A minha poesia nada tem de patriótica ou de nacionalista, e eu sempre me quis e me fiz um cidadão do mundo, no tempo e no espaço. É uma poesia que sabe de tudo e que se escreveu em toda a parte, desde a épica de Gilgamesh, até à falta de comunicação com que os poetas mais jovens de hoje fingem que não estão calados. É também a poesia de um homem que viveu muito, sofreu muito, partilhou a vida pelo mundo adiante, sempre exilado, e sempre presente com uma vontade de ferro. Mas é uma poesia que, sempre que se forma, não sabe nada, porque é precisamente a busca ansiosa e desesperada de um sentido que não há, se não formos nós mesmo a criá-los e a fazê-lo. Quis sempre que essa poesia fosse o testemunho fiel de mim mesmo neste mundo, e do mundo que me deram para viver. Mas uma testemunha que cria no mundo aquele sentido que eu disse, e, ao mesmo tempo, deseja lembrar aos outros que há uns valores essenciais, muito simples: honra, amor, camaradagem, lealdade, honestidade, sem os quais a vida não é possível, e toda a poesia, por mais sábia que seja , é falsa. Uma testemunha de que, sem justiça e sem liberdade, as sociedades humanas não dão ao homem a dignidade que é a sua, e que ao poeta cumpre afirmara. Não uma testemunha passiva: mas activa. Porque é esse o papel da poesia. Pode ela ser panfleto, ou ser visão mística ou ser sátira, porque ela pode ser tudo. Mas tem de ser activa, não só no sentido meramente panfletário, mas no de , herdando tudo o que a Antiguidade e o passado nos legaram, criarmos a língua do presente e a língua do futuro. Já um filósofo disse que os limites do nosso mundo são os limites da nossa linguagem. Apenas esse filósofo se esqueceu de acrescentar que à poesia cabe o papel de superar todos os limites, ampliando-os em extensão e em profundidade. Mas sem nunca perder-se esta noção fundamental: a linguagem existe para comunicarmos, humanos que somos, uns com os outros. E, se os deuses – esses deuses da Magna Grécia (…) – nos entendem. Pior: não nos perdoarão jamais. E sem o perdão dos deuses ( ainda que eles fossem tão desavergonhadamente humanos muitas vezes) como poderemos sobreviver, neste mundo moderno que perdeu por completo a noção do sagrado, que o mesmo é dizer do valor da vida humana enquanto tal, em face da morte eterna?
Do discurso de agradecimento do Prémio Internacional de Poesia Etna-Taormina (1977) de Jorge de Sena , in “Obras de Jorge de Sena, Antologia Poética”, Edições ASA
Do discurso de agradecimento do Prémio Internacional de Poesia Etna-Taormina (1977) de Jorge de Sena , in “Obras de Jorge de Sena, Antologia Poética”, Edições ASA
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