sexta-feira, 26 de abril de 2024

EUGÉNIO LISBOA (1930-2024)

Eugénio Lisboa
 

EUGÉNIO LISBOA (1930-2024)
por Guilherme d'Oliveira Martins

"Conheci Eugénio Lisboa em Londres, sempre com o mesmo rigor e afabilidade, com a amável presença de Maria Antonieta, sua mulher. Conferencista exemplar, era claríssimo até no modo como pronunciava as palavras, assinalando com naturalidade cada sílaba, cada frase, com a preocupação de deixar nítidas as ideias que exprimia. Tinha um sentido de humor único, não perdendo oportunidade para recordar um episódio burlesco. Engenheiro eletrotécnico de formação, no IST, entregou-se, ao longo da vida à literatura com uma dedicação digna de nota. Muitas vezes disse que no pelouro crítico só há uma regra, que considerava de ouro: ler, ler e ler. “Ler com atenção despreconcebida. Ler, aguardando sem a malícia de um programa prévio. Sem querer enfiar pelo texto abaixo a incompetência do método pré-fabricado. É o texto, a sua natureza, a sua força específica, a sua originalidade própria, a sua frescura intrépida – que nos hão de sugerir o método (se algum) mais adequado” (As Vinte Cinco Notas do Texto, INCM, 1987). Afinal, a clareza é a boa fé dos filósofos. E costumava lembrar António Sérgio, quando este pedia que não se fizessem confusões. “Um eclipse do Sol é uma escuridão, mas a teoria dos eclipses é uma doutrina clara”.
Eugénio Lisboa era um leitor permanente e insaciável – vário, intrépido e fecundo. Estou a ver a sua caligrafia cuidada, em cadernos de linhas, e a ordenação de citações oportunas, escolhidas com elevado critério. Não é possível compreendermos o que se chamou segundo modernismo, da revista “Presença”, sem recorrer a quem melhor conheceu e melhor estudou esse singular encontro cultural. Leu e estudou o seu amigo José Régio melhor do que ninguém, e como exímio intérprete entendeu bem os contributos de Adolfo Casais Monteiro, Branquinho da Fonseca e João Gaspar Simões. Percebeu cedo a originalidade do grupo e concordaria com a exceção à ideia de que o Português não é nada inclinado ao conhecimento de si próprio: “gosta muito de falar de si, mas daí a conhecer-se vão mundos”. Contudo, se se seguisse tal simplificação teríamos de concluir que “Antero, Pessoa e Pascoaes, por exemplo, não existiram, ou não foram portugueses, porque o mais significativo da poesia e da personalidade deles – aquilo que mais centralmente os devorou – é muito pouco característico do Português, tal como em média o conhecemos”.
Autor é aquele que acrescenta e foi esse o critério fundamental de Eugénio Lisboa na busca da literatura relevante. Lembremos o conselho que deu a António Osório, em boa hora, para que publicasse a sua inconfundível e sublime poesia. Por outro lado, a admiração que reservou a Jorge de Sena permite-nos aquilatarmos da originalidade e da força de um autor que sempre se considerou menos reconhecido do que deveria, mas que com a passagem do tempo e a limpeza dos caminhos assumiu o lugar essencial, como o crítico sempre considerou. Eugénio citou a propósito de outro intelectual marcante, o Padre Manuel Antunes, Charles Lamb, que disse: “Gosto de me perder no espírito dos outros homens”. Foi assim que aconteceu com ele próprio, numa obra plena de referências e de análises argutas e inteligentes assentes na busca incessante da eterna sabedoria do pensamento e da escrita. Montherlant, Reinaldo Ferreira ou Rui Knopfli também o ocuparam especialmente. Era um cosmopolita, com uma costela anglo-saxónica, criada na experiência moçambicana e na presença em Londres. Ao folhearmos números antigos da revista “Colóquio – Letras”, encontramos sempre o leitor atual, exigente e insaciável, a descobrir aquele pormenor essencial que passaria despercebido ao leitor ocasional. Não esqueço ainda a ação que desenvolveu na Comissão Nacional da UNESCO, sempre atento aos vários domínios da organização: a educação, a cultura, a ciência, o património e a comunicação. E as suas memórias em Acta est Fabula são imperdíveis, um autêntico néctar para a leitura do mundo."
Guilherme d'Oliveira Martins, em Raiz e Utopia, blog do Centro Nacional de Cultura, em 24.04.2024

quinta-feira, 25 de abril de 2024

O brilho intenso da Liberdade

No dia da cor  azul


Ser livre é um imperativo que não passa pela definição de nenhum estatuto. Não é um dote. É um dom. 
Miguel Torga

A liberdade é um dos dons mais preciosos que o céu deu aos homens. Nada a iguala, nem os tesouros que a terra encerra no seu seio, nem os que o mar guarda nos seus abismos. Pela liberdade, tanto quanto pela honra, pode e deve aventurar-se a nossa vida.  
Miguel de Cervantes, (29 de Setembro de 1547- 22 de Abril de 1616), "Dom Quixote"

 

"O afinador de palavras apresentou-se ao fim do dia. A luz, obumbrada pelo ocaso, escondia as cores que sempre exibia. Era um aparecimento estudado. Sorria com alguma astuta ingenuidade, não fossem descobrir que tudo fora  planeado.  A quoi bon, o jogo das palavras pertencia-lhe.

Nesse dia, vestira o azul. Fora um labor infindável. Vieram tantas que ficara exausto. Tinha sido uma revelação. Não era que havia um ror de palavras   a acreditar no impossível. 

O azul era a cor da utopia. Todas aquelas palavras que  tinham lançado acordes, que poetavam, que esgrimiam o som libertário para uma nova humanidade, que carregavam o sonho de um mundo justo se enfileiraram para que as afinasse. Outras ainda, mal alinhadas nas letras que as faziam nascer, vinham trôpegas à espera de um elixir  que as fortalecesse. Só ele conhecia os poderes do azul. Só ele sabia quem  o podia vestir. A autenticidade revelava-se a um pequeno lançar de olhos. Ficou atónito com tanta palavra genuína. Que fazer se o dia tinha cronómetro? E ele que se exigia demais. Como dizimar tanta  maleita inesperada?

Frágeis e desamparadas rogavam, com assertiva doçura, uma recuperação. O azul era melodicamente gentil, intrinsecamente harmonioso. Fugia ao aparatoso, ao ruído dissonante da exigência. Elas, as palavras, queriam  não um remendo, não um penso que se acomodasse  às circunstâncias desse tempo crísico, dessa época infame. Não . Ouvira, límpido e nítido, sem  qualquer vacilação, um rotundo e ardente não. Que burilasse. Que se servisse de um cinzel  e as esculpisse sem demora, mas para todo o sempre.

Qual folha caduca? Que pensamento abstruso.  O Outono  acontecia apenas na natureza. Palavras são palavras. Têm vida própria. Forma definida e lugar no  repositório  das nações. E sabia-se. Era um dado categórico. E o azul identificava as palavras que acreditavam no impossível.

Trabalhou. Recuperou.  Cinzelou. Remendou. O dia prolongou-se até que a cor se tornou invisível. Muitas palavras ficaram prostradas no chão, quando se obscureceu. Nada mais podia fazer. Sem os raios do sol, o azul tornava-se volátil. Desaparecera na magia do insondável poder da luz.

Amanhã seria outro dia. Vestiria também uma outra cor. Afinaria outras palavras. O azul teria de esperar pela roda do tempo.

Agora, escurecia. A noite protegia. Guardara uma única palavra. Trazia-a no bolso. Vinha redonda . A sorrir para quem a esperava, a espargir um odor magnificente. Que azul luminoso a vestia. Era única e imperdível. Fora difícil restabelecê-la. Com ela estavam associadas muitas outras palavras . Não eram visíveis. Mas compunham-na .

Uma sinfonia  soltava-se,  audível apenas para ele: a sinfonia da criação. Desconhecida, majestosa e sedutora. Nem ao fluir, a lembrança dos sons do  Oratorio de Haydn  se apunha. Surgiam diferentes, apesar de produzidos pela estética do belo e sustentados por um denominador comum. Separava-os a  sonoridade dos instrumentos. Era uma sinfonia de  acordes únicos, heróicos  e gloriosos.  Uma sinfonia que se erguera do caos, do nada informe que debruava o vazio. Explodia, alargando-se, em eufónicos e imparáveis movimentos, para lhe encher  o corpo e a mente de novas forças, de diferentes vontades que teria de partilhar.

Vinha com uma palavra forte. Sabia-o. Vira-a por dentro. Tinha as letras bem desenhadas. Nove letras em sincronia perfeita. Ficaria para sempre, como a saudade das coisas felizes. Deixaria de lhe pertencer, logo que fosse  apresentada. Seria de todos e para todos.

Com leveza e disciplinada ternura, começou a retirá-la  devagarinho. À medida que saía,  a noite transformava-se. Tomava-a  um  novo e estranho esplendor. E quando a desnudou e a mostrou inteira , o brilho intenso da Liberdade  iluminou os rostos e encheu de promessas o coração  de cada  um. 

Assim se cumpria, naquele dia, o sonho que veste o azul."

Maria José Vieira de Sousa, in O Afinador de palavras, 2016

quarta-feira, 24 de abril de 2024

Há dias


Há dias que não sabemos como serão. O Sol nasce porque a Lua desapareceu. A noite acaba porque a alvorada  o impõe. A luz brilha porque as trevas se extinguiram.
E, então, as horas sucedem-se e o dia cresce. O Mar, os rios mergulham em movimento e a terra organiza-se em tempo e espaço. E é nesse entretanto que saímos na perplexidade do  acontecer.

terça-feira, 23 de abril de 2024

No dia Mundial do Livro

Eugénio Lisboa , em entrevista a Luís Caetano, na sua casa de S. Pedro de Estoril


Eugénio Lisboa teceu, ao longo da vida, uma magnífica obra, que se distribui por uma variedade de temas e formas. Um homem extraordinariamente culto que sabia combinar, com argúcia, o saber, a erudição com um invulgar sentido de humor, traduzido em sedutora escrita. 
Relembramo-lo com um poema do seu último livro publicado e com uma entrada (ainda inédita) do seu Diário ( Aperto Libro) .

UM LIVRO
 
Um livro é assim como um filho,
que lançamos, indefeso, às feras.
Tentámos, com amor, dar-lhe brilho
e, às vezes, elegância de pantera.
 
Tivemos insónias e também dores,
faltámos a deveres e encontros,
sempre em favor daqueles fervores,
que se alimentam de desencontros.
 
Um livro constrói-se com emoção,
mas também com cálculo e razão.
Junte-se a isso, enorme esforço,
 
de que a alegria é um reforço.
É filho com que nos preocupamos
e de quem, por vezes, nos orgulhamos.
                               26.08.2022
Eugénio Lisboa, in soneto, modo de usar, Editora Guerra & Paz, Abril de 2024,p.46

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S. Pedro, 18.09.2014
"(…) Os poetas: uma noite, em casa do poeta americano Robert Frost, depois do jantar, o escritor e uma jovem vieram postar-se à porta de casa. A jovem exclamou: “Ó Sr. Frost, não está um lindo pôr-de-sol?” Frost respondeu: “Nunca falo de negócios, depois do jantar.”
Quando me cumprimentam, por ainda estar tão alerta, apesar dos meus mais de oitenta anos, lembro-me de Robert Frost que, numa viagem de comboio, ouviu este cumprimento, de alguém que ia na mesma viagem: “Felicitações pela sua longevidade!”  O poeta respondeu secamente: “Vá para o inferno com a minha longevidade. Leia mas é os meus livros!”.  
Convido os meus ainda não leitores a fazer o mesmo: os meus livros são muito mais interessantes do que a minha longevidade."
Eugénio LIsboa

segunda-feira, 22 de abril de 2024

Novidades Literárias em Abril


Editora Guerra & Paz
Novidades editoriais

"Várias estreias literárias e romances premiados são editados neste mês de Abril , em que se  publica o novo livro de poesia de Eugénio Lisboa, "soneto-modo de usar",  pela editora Guerra & Paz,  as memórias de Manuel Alegre e novos livros de Jeferson Tenório, Alia Trabucco Zerán, Liu Cixin e Deborah Levy
Jamaica Kincaid, autora de língua inglesa, natural de Antígua e Barbuda, é uma das estreias literárias em mercado editorial português, com o romance "Annie John", que conta "uma história sublime e universal sobre desenraizamento, identidade e laços de família", segundo a Alfaguara, que publica a obra.
Amplamente elogiada pela crítica e pelos seus pares, a autora é descrita como "irresistível e avassaladora", por Susan Sontag, "elegante e intransigente", por Ali Smith, e autora de livros "crus, excessivos e, sobretudo, belíssimos", que descobrem "beleza entre as ruínas", nas palavras de Alejandro Zambra.
Da mesma editora chega também um novo romance da canadiana Miriam Towes, autora de "A voz das mulheres", ambientado no universo feminino, através da intimidade de uma "família desarranjada".
"Noite de luta" relata as aventuras inteligentes e impetuosas de uma pequena rapariga de 9 anos, que se alimenta do universo da sua mãe e da sua avó.

Uma outra publicação inédita em Portugal é o romance "Eu canto e a montanha dança", de Irene Solà, um dos maiores sucesso da literatura catalã e europeia, segundo a Cavalo de Ferro.
Trata-se de uma espécie de fábula contemporânea, situada nos Pirenéus catalães, que congrega dramas e tempestades, tragédias e folclore, que venceu do Prémio Anagrama de Romance 2019, o Prémio de Literatura da União Europeia 2020, e foi finalista do National Book Critics Circle`s Award.

Elsinore publica o primeiro romance da tradutora e autora de livros infantis e de não-ficção Rita Canas Mendes, "Teoria das Catástrofes Elementares", o retrato das vivências de uma família portuguesa disfuncional, entre Lisboa e Cascais, nas últimas décadas do século XX, vista pelos olhos de uma protagonista durante a sua infância e adolescência.
Na mesma editora, será publicado aquele que foi o romance de estreia da escritora chilena Alia Trabucco Zerán, "A Subtração", e que chegou a finalista do Prémio Booker Internacional.
Nesta obra da autora de "Limpa", três jovens adultos a contas com a traumática herança de um país, embarcam numa `roadtrip`, em que as sombras de morte da ditadura de Pinochet se interligam com o percurso e os sonhos individuais de cada um.

Ainda ao nível das novidades, a Suma de Letras lança "A Corrente", um policial de Filipa Amorim, que é o seu livro de estreia, e "Dezanove Degraus", primeiro romance da atriz Millie Bobby Brown (protagonista de "Stranger Things"), inspirado na história da sua avó.

Companhia das Letras traz uma nova história de Jeferson Tenório, autor de "O avesso da pele", sobre a luta de uma adolescente que sonha ser filósofa e encontrar o lugar certo no mundo, intitulada "Estela sem Deus", bem como um novo livro de Susana Moreira Marques, "Terceiro andar sem elevador: Notas sobre Lisboa", uma reflexão sobre a vida moderna e um tributo a esta cidade.

As "Memórias Minhas", de Manuel Alegre, compostas por pequenas histórias que traçam também um retrato do Portugal dos anos 1950 até ao país livre após o 25 de Abril, chega às livrarias pela Dom Quixote, que edita também um novo romance do escritor e músico cabo-verdiano Mário Lúcio Sousa, intitulado "O livro que me escreveu".
Dom Quixote publica também "A Filha Única", romance da escritora mexicana Guadalupe Nettel, finalista do Prémio Booker Internacional 2023, romance sobre três mulheres e os laços que as unem, nas suas histórias particulares em torno da maternidade, da sua negação ou aceitação, das dúvidas, incertezas, sentimentos de culpa, alegrias e angústias.
"Manual Para a Obediência", de Sarah Bernstein, é outra aposta da editora, um romance sobre cumplicidade e poder, desenraizamento e legado, que foi finalista dos prémios Booker e Giller 2023.

"Voltar do Bosque", romance de Maddalena Vaglio Tanet nomeado para o prémio Strega em 2023, é outra novidade da Dom Quixote, enquanto a Casa das Letras publica "Tortura Branca", de Narges Mohammadi, Prémio Nobel da Paz em 2023, que relata experiências de catorze mulheres, incluindo ela própria, nas prisões da República Islâmica do Irão.

A Relógio d`Água vai lançar o novo romance da escritora britânica Deborah Levy e o mais recente livro de contos da norte-americana Lydia Davis, "Os Nossos Desconhecidos", bem como o terceiro volume da trilogia "Lembrança da Terra do Passado", de Liu Cixin, "A Morte Eterna".

A Contraponto lança "Turno da noite", de Robin Cook, e vai reeditar a obra "O quinto filho", de Doris Lessing, fora do circuito editorial português há mais de 30 anos.

Outra novidade literária chega pela Quetzal, o romance de estreia de Mário Rufino, professor, crítico literário e organizador de festivais literários, intitulado "Cadente".
"Piero Solidão", de Leonor Baldaque e "A Sociedade Muito Secreta dos Caminhantes Solitários", de Rémy Oudghiri, são outros livros a saírem nesta chancela.

"O Ladrão de Arte", de Michael Finkel, é uma das apostas para abril da Porto Editora, enquanto a chancela Livros do Brasil publica mais um livro de Annie Ernaux, neste caso o seu romance de estreia, "Os Armários Vazios", bem como "Pedra e Sombra", de Burhan Sönmez, vencedor do Prémio do Romance Orhan Kemal na Turquia e finalista do Strega Europeu em Itália.

A Assírio & Alvim publica "Alexandre O`Neill. Uma Biografia Literária", de Maria Antónia Oliveira, numa edição revista e aumentada, e publica "Entre Sílabas e Lavas", de Nuno Guimarães.

Na área da ficção, as novidades literárias do grupo Almedina, editados pela Minotauro, são "Messalina - Uma história de poder, difamação e adultério" de Honor Gargill-Martin, e "Os Frágeis Fios do Poder" de V. E. Schwab.

"Tarrafal", o novo livro do fotógrafo documental João Pina, "Livros Reunidos", antologia poética de Carlos Bessa, e "Catarina e a Beleza de Matar Fascistas", texto do espetáculo de Tiago Rodrigues, agora em livro, são algumas das novidades de abril da Tinta-da-China."

Da Guerra & Paz:

Après la tentative d'assassinat, l'écrivain livre une réflexion puissante et intime

Si vous n'arrivez pas à lire ce message, suivez ce lien.

présente le nouveau livre de Salman Rushdie




« Il était nécessaire que j'écrive ce livre : une manière d'accueillir ce qui est arrivé, et de répondre à la violence par l'art. » S. R.
Pour la première fois, Salman Rushdie s’exprime sans concession sur l’attaque au couteau dont il a été victime le 12 août 2022 aux États-Unis, plus de 30 ans après la fatwa prononcée contre lui.
Dans ce livre très personnel, paru simultanément dans de nombreux pays cette semaine, et qui signe par la même occasion son entrée dans le catalogue Gallimard, l'écrivain lève le voile sur la longue et douloureuse traversée pour se reconstruire après un acte d’une telle violence; jusqu’au miracle d’une seconde chance.

Questions à Salman Rushdie

Le Couteau sera votre premier livre publié chez Gallimard. Pourquoi ce titre ?

Salman Rushdie : Ça m'a semblé être la façon la plus directe de m'exprimer. Parce que la seule raison à l'existence de ce livre, c'est ce couteau. Franchement, je n'avais pas l'intention d'écrire un nouvel essai autobiographique. Vous savez, ça n'a jamais été mon intention de pratiquer l'écriture autobiographique. Mais là, après cette... attaque, il me semblait difficile de parler d'autre chose. Alors je me suis dit : "Je dois écrire ce livre, pour pouvoir écrire autre chose par la suite."

Le 12 août 2022, vous avez été attaqué, et presque tué. 27 secondes qui ont changé votre vie. Pour ouvrir le livre, vous avez choisi une citation d'un célèbre écrivain irlandais, quelle est-elle ?

Salman Rushdie : C'est une phrase de Samuel Beckett. Qui dit [...] "Nous sommes différents, nous ne sommes plus ce que nous étions avant la calamité d'hier."
Ce que j'entends, c'est que pour lui, chaque jour est une calamité. Et, à chaque fois, une calamité différente. Il me semblait que ça correspondait parfaitement à ce dont je voulais parler, à savoir cette irruption radicale dans le cours d'une vie, de la mienne en l'occurrence... Je pense que je suis, jusqu'à un certain point, en train de prendre mes distances avec cette affirmation parce que, dans le fond, je retrouve ma vie d'avant. Je n'ai donc pas l'impression que ma vie a été radicalement détruite, si l'on excepte un certain nombre de problèmes de santé.


1
LE COUTEAU

"À dix heures quarante-cinq le 12 août 2022, par un vendredi matin ensoleillé dans le nord de l’État de New York, j’ai été attaqué et j’ai failli être assassiné par un jeune homme armé d’un couteau juste après être monté sur scène dans l’amphithéâtre de Chautauqua pour y parler de l’importance de préserver la sécurité des écrivains.
J’étais accompagné de Henry Reese, cofondateur avec son épouse Diane Samuels du projet de Pittsburgh Ville Refuge, qui donne asile à un certain nombre d’écrivains en danger dans leur propre pays. Henry et moi étions venus à Chautauqua parler de la création en Amérique de lieux sûrs destinés à des écrivains venus d’ailleurs et de mon engagement dès les prémices de ce projet. Cela faisait partie d’un programme d’une semaine de manifestations organisées par l’Institution de Chautauqua intitulé « Plus qu’un refuge. Redéfinir l’accueil américain ».
Nous n’avons jamais eu cette conversation. Et je n’allais pas tarder à découvrir que, ce jour-là, l’amphithéâtre n’était pas pour moi un lieu sûr.
Je revois encore l’instant au ralenti. Mes yeux suivent la course de l’homme qui jaillit du public et vient vers moi. Je distingue chaque pas de sa course effrénée. Je me vois me lever et me tourner vers lui. (Je continue à lui faire face. Je ne lui ai jamais tourné le dos. Je n’ai aucune blessure dans le dos.) Je lève la main gauche dans un geste d’autodéfense. Il y plonge le couteau.
Ensuite je reçois de nombreux coups, au cou, à la poitrine, à l’œil, partout. Je sens que mes jambes me lâchent et je m’écroule.
*
Le jeudi 11 août avait été ma dernière soirée insouciante. Henry, Diane et moi nous étions promenés en toute légèreté dans le parc de l’Institution et nous étions retrouvés pour un dîner agréable au restaurant 2 Ames au coin de la partie verdoyante du parc nommée Bestor Plaza. Nous avions évoqué le discours que j’avais prononcé dix-huit ans auparavant à Pittsburgh sur mon rôle dans la création du Réseau international des villes refuges. Henry et Diane y avaient assisté et s’en étaient inspirés pour faire aussi de Pittsburgh une ville refuge. Ils avaient commencé en finançant une petite maison et en soutenant financièrement un poète chinois, Huang Xiang, qui eut cette initiative frappante de recouvrir les murs extérieurs de sa nouvelle demeure d’un poème en grands idéogrammes chinois à la peinture blanche. Henry et Diane développèrent progressivement le projet jusqu’à disposer de toute une rue de maisons refuges, Sampsonia Way, dans les quartiers nord de la ville. J’étais heureux d’être à Chautauqua pour fêter leur réussite."


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domingo, 21 de abril de 2024

Ao Domingo Há Música


África minha

A África tem isto: é enorme
ali, nunca se fica apertado.
Mesmo quando parece que ela dorme, 
há nela um grande fogo agastado!
           Eugénio Lisboa, Soneto, modo de usar

O fascínio de África é intenso e infindável. Quem lá vai , fica preso na sedução que dela emana. Quem lá nasceu, não esquece as raízes. Enorme, tem o fogo que sempre se ateia.
Rhodália Silvestre é uma cantora eclética moçambicana, caracterizada por ritmos contemporâneos urbanos que se misturam com jazz, neo soul, reggae e pop, mantendo uma forte identidade e influência africana, informa o Museu Virtual da Lusofonia. 
É com ela, detentora de uma grandiosa voz, que se enche este espaço , neste domingo de Abril.  
Rhodalia Silvestre, em  África, num espectáculo em Portugal, Cascais.

sábado, 20 de abril de 2024

Considerações ao correr da pena

Considerações ao correr da pena
 por Eugénio Lisboa
“Pior do que um poema mau é um poema demasiado longo, com pouca poesia dentro. Um bom exemplo disso é o infernal PARAÍSO PERDIDO, de Joihn Milton.
Pior do que um ensaio crítico mau é um ensaio crítico enviesado. O ensaio mau é só falta de pontaria; o enviesado é falta de pontaria propositada. O primeiro é só inevitável defeito; o segundo é pura malícia.
Um exemplo de ensaio crítico enviesado é o ensaio crítico ideologicamente inflectido. É ler, por exemplo, no admirável CORAÇÃO DAS TREVAS, de Joseph Conrad, os malefícios do colonialismo e não reparar naquela profunda sondagem ao coração das trevas da condição humana. O enviesado tem coisas que não quer ver, a favor de outras que quer ver, com enviesada exclusividade.
O obcecado com livros policiais vê apenas, no REI ÉDIPO, de Sófocles, uma intriga de “suspense”; o obcecado com psicanálise vê, nessa obra-prima, aquilo que serviu a Freud para baptizar um dos seus complexos; o obcecado com o pecado original vê, na imortal peça grega, um exemplo de como o pecado é sempre punido. Cada um tem as suas razões, mas não tem a razão toda que deveria ter.
Estreitar o foco da nossa atenção, para visar apenas uma pequena área de uma grande obra, é a maior ofensa que se pode fazer a um grande autor. Dizer que a CHARTREUSE DE PARME é a história de uma tia apaixonada pelo sobrinho é tão redutor como dizer que Shakespeare era um homem que ganhava a vida a fazer peças de teatro e a representá-las. Mas é isto mesmo que faz a crítica ideológica, seja qual for a ideologia. As ideologias podem ser diferentes, mas todas fazem o mesmo: reduzir o que é complexo.
Não se pode julgar o todo pela parte e não se pode vender a parte pelo todo.
Reduzir a complexidade de uma obra rica a uma pastilha ideológica é próprio de quem prefere chupar um caramelo, em vez de comer uma suculenta refeição. Cada um contenta-se, como pode, com o que tem.
O leitor que só olha numa direcção lê, na obra que lê, não o muito que lá está, mas o pouco que ele quer que lá esteja. E, em vez de escrever, ele mesmo, a obra com que sonha, pendura-se desastradamente na obra de outros, transformando-a no figo seco de sua autoria. O crítico enviesado é um vampiro e, como todos os vampiros, teme a luz do dia.”
Eugénio Lisboa, em Crónica publicada na rubrica Ipsissima Verba da Revista LER, 2023

sexta-feira, 19 de abril de 2024

In memoriam

Eugénio Lisboa nos 25 anos de Estudos Regianos.
Sessão celebrativa dos 25 anos de Estudos Regianos que decorreu na Casa Museu José Régio, em Vila do Conde no sábado, 26 de Novembro de 2022. A sessão contou com a presença do Vereador da Cultura da Câmara Municipal de Vila do Conde, Paulo Vasques e da Chefe da Divisão Cultural da Câmara, Marta Miranda. A Presidente do Centro de Estudos Regianos, Isabel Cadete, abriu a sessão com uma palestra sobre José Régio, e seguiu-se a apresentação do número temático da revista Estudos Regianos “A Figura Feminina na Obra Regiana”, por Isabel Pires de Lima, antiga Ministra da Cultura. A sessão foi encerrada por Eugénio Lisboa, o maior e mais dedicado estudioso da obra de José Régio,  com uma magnífica intervenção em que chamou a atenção para o frequente  esquecimento que   cai sobre os grandes escritores  já desaparecidos  apesar do contributo dado pelos respectivos legados para o  engrandecimento da Literatura e do mundo.  

Sessão celebrativa dos 25 anos de Estudos Regianos.
 Eugénio Lisboa está sentado, ao cento,  na mesa.