Camilo Castelo Branco, por José Hermano Saraiva
Por mais que se celebre Camilo Castelo Branco é quase impossível corresponder à real dimensão da sua prodigiosa estatura literária. Aliás , a sua obra é tão grande e rica que nunca se esgota a sedução de a redescobrir.
Neste ano de 2025, celebram-se os 200 anos do seu nascimento. É , pois, o tempo de recordar este grande vulto das nossas Letras.
"Camilo Castelo Branco nasceu a 16 de Março de 1825, nos Mártires, Lisboa. Além de ser, com Eça, um dos romancistas mais importantes e dos mais brilhantes romancistas portugueses do século XIX, foi também cronista, crítico, dramaturgo, poeta e tradutor. Entre 1851 e 1890, escreveu mais de 260 obras, algumas publicadas em folhetins, quase todas no estilo do romantismo, sendo o primeiro escritor de língua portuguesa a viver exclusivamente dos seus trabalhos literários. Algumas das suas mais conhecidas obras como “Amor de Perdição”, “A Viúva do Enforcado”, “A Brasileira de Prazins” ou “A Queda de um Anjo” integram esse vasto conjunto de títulos que , segundo alguns autores, chegaram mesmo a ser mais, entre originais, traduções, prefácios, crítica literária e outras colaborações.
Oriundo de uma família aristocrática, era filho de Manuel Joaquim Botelho e de Jacinta Rosa do Espírito Santo, Camilo cedo ficou órfão (de mãe aos 2 anos e de pai aos 10), tendo por isso mudado de Lisboa para Trás-os-Montes, onde cresceu com uma tia paterna num ambiente de “fragas e viver primitivo”, nas palavras de Alexandre Cabral. A sua personalidade viria assim a ser moldada por um carácter rebelde e contestatário que marcou profundamente uma vida buliçosa e de permanente instabilidade. A sua obra é, de certa forma, reflexo dessa sua vivência, retratada em muitos dos seus romances e novelas.
Teve vários amores tumultuosos, um deles com Patrícia Emília do Carmo de Barros. Em 1860, refugiou-se na Casa do Ermo, em Fafe. Ainda convivendo com Patrícia, publicou no jornal O Nacional correspondência contra José Cabral Teixeira de Morais, governador civil de Vila Real, desavença que lhe valeu um espancamento por um capanga do governador.
Em 1848, Camilo abandonou Patrícia. No Porto, tentou o curso de Medicina, mas acabou por optar por Direito. A partir desse ano, levou uma vida boémia, repleta de paixões, dividindo o seu tempo entre cafés e salões burgueses, enquanto se dedicava ao jornalismo.
Apaixonou-se pela mulher do negociante Manuel Pinheiro Alves, Ana Augusta Vieira Plácido, com quem fugiu. Após algum tempo a monte, foram capturados e julgados pelas autoridades. Absolvidos do crime de adultério, passaram a viver juntos; Camilo tinha então 38 anos. Ana Plácido teve um filho, supostamente do antigo marido, seguido por mais dois filhos de Camilo. Com uma família numerosa para sustentar, o autor de Amor de Perdição começou a escrever a um ritmo alucinante.
A sua intensa atividade literária estendeu-se à contribuição em inúmeras publicações periódicas, como: A Revolução de Setembro, O Panorama, Revista Universal Lisbonense, A Ilustração Luso-Brasileira, Revista Contemporânea de Portugal e Brasil, O Arquivo Pitoresco, Gazeta Literária do Porto, Ribaltas e Gambiarras e A Ilustração Portuguesa, entre outras.
Desde 1865, Camilo começou a apresentar sintomas de neurossífilis, que, além de outros problemas, provocava uma cegueira progressiva, impedindo-o de ler e trabalhar adequadamente, o que o mergulhou em desespero suicidário.
Entre 1873 e 1890, deslocava-se regularmente à Póvoa de Varzim, onde se perdia no jogo e escrevia parte da sua obra no antigo Hotel Luso-Brasileiro. Ali, reunia-se com personalidades de destaque intelectual e social. Passou os últimos anos de vida ao lado de Ana, mas nunca encontrou a estabilidade emocional por que ansiava. As dificuldades financeiras, a doença e os filhos trouxeram-lhe grandes preocupações.
Após um período de grande sofrimento provocado pela grave doença dos olhos que o torturou, particularmente no período entre 1888 e 1890, e desenganado da cura pelo médico oftalmologista Edmundo Machado, viria a por termo à vida na tarde de domingo, dia 1 de Junho de 1890, na sua casa, em Vila Nova de Famalicão, na freguesia de São Miguel de Seide , hoje sede do Centro de Estudos Camilianos."
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| 200 anos do nascimento de Camilo Castelo Branco |
O Primeiro Romancista Português
"Numa carta ao editor António Maria Pereira, datada de 1862, Camilo escrevia estas palavras lastimosas: “Vexo-me de estar pobre, e de ser a irrisão dos que me chamam primeiro romancista como ao Cristo chamavam rei da Judeia. É uma ironia honorífica.” A lamentação envolve dinheiro: remuneração do trabalho de escrita. É sabido que Camilo foi o primeiro escritor português a viver da escrita, o que em parte explica a sua extensa obra, também das mais variadas em géneros e modalidades de publicação. Mas aquelas palavras mostram também que, naquele momento — com apenas 37 anos —, Camilo beneficiava já de grande prestígio literário. Chamarem-lhe alguns o primeiro romancista era sinal da percepção de que Camilo introduzira já na literatura portuguesa coisa de grande monta: nada menos do que o romance moderno.
De facto, ser o primeiro escritor a viver das letras é significativo por se tratar de um romancista que, praticamente sozinho, impôs o romance como género dominante no espaço literário português e caracterizou a especificidade da figura do romancista: no romanesco de Camilo, romancista e personagens habitam o mesmo mundo, porque esse mundo é definido como um mundo em que coexistem os romances e o romancista, cujo ofício é escrevê-los. Desse ofício, Camilo ressalta a competência de escrita e imaginação, mas também a ideia crucial de que o romance não é um género entre outros, mas o género caracterizado pela liberdade e pela dimensão pública democrática. Camilo repetiu muitas vezes que os seus romances não tinham nenhum intuito de moralizar ou de melhorar o mundo. Esse desígnio moralizador, nunca o considerou fonte de legitimidade das ficções que expedia a bom ritmo para quem as quisesse ler: caberia aos leitores a responsabilidade de fazer com elas o que entendessem.
Por outro lado, Camilo nunca deixou de enfrentar a brutalidade do mundo, intransigente com a estupidez e a ignorância, intolerante com a arrogância dos poderes e a violência. Obras como Amor de Perdição, A Queda dum Anjo, Novelas do Minho ou A Brasileira de Prazins, entre tantas, são testemunho eficiente e impressionante dessa face de Camilo frequentemente ignorada. São também do mais valioso que a literatura portuguesa de Oitocentos nos legou."
Ler Mais, Ler Melhor - Casa-Museu Camilo Castelo Branco

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