistente, buscando-lhe os olhos, disfarçadamente, com uma ternura irónica. Agora acompanhava-a. E foi então, como um aviso do destino, que aquela velha cantiga jorrou na noite - nem se sabia de onde vinha a voz, nem a quem pertencia. Se aquele povo triste e parado tudo cantava, até a fome e a morte, porque não haveria de comparar as rosas da Primavera aos prazeres e às desgraças do amor?! Só a cantar eles não tinham vergonha de dizer o que lhes ia na alma.
E, enquanto as palavras da canção plangiam arrastadamente os dedos dele, magros e duros, apertavam-lhe a mão, numa doce e terrível cumplicidade com o que tinha de acontecer. E a quadra, repetida, tornava a anunciar:
"À entrada desta rua,À saída desta estrada,
Terás a rosa de sangue
Qu'inda não foi desfolhada."
E desde que se lhe dera , em Maio, tempo de rosas, nunca , no dia sete, ele olvidava esse rito da restituição da flor sagrada que os unia à margem de todas as leis por que os outros se governavam. Trazia-lho sem ênfase, quase silenciosa, quase timidamente. Quando as rosas se acabavam, arranjava outras flores, mensagens de segundo grau ( do tempo intervalar que menos lhe pertencia), mas onde ainda pudessem encontrar alguma sugestão de carne, ou mesmo de ferida, e de paixão.
Como é que aquilo sucedera? Ficara tão aturdida naquela noite, a querer pôr as ideias em ordem e a confundi-las cada vez mais! Depois, o encontro que lhe consentira. E a sua retracção, o pânico, a dúvida. Delfino era tão diferente dos outros e tão mansamente perigoso! Começara logo a chamar-lhe " meu bicho" e a verdade é que aquela expressão lisonjeava a sua consciência de ser arisca, de conservar, nos movimentos e nos gestos, alguma coisa de fulvo e primitivo. " Urbano Tavares Rodrigues, in " Bastardos do Sol " , série " Romances Portugueses, Obras-Primas do Século XX,coordenada e dirigida por David Mourão- Ferreira, Círculo de Leitores
Reuníamo-nos numa casa ao Rego, uma casa que também albergava jovens estudantes, de que o signatário também fazia parte. Era uma célula clandestina do PC. Por lá passaram briosos combatentes, dos que deram o peito e a coragem às "balas" da ditadura, e alguns ainda foram morrer a África, pluripartida em colónias, e outros ainda a que m o frio das pisões viria a enregelar os ossos. Era um tempo de utopias, sim, mas só a utopia nos alimentava a chama de lutar, a força de não deitarmos os braços abaixo, nos afagava o medo... Noites compridas... Por lá passou O Urbano Tavares Rodrigues, na sua cumplicidade, na sua inteligência fulgurante, e no calor de amizade, e tantos mais, que não nomeio por tantos terem sido e não querer ser injusto com o esquecimento do nome de algum. Fui eu . estudante então, e no anonimato lutando, quem na madrugada de 25 de Abril, cerca da 1 hora, dei a notícia da Revolução à gente da casa... Ficara logo a dúvida, se a Revolução era de Esquerda ou de Direita...
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