Pierre Seghers : uma aventura chamada poesia
por Manoel de Andrade
«Si la poésie ne vous aide pas à vivre, faites autre chose.
Je la tiens pour essentielle à l’homme autant que les battements de son cœur »
Pierre Seghers, « Le Temps des merveilles»
Neste verão, em Paris, entre tantos encantos e recantos vistos e revistos, destaco aqui apenas o que mais me interessou como poeta: uma exposição no Museu Montparnasse sobre o grande poeta e editor Pierre Seghers, denominada “Pierre Seghers – Poésie, la vie entière
Seghers não foi somente o mais célebre editor de poesia do século XX, mas sobretudo um combatente da liberdade. Nascido em Paris em 1906, onde morreu aos 81 anos, Seghers em 1938, solidariza-se com a causa libertária da Guerra Civil Espanhola juntando-se a escritores e artistas que, sob a tutela editorial de Paul Éluard, divulgam seus poemas nas edições clandestinas da revista “Commune”. É a época em que ele conhece o editor espanhol Louis Jou, o amigo e mestre que o inspira a fundar sua primeira editora, a “Edición de la Tour”, em Villeneuve-les-Avignon.
Ainda em 1938 publica “Bonne Espérance”, seus primeiros poemas reunidos. Com a França invadida pelo exército alemão ele compreende que guerra e poesia são duas faces da mesma moeda e que um poema pode ser uma forma de resistir e de lutar, um grito de liberdade, uma lírica bandeira que resolveu desfraldar naquele primeiro ano da guerra publicando a revista dos Poetas-Soldados, chamada “PC-39” ou “Poètes casqués”, direcionada para a poesia engajada na resistência, apesar da censura imposta pela ocupação alemã. No ano seguinte, seguindo os passos de Louis Aragon e apoiado por Éluard, lança uma nova revista chamada “Poésie 40”, e depois, 41 e 42.
Em 1944, Seghers dá seu nome à Editora ao transferi-la para Paris. Em 1945 publica “Le Domaine Public” e adere ao Partido Comunista. Nesta nova fase ele revoluciona a arte editorial lançando os primeiros modelos de livros de bolso e, sonhando tornar a poesia acessível a todos, lança sua grande obra como editor-poeta, a série “Poètes d’aujourd’hui”, cujo primeiro título, dedicado a Paul Élouard, consagra-o como precursor na edição de poetas contemporâneos. Desta célebre coleção, com 256 títulos de poetas de todo o mundo, 147 obras são mostradas na Exposição de Montparnasse. É emocionante para um poeta e para os amantes da poesia ver o nome de tantos e tão grandes poetas ali reunidos, lado a lado, “vivos” através da obra que deixaram. A maioria são franceses e são muitos para citá-los nos limites deste texto, mesmo aqueles que inspiraram nossos versos da juventude. Lá estavam também Walt Whitman, Federico García Lorca e Fernando Pessoa que desde sempre viveram na aldeia de minh’alma. Encontrei nossos Manuel Bandeira e Vinicius de Moraes e os hispanoamericanos Marti, Neruda, Vallejo, Asturias, Guillén, Ruben Dario, Carrera Andrade, Octavio Paz. Entre tantos espanhóis estive diante de António Machado, Rafael Alberti, Miguel Hernandez, Juan Ramón Jimenez e Luiz Cernuda e segue com poetas consagrados do mundo inteiro.
Entre manuscritos, cartas, fotografias e obras inéditas, vê-se livros abertos em páginas autografadas para Pierre Seghers, reconhecendo a grandeza incomparável de sua dedicação à poesia e expressa em frases comoventes de poetas como Paul Élouard, Pierre Reverdy, Leopold Sédar Senghor e outros.
A poesia e a música, como as mais elevadas expressões da alma humana, foram compeendidas pela grande sensibilidade do poeta Seghers, quando disse que a canção e a poesia são irmãs e eis porque publica a biografia de grandes cantores como Aznavour, Brassens, Ferré, como também uma coleção inédita chamada “Poesia e Música” e obras com partituras de Chopin, Vivaldi, Schubert, Beethoven, Bach, etc.
Mas não é somente isso. Há densas antologias sobre a poesia chinesa, sobre a arte poética e dramática. Seghers publicou o teatro de Lorca, Ionesco, Pirandelo, Arrabal. A filosofia de Buda, Hegel, Heráclito, Garaudy, Marcuse, Heidegger. O pensamento de sábios como Freud, Oppenheimer, Leonardo da Vinci, Weisenberg, Teilhard de Chardin e Newton. Seghers foi um embaixador da criação lírica do seu tempo e da memória da cultura universal, publicando edições preciosas sobre a arte na Música, na Literatura, na Pintura e na Política. Não esqueceu de contar a vida de cineastas como Antonioni, Buñuel, Godard, Fellini, Kurosawa, Hitchcock, Polanski e de revolucionários como Mao Tse Tung e Che Guevara.
Em 1969, Pierre Serghers cede sua parte na Editora para Robert Laffont e dedica-se exclusivamente a escrever, nascendo daí obras como “La Résistance et ses Poètes 1939-1945”, “Le Livre d’Or de la Poésie Française” e “Anthologie des Poètes Maudits du XX siècle”. E contudo, apesar da importância de sua obra como poeta e ensaísta, é pela incondicional atenção que deu à poesia, como editor, que neste verão sua memória é reverenciada em importantes jornais franceses , relembrada por intelectuais de toda a França e, com justiça, consagrada nesta exposição em Paris.
Creio que esta exposição, aberta até 7 de outubro, será para muitos, como foi para mim, uma grata e misteriosa descoberta. É como se, pela primeira vez, alguém nos revelasse a real importância da poesia. Seus segredos, sua transcendência, seu luminoso itinerário na história, seu mágico significado no coração dos homens. Foram mais de dois mil poetas publicados em seus cinquenta anos de editor. É como se naquelas salas tudo estivesse impregnado do seu amor pela poesia, porque sua vida foi tão somente uma aventura chamada “poesia”. E é dessa palavra que nascem as raízes do combatente, do editor e do escritor. Num país com um Panteão com tantos heróis, uma glória singular: a glória de uma vida inteira dedicada à poesia.
Paris, 6 de agosto de 2011
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