domingo, 3 de novembro de 2024

84º Aniversário do poeta Manoel de Andrade

Manoel de Andrade com a mulher Neiva, em Sagres,
11 de Outubro de 2016

- A poesia, Gracinha ,
é cada grão que germina
é o corpo do camponês
inclinado sobre a terra
semeando a própria dor
são os ombros do proletário
suportando no salário
o peso imenso da vida.
Manoel de Andrade, O que é  a poesia..., meu irmão? , Poemas para a Liberdade

Ter o privilégio de conhecer e  conviver com um poeta é um prazer que vai crescendo com o tempo.
Manoel de Andrade faz hoje 84 anos . Tem sido um poeta de grande oficina poética   ao longo dos anos. Um poeta que começou por cantar a Liberdade, quando ela se escoava nas garras da ditadura que aprisionou o Brasil e muitos dos países da América Latina. Obrigado a exilar-se, correu esse extenso continente pugnando pelo Homem Livre, em belíssimos poemas que puseram em perigo a sua integridade física. Nunca desistiu e, já em solo pátrio, foi remetido ao silêncio para que a sua voz não denunciasse as atrocidades de um regime totalitário.
Quando a aurora despontou de novo no Brasil, Manoel de Andrade  retomou o lirismo da sua poesia para nos brindar , a todos nós, com obras de grande sensibilidade e de extraordinária  qualidade , cimentando o seu lugar entre os  grandes poetas vivos. 
Para ele,  com toda a gratidão por tantas páginas de soberba leitura, apresentamos a nossa homenagem pelo seu 84º aniversário.  
Homenagear um poeta é lembrar as suas palavras. Eis um excerto de uma profunda reflexão que  registou sobre a condição de poeta: 
"Nós, os poetas, temos plena consciência de que não podemos mudar o mundo, embora nosso DNA seja feito de sonhos. Por isso somos tão poucos e estamos cada vez mais sozinhos. Quem sabe por sermos os herdeiros solitários de tantas utopias!? A pós-modernidade aniquilou o homem. Tentou matar Deus, tentou matar a Verdade, está tentando matar a Arte e a Poesia. Na década de 70 perguntaram a Pablo Neruda o que aconteceria com a poesia no ano 2000. Ele respondeu que, com certeza, não se celebraria a morte da poesia. Que em todas as épocas deram por morta a poesia, mas que ela está sempre ressuscitada e que parece ser eterna. O grande poeta e revolucionário argentino Juan Gelman, prémio Cervantes de 2007, afirma que “Lo extraordinário es como la poesía, pese a todo, a las catástrofes de todo tipo, humanas, naturales, viene del fondo de los siglos y sigue existiendo. Ese es el gran consuelo para mí. Va a seguir existiendo hasta que el mundo se acabe si es que se acaba alguna vez”.
 (…) A poesia está inscrita no âmago da alma humana e ela é de todos os tempos. Desde Homero, há 3.000 anos, cantando as peripécias de Ulisses e os combates de Aquiles; desde Camões cantando a saga dos grandes descobrimentos, até Castro Alves cantando a liberdade para os escravos e Drummond de Andrade, dizendo-nos, poeticamente, que há sempre “uma pedra no caminho” de nossas vidas. A palavra, na poesia, foi e será sempre a mais bela forma de resistência contra um mundo desumano, e um profético aceno para um tempo melhor.
 (…) Eis porque nós, os poetas, sentimos que só resta a nossa própria plenitude, esse misterioso monólogo com a história e o incognoscível, porque habitamos o território do encanto e do amanhecer. Cantamos porque vivemos dessa partícula de sonho que nos sobrepõe ao real, como disse Ingenieros. Cantamos porque acreditamos na missão imperecível da beleza, apesar de todo esse desamparo e essa perplexidade ante um mundo cada vez mais violento e cruel. Cantamos “porque a canção existe” e essa é a nossa fortuna. Cantamos para dizer nossas verdades e repartirmo-nos em cada verso. Cantamos porque cada palavra, cada poema nosso é uma esperança de busca e de encontro, um mágico roteiro para a liberdade, uma proposta de diálogo com o mundo, um gesto de amor para legitimar a condição humana e também nossa gota de lirismo para salvar a poesia de sua angustiante agonia. (...)”
Manoel de Andrade, poeta brasileiro, em ensaio publicado no Blog Palavras todas as palavras, Novembro 4, 2008

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