Por Eugénio Lisboa
O animal humano difere dos primatas
inferiores, na sua paixão pelas listas dos
dez Melhores.
H. Allen Smith
"Todos nós dependemos, na nossa vida quotidiana, de listas, que nos permitem vivermos um pouco mais organizadamente. Listas de compras, de endereços, de números de telefone, de tarefas a realizar ao longo do dia, da semana, do mês, de livros a consultar, de medicamentos a tomar… Sem listas, a vida torna-se uma anarquia e um inferno. Como lembram os organizadores dos vários volumes do famoso The Book of Lists – David Wallechinsky, Irving Wallace e Amy Wallace - , “enttre 1792 e 1750 A. C., Hammurabi, rei da Babilónia, deu ao mundo uma lista de 282 leis – um código de leis dizendo respeito ao casamento, ao roubo, à escravatura e a outras matérias civilizadas. Depois”, acrescentam, “cerca de 1200 A. C. Moisés conduziu os israelitas para fora do Egipto, em busca de uma pátria. Do topo do Monte Sinai, «Moisés falou e Deus respondeu-lhe com uma voz» e, quando Moisés desceu, tinha uma lista – os 10 Mandamentos, venerados até hoje por judeus, cristãos e muçulmanos.”
As listas são, repito, essenciais à vida. As listas informam, esclarecem, ajudam. Há listas para tudo e para todos os gostos: de grandes corredores, de grandes amantes, de grandes fumadores, de grandes escritores, de grandes músicos, de grandes drogados, de grandes solteiros. As listas entram pela vida dentro e são, elas próprias, vida.
Os organizadores de The Book of Lists – em vários volumosos tomos – não se pouparam a esforços para saberem o que certos notáveis deste nosso mundo “escolhiam”: os dez (ou vinte ou trinta) melhores escritores de todos os tempos, os 12 escritores que escreviam de pé, os autores que não usavam pontuação, os mais interessantes, os mais chatos e por aí fora. Por exemplo, num levantamento feito, em 1950, pelo Boletim da University Press, da Universidade de Columbia, listou-se uma quinzena dos “clássicos mais chatos do mundo”, entre os quais figuravam o romance Moby Dick, de Herman Melville, o poema Paradise Lost, de John Milton, a Life of Samuel Johnson, de James Boswell, o romance Silas Marner, de George Eliot, o Ivanhoe, de Walter Scott, o Dom Quixote, de Cervantes, o Fausto, de Goethe, a Guerra e Paz, de Tolstoi, a Recherche du Temps Perdu, de Proust, o Das Kapital, de Karl Marx, a Vanity Fair, de Thackeray e o romance famoso, também de George Eliot, The Mill on the Floss (O Moínho à beira do Floss). A grande George Eliot teve a honra única de aparecer duas vezes, nesta lista de chatos. E Karl Marx, que aqui aparece como chato emérito, surge, porém, numa outra lista de “obras que mudaram o mundo”. Incluir a Guerra e Paz e o Dom Quixote entre os chatos mais egrégios do mundo deve fazer solevar-se mais do que uma sobrancelha.
Ainda em clave de chatice, o volume 2 da Book of Lists publica uma escolha dos “dez autores mais chatos de todos os tempos”, organizada pelo grande jornalista e humorista americano H. L. Mencken. Querem saber quem são? Segurem-se: Dostoiewsky, George Eliot, D. H. Lawrence, James Fenimore Cooper, Eden Phillpots, Robert Browning, Selma Lagerlöf, Gertrude Stein, Björnstorne Björnson e J.W. Goethe. Para os menos metidos nestas coisas, informaria que Eden Phillpots foi um romancista e dramaturgo inglês, da região de Dartmoor, que publicou 18 romances sobre essa região e que era muito admirado por Agatha Christie e por Jorge Luis Borges, que várias vezes se lhe refere, tendo publicado recensões críticas de romances seus e tendo-o incluído na sua "Biblioteca Pessoal”. Quanto a Björnson, cujo nome nada dirá à maioria dos leitores de hoje, foi um famoso dramaturgo norueguês que roubou a Ibsen o Prémio Nobel.
As listas dizem, muitas vezes, mais sobre os autores delas do que sobre os listados. É, por exemplo, um pouco estranha a lista que Henry Miller congeminou para “os dez maiores escritores de todos os tempos”: Lao-Tzu, Rabelais, Nietzsche, Rabindranath Tagore, Walt Whitman, Marcel Proust, Élie Faure, Marie Corelli, Dostoiewsky e Isaac Bashevis Singer. Além das escandalosas omissões, pode estranhar-se, quase tanto, a inclusão, nesta lista, de uma escritora como Marie Corelli, que só terá a recomendá-la ter sido a ficcionista mais vendida do seu tempo (segunda metade do século XIX e primeiro quartel do século XX), batendo, inclusivamente, Conan Doyle, o criador de Sherlock Holmes. Misturando cristianismo com reincarnação, astrologia e toda uma sinistra parafernália mística, a escritora foi, por muitos, alçada aos cornos da lua. James Agate dizia, contudo, dela, que combinava “a imaginação de Poe, com o estilo de Ouida e a mentalidade de uma criada de crianças.” Por outro lado, a inclusão de um historiador de arte, como Élie Faure, poderá, igualmente, causar admiração. Outras escolhas de Miller são também bizarras, sobretudo por se tratar de “os maiores escritores de todos os tempos”, que não pelo valor intrínseco de cada um dos escolhidos.
Como disse, há listas para todos os gostos, como, por exemplo, a lista de 12 escritores que escreviam de pé. Nela – que não inclui o nosso Eça de Queirós, o qual também escrevia de pé – encontram-se, entre outros, os seguintes autores: Lewis Carroll (o autor de Alice no País das Maravilhas), Benjamin Disraeli, Ernest Hemingway, Horace McCoy, Vladimir Nabokov, William Saroyan (o do Rapaz do trapézio Voador), Thomas Wolfe e Virginia Woolf.
Como disse, há listas para tudo, até uma lista de autores que não pontuavam de todo ou usavam pouquíssima pontuação (Saramago não inventou nada): Guillaume Apollinaire, Gertrude Stein e E. E. Cummins (poeta modernista americano), entre outros. Lembro-me de, aliás, no início da minha adolescência, ter lido uma romancista americana, Helen Grace Carlisle, que também não pontuava: há pólvora que foi descoberta há muito tempo.
Somerset Maugham foi um romancista e contista de enorme êxito internacional, além de um homem de grande frontalidade. Quando lhe perguntaram quais “os dez melhores romances do mundo”, deu esta resposta que profusamente documentou: Guerra e Paz, de Tolstoi; Le Père Goriot, de Balzac; Tom Jones, de Henry Fielding; Pride and Prejudice, de Jane Austen; Le Rouge et le Noir, de Stendhal; Wuthering Heights (O Monte dos Vendavais), de Emily Bronte; Madame Bovary, de Flaubert; David Copperfield, de Charles Dickens; Os Irmãos Karamazov, de Dostoiewsky e Moby Dick, de Herman Melville. Poderia, é claro, perguntar-se por que não La Cousine Bette, de Balzac ou La Chartreuse de Parme, de Stendhal, em vez dos escolhidos por Maugham, mas cada um escolhe como pode e sabe.
No The British Book of Lists, podemos também encontrar alguns factos interessantes. Por exemplo, se consultarmos a rubrica “percentagem de pessoas que fazem leituras diárias na Europa de 1974”, verificaremos que o Reino Unido vem à cabeça, com 21%, seguido pela Suécia e Dinamarca, com 20%. Em último lugar fica a Espanha, com 7%. Portugal nem sequer aparece.
Outra consulta interessante é a dos postais que mais se vendem, na National Gallery, em Londres: muito à cabeça vem o famoso Cartoon de Leonardo (A Virgem, Santa Ana e o Menino), que é, por acaso, a minha escolha pessoal do quadro mais belo do mundo. Vendeu 37000 exemplares em 1979. O segundo da lista foi um Renoir (Os guarda-chuvas).
Em número de bibliotecas públicas, o Reino Unido ganha também a grande distância, seguido, de muito longe, pela Itália.
Poderia dar aqui um infindável número de exemplos de listas, mas tenho espaço limitado. Vejamos só mais um, para terminar de modo um bocadinho acintoso: colho, de uma longa lista de “graffiti” ingleses, dos anos setenta, algumas amostras significativas: 1) Prepara-te para te encontrares com Deus (trajo de noite, facultativo); 2) As mulheres gostam das coisas mais simples da vida – por exemplo, os homens; 3) A morte é o modo de a natureza dizer que abrandemos; 4) Conserva a energia – faz amor devagar; 5) Quando Deus fez o homem, estava apenas a ensaiar; 6) A realidade é só para as pessoas que não conseguem lidar com as drogas; 7) Mantém a Grã-Bretanha limpa – mata um turista."
Eugénio Lisboa, em Crónica publicada no JL nº1222, Agosto 2017
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