sábado, 26 de setembro de 2009

A violência e a Política: por uma Cultura da PAZ



Hannah Arendt marcará uma ruptura no padrão weberiano de concepção de poder como visceralmente associado à violência. Para ela, antes pelo contrário, o poder estará ligado a um padrão consensual de acção solidária e não instrumental no qual a verdade é de importância fundamental: “a persuasão e a violência, dirá, podem destruir a verdade, não substituí-la”. A questão da verdade torna-se, desta maneira, crucial para o entendimento do poder. E aqui retomamos a pergunta formulada por Arendt: será a política incompatível com a verdade ? O problema,como ela identifica , já está no mito platónico da caverna: o homem que vê a luz e vem contar a verdade é desprezado e sofre ameaças. Ora, embora a sua noção se prenda à verdade factual, Hannah Arendt também expõe os riscos permanentes para esta diante do poder que manipula e falsifica. No caso dos negócios públicos a “mentira organizada”, como chamaria, é uma arma contra a verdade. A opinião e a não verdade serão os requisitos do poder. Da primeira surge a retórica com a qual as massas são iludidas e que não se limita ao verbal , mas diz respeito ao visual, ao estético, etc.. A retórica das imagens passa a ser a retórica do ilusionismo. Dessa ilusão fazem parte tanto os iludidos quanto os enganadores .
Expressão dessa falsidade encontra-se no próprio carácter efémero das imagens o que seria “um indício expressivo do carácter mentiroso das afirmações públicas concernentes ao mundo dos factos”. Deste modo, para Arendt, a violência não é o meio específico da política, aliás ela é anti-política, no máximo um fenómeno marginal à política e não sua essência. O poder repousa sobre a reunião de homens iguais que partilham sua liberdade – esta sim, o “conteúdo e sentido original da própria coisa política”(Arendt, 1998). Apenas quando se dissocia dessa fonte original é que o poder torna-se em violência e é especialmente entre os privados desse diálogo, isolados e solitários (deracinés), sem participação na esfera pública que reside o germe das acções violentas e das resoluções totalitárias.
No caminho do predomínio do cárcere de ferro da razão instrumental avançou também a construção de uma cultura da violência, entendida como valores e mentalidades que se constroem sobre a relação dialógica não estabelecida,o encontro não realizado, o face a face interditado. O desafio, após séculos de domínio desses valores é subvertê-lo e construir uma cultura de paz.
Lembremos que a mentira é ela também uma forma de violência que subverte a verdadeira relação com o Outro, na medida que impede a palavra oriunda do livre pensar diante da realidade. ( Ricoeur, 1991)
Num mundo no qual as grandes narrativas fundadoras do comportamento humano foram eliminadas, onde o niilismo se faz acompanhar de relações pautadas na razão instrumental, a reflexão sobre não-violência em suas relações com a política é de importância máxima. O desafio é como podemos tecer relações no espaço público que ultrapassem o vazio ético no qual vivemos,para utilizar a expressão de Hans Jonas. Vazio esse que se apresenta de maneira mais contundente com a crise na figura do Estado e a deslegitimação da política mesma enquanto possibilidade de construção do bem colectivo, o que conduz à apatia entre os cidadãos e a sua substituição pela figura do consumidor.
O fenómeno é observado em todo o mundo, mas com maior incidência em alguns. Como alternativa a isso os mecanismos de acção violenta nos processos sociais e políticos tornaram-se lugar comum, banalizaram-se, passando mesmo a ser legitimados.
O que importa destacar é que no debate sobre a cultura de paz é possível,repetimos, o estabelecimento de nexos entre tradições filosóficas distintas mas que têm um eixo em comum: o deslocamento em direcção ao Outro e a percepção deste como aquele pelo qual se tem responsabilidade.

Katia Mendonça, in " Em torno do conceito de Paz", Adaptado

Sem comentários:

Enviar um comentário