quinta-feira, 25 de dezembro de 2025

É um menino e é Deus

Natal

Ninguém o viu nascer
Mas todos acreditam
que nasceu.
É um menino e é Deus.
Na Páscoa vai morrer, já homem,
Porque entretanto cresceu
E recebeu
A missão singular
De carregar a cruz da nossa redenção.
Agora, nos cueiros da imaginação,
Sorri apenas
A quem vem,
Enquanto a Mãe,
Também
Imaginada,
Com ele ao colo,
Se enternece
E enternece
Os corações,
Cúmplice do milagre, que acontece
Todos os anos e em todas as nações.
Miguel Torga, in " Diário XIV", Coimbra, 25 de Dezembro de 1983
 
O poeta e o músico tecem a ternura e a beleza de Maria, a mãe de  Jesus. Cúmplice de um milagre que se repete em Dezembro de cada ano,   a humildade  serena de Maria fez dela a sempre Bem-Aventurada.


A voz da alma | Quia respexit humilitatem | Magnificat BWV 243 
, de Johann Sebastian Bach. Soprano a solo: Mojca Bitenc Križaj. Direcção musical: Maestro: Sebastian Vrhonik. Orquestra e Coro: Orquestra Barroca da Caríntia Concertino: Thomas Fheodoroff Coro da sociedade musical Glasbena Matica. Director de coro: Tanja Rupnik. Pianista : Alina Kolomiets.

 
 Quia respexit humilitatem ancillae suae.
 Ecce enim ex hoc beatam me dicent omnes generationes. 
(Porque Ele olhou para a humildade da sua serva.
 Pois desde agora todas as gerações me chamarão bem‑aventurada.
)
BachMagnificat

"No coração do monumental Magnificat BWV 243, de Bach, existe um instante de uma intimidade tão profunda que o próprio tempo parece deter-se. "Quia respexit humilitatem" este é o único andamento do Magnificat em que Bach escreveu explicitamente o tempo: Adagio. Isso já revela a intenção: uma pausa sagrada, um recolhimento no meio da grandiosidade da obra. É um instante em que o esplendor barroco se suspende para dar lugar a algo vulnerável, humano e interior — o mundo íntimo de Maria. O que torna este andamento extraordinário é o que Bach ousa retirar. O primeiro andamento explode com a orquestra barroca completa e trompetes resplandecentes. Mas aqui, ele despoja tudo até à sua essência: uma única voz de soprano, um oboé d'amore solitário e o baixo contínuo. Neste belo vazio, somos convidados a entrar no mundo interior de Maria – um espaço de assombro, humildade e reverência silenciosa. O musicólogo alemão Philipp Spitta escreveu em 1873 que "raramente a ideia de pureza virginal, simplicidade e humilde felicidade encontrou uma expressão mais perfeita do que nesta imagem alemã da Madona, traduzida para a linguagem musical". A mudança para a tonalidade menor, a voz melancólica do oboé d'amore, as linhas melódicas descendentes – cada elemento conspira para pintar a própria humildade em som. A humildade é um gesto descendente, e Bach compõe-na com uma literalidade comovente. As linhas melódicas traçam longas curvas em forma de S que descem como alguém que inclina a cabeça em reverência, aceitação e graça. O único instrumento de sopro confere ao andamento uma ternura quase submissa, encarnando perfeitamente as palavras de Maria sobre ser olhada na sua pequenez. 
A soprano e o oboé d'amore não se limitam a acompanhar-se – respiram juntos naquilo a que o maestro Michael Steinberg chama um "dueto contemplativo". Então, algo muda. Com as palavras "ecce enim ex hoc beatam" – de agora em diante, todas as gerações me chamarão bem-aventurada – a linha vocal transforma-se. Maria já não reflecte apenas; ela proclama uma verdade que ecoará pela eternidade. E então chega o golpe de génio mais arrebatador de Bach. O último compasso da soprano é, simultaneamente, o primeiro compasso de "Omnes generationes". Sem cesura, sem pausa, sem fôlego. Num instante, Bach lança-nos das profundezas da humildade íntima para uma celebração coral explosiva. De uma humilde serva para toda a humanidade. Do sussurro ao trovão. Da solidão à eternidade. Sem perder o ritmo. Aqui, Bach mostra-nos algo essencial: que o poder mais profundo fala muitas vezes com a voz mais suave. Quando tudo o resto desaparece – os trompetes, o coro completo, toda a grandeza – é isto que resta: uma única voz humana, um único instrumento, e um momento de beleza pura e destilada que tem comovido os ouvintes até às lágrimas durante três séculos. 
Mojca Bitenc Križaj é uma proeminente soprano europeia e uma célebre solista da Ópera e Ballet Nacional da Eslovénia (SNG). É aclamada em todo o mundo pela sua voz excepcional e pelo seu virtuosismo refinado. Concluiu o seu mestrado com a mais alta distinção, summa cum laude, e recebeu o prestigiado Prémio Estudantil Prešeren pelas suas conquistas. A sua impressionante carreira inclui actuações em festivais de renome, como o Festival de Bregenz, e em importantes palcos por toda a Europa. Colabora regularmente com orquestras de topo, incluindo a Orquestra Sinfónica de Viena, a Filarmónica da Eslovénia e a orquestra da Ópera de Budapeste. Para além da sua carreira musical, Mojca Bitenc Križaj é também licenciada em medicina, uma formação que torna a sua decisão de seguir a paixão do seu coração pela música ainda mais notável. A sua voz possui uma pureza e expressividade raras que comovem profundamente o ouvinte."

quarta-feira, 24 de dezembro de 2025

Chega o Natal


Natal

Seguem as estrelas os sábios do Oriente,
trazendo ouro, incenso e mirra de presente,
porque do Céu um anjo vai chegar.
E perguntam: Onde está o rei recém-nascido,
pois que adorá-lo nos seja permitido,
dizem Gaspar, Melchior e Baltazar.

Em Belém uma luz imensa se irradia,
ao som inaudível de celeste melodia.
E num estábulo próximo da cidade,
nasce tão pobre o redentor do mundo
é a humildade em seu exemplo mais profundo
para ensinar o amor e a paz à humanidade.

Num berço de palha, o maior encanto,
entre sábios e pastores o maior espanto
ante um divino Ser, ali, feito criança.
É um celeste peregrino chegando à humanidade,
a um coração de mãe que o amor invade
e trazendo à Terra a semente da esperança.

Há dois mil anos nasceu Jesus na Palestina
Mensageiro da paz, do amor, da luz divina.
Nada escreveu, mas é o Mestre Incomparável.
Curou a tantos e pregou o perdão e a bondade,
foi o supremo exemplo da mais sublime caridade,
e ultrajado com a pena mais ingrata e abominável.

Chega o Natal, e Jesus volta a nascer a cada ano.
Mas será que já nasceu no coração humano?
Será que festejamos o que mais importa?
Ele é o Caminho, é a Verdade e é a Vida,
é o Pastor em busca da ovelha perdida.
Eis porque Jesus volta a bater em nossa porta.
        Curitiba, 22 de dezembro de 2025
Manoel de Andrade

 

“Silent Night”- Epic Winter Rock Ballad,  versão da Hidden Jem, (2026 Remaster)
Uma reinterpretação tranquila e cinematográfica de um dos hinos de Natal mais acarinhados do mundo. Nesta , a melodia intemporal é reinventada como uma balada rock de inverno moldada pela quietude, reverência e profundidade emocional.
“Silent Night” sempre foi mais sobre o silêncio do que sobre o som. Sobre a luz que chega suavemente. Sobre a paz que é sentida em vez de proclamada. Este arranjo inspira-se em vastas paisagens de inverno — montanhas cobertas de neve, estrelas distantes, aldeias de madeira a associado a narrativas épicas de inverno — não como imitação, mas como simbolismo: onde o silêncio se torna sagrado e até a mais pequena luz parece poderosa.
 “Silent Night” foi composta em 1818 por Franz Xaver Gruber com letra de Joseph Mohr e desde então tornou-se um dos hinos de Natal mais interpretados da história da humanidade. Ao longo de dois séculos, atravessou fronteiras, línguas e culturas, levada por vozes em busca de calma, esperança e reflexão. A melodia e a letra originais são consideradas de domínio público, enquanto esta gravação apresenta um novo arranjo épico de balada rock, criado com profundo respeito pela herança espiritual do hino. 
 
Luciano Pavarotti e Placido Domingo , em  O Holy Night / Cantique De Noel (Christmas-Vienna 1999)
   
Sinead O'Connor, em  Silent Night (Long Version) [Official Audio].

terça-feira, 23 de dezembro de 2025

É isto a grande ficção


Vamos Ler
por Eugénio Lisboa
"Para ler, qualquer sítio serve. Uma cadeira, um sofá, um degrau de escada, a areia de uma praia, o banco de um comboio ou o assento de um avião, até numa fila de espera de um museu, com a neve a cair-nos em cima, como vi, em Moscovo, quando lá fui num inverno. Os grandes leitores conseguem ler em qualquer lado. André Gide, talvez por masoquismo de protestante, escolhia, para ler e até para escrever, os nichos mais desconfortáveis da sua casa, na Rue Vaneau, em Paris. Mas, tudo visto, o que sobretudo me seduziu, como lugar de leitura, ao longo da vida, foi uma cama. Durante toda a minha infância, juventude e alguma maturidade, li na cama, mais do que em qualquer outro sítio. Logan Pearsall Smith, ensaísta inglês, de origem americana, conhecido pelos seus acutilantes aforismos e epigramas, gostava de dizer: “Dêem-me um livro e uma cama e estou perfeitamente feliz.” E o mesmo Logan Pearsall Smith ia até mais longe, quando não hesitava em afirmar: “As pessoas dizem que o que vale a pena é viver, mas eu prefiro ler.” Na cama, claro. Receio, porém, não ter esgotado a variedade de sítios onde se pode ler. Henry Miller, desbocado como era seu costume, informava: “Todas as boas leituras que fiz, pode dizer-se, foram feitas na retrete.” Que é, de facto, um dos mais assíduos locais de aquisição de cultura. Negue-o quem puder. De resto, esta afinidade entre cultura (aquisição da) e sanita foi sumptuosamente afirmada por um nosso ministro da cultura, por acaso o melhor de todos eles, ao mandar aprimorar, no ministério da dita, uma sanita de luxo, com requintes de palácio de sheik milionário. Críticos ignaros, pouco lidos em clássicos como o autor de Trópico de Câncer, difamaram o investimento gigante na sanita, mal suspeitando que é em tais loci que a cultura prospera! De qualquer modo, o grande leitor, o que se deixa absorver por um bom romance, uma peça de teatro, um belo poema, um bom e apaixonante ensaio, lê em qualquer sítio: num comboio, num automóvel, num buraco de obus, em pleno bombardeamento… Não estou a exagerar. O escritor francês, André Gide era não só um grande escritor, mas era também um grande e insaciável leitor. A leitura absorvia-o de tal maneira, que se alheava de tudo o resto, enquanto lia Tolstoi ou Ovídio. Um dia, foi fazer, com amigos, uma viagem de automóvel por vários países europeus. Levava consigo o romance Guerra e Paz, de Tolstoi. Ia tão absorvido na leitura, que, de uma vez, tendo eles chegado a um museu importante, que tencionavam visitar, os amigos saíram do carro, estacionado próximo do referido museu. Gide, embora tivesse manifestado muito interesse em o visitar, encontrava-se tão “apanhado” pela grande narrativa do escritor russo, que pediu aos amigos que fossem e o deixassem no carro, imerso na leitura, que não conseguia interromper. São estes os grandes leitores, que têm, na leitura, um prazer intenso e nunca desfrutado pelos indivíduos que raramente abrem um livro.
O escritor francês, Claude Roy, notável romancista, ensaísta e diarista, era também um formidável e arguto leitor. Num dos seus livros conta uma pequena história de guerra, durante o conflito que devastou a Europa, de 1940 a 1945. Num momento em que uma unidade aliada se encontrava debaixo de fogo intenso da artilharia alemã, Claude Roy saltou para um buraco de obus, no qual se encontrava já outro soldado. Para seu grande espanto, verificou que o companheiro de abrigo parecia completamente alheio ao inferno de ferro e fogo que os cercava e passava por cima das suas cabeças. Intrigado, tentou perceber o que se passava e acabou por ver que o seu parceiro se encontrava completamente absorvido na leitura dum romance de Richard Hughes, que relatava uma tempestade a bordo de um navio, no mar alto. Tão embrenhado estava naquela tempestade fictícia, que nem dava pelo inferno real que o ameaçava. É isto que a grande ficção faz aos grandes leitores: envolve-os por completo, obturando qualquer contacto com o mundo real."
Eugénio Lisboa, in Vamos Ler, um cânone para o leitor relutante, Editora Guerra & Paz, Março de 2021, pp.39-42

segunda-feira, 22 de dezembro de 2025

Viajar pelo Mundo

Viajar é nascer e morrer a todo o instante. 
Victor Hugo
 
The Most Beautiful Places On Earth - 4K | Travel Video 2026

domingo, 21 de dezembro de 2025

Ao Domingo Há Música



Laudate Dominum omnes gentes
Laudate eum, omnes populi
Quoniam confirmata est
Super nos misericordia eius
Et veritas Domini manet in aeternum

Gloria Patri et Filio et Spiritui Sancto
Sicut erat in principio, et nunc, et semper
Et in saecula saeculorum
Amen
 Livro dos Salmos

(Louvai o Senhor, todas as nações;
Louvai‑O, todos os povos.
Porque firme e eterna é
Sobre nós a sua misericórdia,
E a verdade do Senhor permanece para sempre.

Glória ao Pai, e ao Filho, e ao Espírito Santo,
Como era no princípio, agora e sempre,
E pelos séculos dos séculos.
Amen.)

 

Os dois magníficos trechos que compõem  a selecção musical deste domingo são de Wolfgang Amadeus Mozart . 
Mozart regressa sempre a este espaço. Ouvi-lo, (re)escutá-lo será sempre uma celebração inacabada. Nele, há tanto para festejar que será impossível não o trazer, não o fruir, não o redescobrir e não ser  evocado por vidas vindouras que ultrapassam a nossa finitude. 

Laudate Dominum,  de Wolfgang Amadeus Mozart, pelo  Bel Canto Choir Vilnius.  A interpretação a solo é  de  Lina Dambrauskaite, com  Raminta Gocentiene ao piano. Este registo faz parte do espectáculo ao vivo  "An Evening With Bel Canto", em St. Catherine Church , a 6 de Novembro de 2010, em Vilnius, Lituânia.
Laudate Dominum  , o texto faz parte do Livro dos Salmos que eram originalmente cânticos litúrgicos do Templo de Jerusalém. Este salmo, em particular, é um convite universal: todas as nações, todos os povos são chamados a louvar Deus.
É um salmo de abertura, de alegria, de comunhão porque  carrega duas ideias centrais da espiritualidade bíblica:
A misericórdia de Deus é firme e constante.
A verdade de Deus permanece para sempre.
Por isso ele é usado em celebrações que querem expressar gratidão, esperança e unidade.
Mozart compôs este Laudate Dominum, em 1780, como parte das Vésperas Solenes de um Confessor (Vesperae solennes de confessore, K. 339). É um conjunto de seis movimentos litúrgicos escritos para a Catedral de Salzburgo. O Laudate Dominum é o quinto movimento — e é, de longe, o mais famoso. Mozart faz algo muito particular ao  transformar um salmo curto e jubiloso numa oração profundamente serena e luminosa.
Laudate Dominum é uma mensagem universal porque o salmo fala de algo que atravessa culturas: a ideia de que a misericórdia e a verdade são forças que sustentam o mundo. Por isso,  ele toca tanta gente, mesmo quem não é religioso.
 
Piano Concerto No. 23: II, Adagio , de Wolfgang Amadeus Mozart  , por Hélène Grimaud.  
 
" Hélène Grimaud considera o concerto em Lá maior “provavelmente o concerto mais sublime que Mozart já escreveu”, com um andamento lento que é “uma expressão extremamente profunda e dolorosa de anseio, onde se encontra o verdadeiro Mozart”. O concerto era indispensável para esta colaboração. O concerto em Fá maior, K.459, é menos conhecido, mas possui uma vitalidade muito especial e um final virtuoso que, para Grimaud, é “puro prazer pianístico”. Além dos dois concertos, o álbum de Grimaud inclui a bela ária de concerto para orquestra, soprano e piano “Ch’io mi scordi di te”, cantada por Mojca Erdmann. A ária foi a declaração de amor de Mozart para a soprano Nancy Storace, sua Susanna na estreia mundial de “Le nozze di Figaro”. Foi composta em 1786, o mesmo ano do Concerto para Piano nº 23, com o qual aparece aqui. 
Assista a Hélène Grimaud tocar o Adagio do Concerto para Piano nº 23 de Mozart."

sábado, 20 de dezembro de 2025

Dia Internacional da Solidariedade Humana

O Dia Internacional da Solidariedade Humana é celebrado anualmente a 20 de Dezembro.
A data foi instituída pela Organização das Nações Unidas em 2005, por ocasião da celebração da primeira década das Nações Unidas para a Erradicação da Pobreza (1997-2006).
A celebração do Dia Internacional da Solidariedade Humana tem como objectivo destacar a importância da acção colectiva para superar os problemas globais e alcançar os objectivos mundiais de desenvolvimento, de forma a construir um mundo melhor e mais seguro para todos. Neste dia, os governos são recordados dos seus compromissos com os acordos internacionais, sobre a necessidade da solidariedade humana como uma forma de combater a pobreza. As pessoas são incentivadas a debater sobre os meios de promover a solidariedade e a encontrar métodos inovadores para ajudar a erradicar a pobreza e a fome. 
Solidariedade humana: um compromisso global
O Dia Internacional da Solidariedade Humana surgiu no contexto dos compromissos assumidos pelas Nações Unidas com a promoção dos direitos humanos, da justiça social e da cooperação entre os povos. Com base nos princípios da Declaração do Milénio, este dia reforça a importância da solidariedade como base das relações entre cidadãos, comunidades e Estados, num mundo marcado pela diversidade cultural, social e económica. A sua promoção é apoiada por entidades como o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, cujo trabalho se centra na redução das desigualdades e na erradicação da pobreza à escala global. Qual o objetivo deste dia? De acordo com as Nações Unidas, o Dia Internacional da Solidariedade Humana tem como principais objetivos: 
Celebrar a união na diversidade e o respeito pelas diferenças culturais, sociais e económicas; Reforçar a responsabilidade dos governos no cumprimento dos compromissos assumidos em acordos internacionais; Sensibilizar a opinião pública para a importância da solidariedade como base da coesão social; Incentivar o debate sobre estratégias de promoção da solidariedade para a concretização dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável; Estimular o desenvolvimento de novas iniciativas e práticas que contribuam para a erradicação da pobreza e da exclusão social.  
 A pobreza e a desigualdade social continuam a ser desafios estruturais que afectam milhões de pessoas a nível mundial. Os efeitos da pobreza vão para além da dimensão económica, influenciando o bem-estar social e psicológico. 
Entre as principais fragilidades associadas à pobreza e à desigualdade social destacam-se: 1.Insegurança económica e dificuldade em satisfazer necessidades básicas; 2.Acesso limitado à educação e formação profissional; 3.Barreiras ao acesso à saúde e a serviços de apoio psicossocial; 4.Estigma social e exclusão comunitária; 5.Impactos psicológicos, como stress, ansiedade e baixa autoestima; 6.Ciclos de vulnerabilidade que se perpetuam entre gerações. Estas fragilidades evidenciam que a pobreza e a desigualdade social são fenómenos complexos, que exigem respostas estruturadas e sustentadas.
A promoção da solidariedade humana e a implementação de estratégias de intervenção social qualificadas são essenciais para reduzir estas vulnerabilidades e contribuir para sociedades mais equitativas. 
Entre muitas outras iniciativas que decorrem pelo globo, destacam-se as organizadas pelas Nações Unidas. A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, por exemplo, conta com 17 objectivos divididos em metas para melhorar parâmetros a nível mundial, reforçar a solidariedade global dos participantes, engajamento para mobilização de recursos, estratégias para promover a paz e melhorar a vida das pessoas em situação vulnerável.
É tradição deste dia o Secretário-Geral das Nações Unidas enviar uma mensagem ao mundo."
Neste mundo sempre devastado por tanta incúria e ganância de quem pode sobre os mais fracos e vulneráveis, a maioria  dos objectivos propostos teria já sido alcançada se o poder dos que podem assim o quisessem, contudo isso não impede a solidariedade de cada um. 

quinta-feira, 18 de dezembro de 2025

Viajar por Lugares Incríveis de Portugal


Floresça, fale, cante, ouça-se e viva
a portuguesa língua, e lá onde for
Senhora vá de si, soberba e altiva.
     António Ferreira

 MAR PORTUGUÊS

Ó mar salgado, quanto do teu sal

São lágrimas de Portugal!

Por te cruzarmos, quantas mães choraram,

Quantos filhos em vão rezaram!

Quantas noivas ficaram por casar

Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena

Se a alma não é pequena.

Quem quer passar além do Bojador

Tem que passar além da dor.

Deus ao mar o perigo e o abismo deu,

Mas nele é que espelhou o céu.

 Fernando Pessoa, in Mensagem Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa: Ática, 10ª ed. 1972).


Floresça, fale, cante, ouça-se e viva
a portuguesa língua, e lá onde for
Senhora vá de si, soberba e altiva
.
António Ferreira
 
PORTUGAL: Lugares Incríveis em Portugal Que Parecem de Outro Mundo | Paisagens do Planeta
"Prepare-se para se maravilhar com os lugares incríveis de Portugal — um país repleto de cenários que parecem saídos de outro mundo. Das falésias impressionantes do Algarve às aldeias medievais escondidas nas montanhas, Portugal é um espetáculo de cores, história e energia. Praias cristalinas, montanhas cobertas de nevoeiro, castelos antigos e vilarejos encantadores — cada lugar parece ter sido tirado de um conto de fadas. Neste vídeo,  vai descobrir os lugares mais surreais e impressionantes de Portugal, que  precisa ver para acreditar que realmente existem. Deixe-se levar por esta jornada mágica e descubra por que Portugal é considerado um dos países mais tão belos e misteriosos do planeta. 
✨ Lugares Incríveis de Portugal — só aqui, no Paisagens do Planeta."

quarta-feira, 17 de dezembro de 2025

À maneira de Prefácio

Notas de Inverno sobre Impressões de Verão
Capítulo I
À maneira de Prefácio
por Fiódor Dostoievksi
“Há já vários meses que vocês, meus amigos, insistem para que descreva quanto antes as minhas impressões do estrangeiro, sem suspeitarem de que com o vosso pedido me colocam simplesmente num beco sem saída. Escrever o quê? O que hei‑de contar de novo, ainda desconhecido, que não tenha sido contado? Quem é que entre nós, russos (isto é, aqueles que lêem ao menos as revistas), não conhece a Europa duas vezes melhor do que a Rússia? Escrevi duas vezes por cortesia, mas por certo conhecem‑na dez vezes melhor. Para mais, além destas considerações gerais, vocês sabem que eu não tenho nada de extraordinário para contar, e ainda menos para registar ordenadamente, porque eu não vi nada e, se vi alguma coisa, não tive tempo para observar atentamente. Estive em Berlim, em Dresden, em Wiesbaden, em Baden‑Baden, em Colónia, em Paris, em Londres, em Lucerna, em Genebra, em Génova, em Florença, em Milão, em Veneza, em Viena, e noutros lugares até duas vezes, e percorri tudo isso, tudo isso em dois meses e meio! Mas será possível ver alguma coisa de maneira satisfatória, tendo percorrido tanto caminho em dois meses e meio? Lembrem‑se, o meu percurso tracei‑o ainda em Petersburgo. Nunca tinha estado no estrangeiro uma única vez: ansiava por fazê‑lo quase desde a primeira infância, ainda quando, nas longas noites de Inverno, por não saber ler, ouvia, de boca aberta e a desfalecer de encantamento e de pavor, os meus pais lerem antes de dormir os romances de Radcliffe, devido aos quais delirava depois febrilmente durante o sono. Parti finalmente para o estrangeiro aos quarenta anos de idade, e, é claro, queria não apenas ver o máximo possível, mas ver tudo, tudo sem falta, apesar do pouco tempo. Além do mais, eu era absolutamente incapaz de escolher com calma os lugares a visitar. Meu Deus, as coisas que eu esperava dessa viagem! «Bem posso não ver nada em pormenor — pensava eu — mas em compensação terei visto tudo, terei ido a toda a parte; em compensação, de tudo o que tenha visto formar‑se‑á qualquer coisa global, um panorama geral. Todo o “país das sagradas maravilhas” se me apresentará de uma vez, de relance, como uma terra prometida em perspectiva, do cimo da montanha. Numa palavra, obtém‑se uma impressão nova, singular, poderosa. Pois agora, aqui sentado em casa, de que é que tenho mais pena, ao recordar as minhas peregrinações estivais? Não é de não ter visto nada em pormenor, mas ter estado em quase toda a parte e não ter ido Roma, por exemplo. E em Roma não teria talvez visto o papa…» Em suma, fui atacado por uma espécie de insaciável sede de novidades, de mudança de lugares, de impressões gerais, sintéticas, panorâmicas. Mas o que esperam de mim depois destas confissões? O que lhes contarei? O que lhes representarei? Um panorama? Uma perspectiva? Qual‑ quer coisa de relance? Mas talvez vocês sejam os primeiros a dizer que eu voei demasiado alto. Além disso, considero‑me um homem consciencioso, e não queria de modo nenhum mentir, nem mesmo na qualidade de viajante. E se começo a apresentar‑lhes e a descrever nem que seja apenas um panorama, mentirei inevitavelmente, não por ser um viajante, mas simplesmente porque nas minhas circunstâncias é impossível não mentir. Vejam por vocês mesmos: Berlim, por exemplo, causou em mim a mais azeda impressão, apesar de lá ter estado apenas vinte e quatro horas. E agora sei que sou culpado para com Berlim, que não me atrevo a afirmar que ela causa uma impressão azeda. Que seja ao menos agridoce, e não simplesmente azeda. E a que se deveu esse meu erro nefasto? Decididamente, a que, sendo eu um homem doente do fígado, viajei durante dois dias no caminho‑de‑ferro, entre a chuva e o nevoeiro, até Berlim e, ao chegar, sem ter dormido, amarelo, cansado, quebrado, notei de repente ao primeiro olhar que Berlim é incrivelmente parecida com Petersburgo. As mesmas ruas em cordão, os mesmos cheiros, as mesmas… (Mas de resto, não vale a pena enumerar o mesmo!) Fu, meu Deus, pensava para comigo: valia a pena quebrar os ossos durante dois dias na carruagem para ver as mesmas coisas de que fugi? Nem das tílias gostei, e, para as manterem, os berlinenses sacrificam tudo o que lhes é mais caro, incluindo talvez até a sua Constituição; e o que é mais caro para um berlinense do que a sua Constituição? E ainda por cima os próprios berlinenses, todos até ao último, pareciam tão alemães, que eu, apesar dos frescos de Kaulbach (oh, horror!), esgueirei‑me rapidamente para Dresden, alimentando na alma a profunda convicção de que é preciso habituarmo‑nos de modo especial aos alemães e que, sem a habituação, é muitíssimo difícil suportá‑los em grandes massas. E em Dresden até cometi uma falta para com as alemãs: assim que saí para a rua, pareceu‑me de repente que não havia nada mais repugnante do que o tipo de mulheres de Dresden e que até o próprio cantor do amor, Vsevolod Kresto‑ vski, o mais convicto e alegre dos poetas russos, ficaria aqui completamente perdido e até talvez ficasse com dúvidas sobre a sua vocação. Eu, é claro, naquele mesmo momento senti que dizia disparates e que ele não poderia duvidar da sua vocação em circunstâncias algumas. Ao fim de duas horas, tudo me foi explicado: ao voltar ao meu quarto de hotel e ao deitar a língua de fora em frente do espelho, convenci‑me de que o meu juízo sobre as senhoras de Dresden parecia a mais negra calúnia. A minha língua estava amarela, em mau estado… «E será possível, será possível, que o homem, esse rei da natureza, dependa de tal maneira do seu próprio fígado — pensei —, que baixeza!» Com estes pensamentos consoladores parti para Colónia. Confesso que tinha muitas expectativas da catedral; ainda na juventude desenhava‑a com devoção, quando estudava arquitectura. No comboio de regresso através de Colónia, ou seja, um mês depois, quando, regressando de Paris, avistei a catedral pela segunda vez, queria «pedir‑lhe perdão de joelhos» por não ter compreendido a sua beleza da primeira vez, exactamente como Karamzin4, que, com o mesmo objectivo, se ajoelhou diante das Cataratas do Reno. No entanto, daquela primeira vez a catedral não me agradou nada: pareceu‑me que aquilo eram apenas rendilhados, artigo de capelista como os pesa‑papéis na escrivaninha, com setenta braças de altura. «Majestosamente pouco» — decidi, do mesmo modo que antigamente os nossos avós decidiam acerca de Púchkin: «Compõe com demasiada facilidade, tem pouca elevação.» Suspeito que nessa primeira decisão influíram duas circunstâncias, e a primeira delas: a água‑de‑colónia. Jean‑Maria Farina5 encontra‑se ali mesmo ao lado da catedral e, em qualquer hotel em que nos instalemos, seja qual for o nosso estado de espírito, por mais que nos escondamos dos nossos inimigos e de Jean‑Maria Farina em especial, os seus clientes vêm encontrar‑nos certamente, e é logo: «água‑de‑colónia ou la vie», não há outra opção. Não posso afirmar de certeza que gritam precisamente estas palavras: «Eau de Cologne ou la vie!», mas quem sabe — até pode ser. Lembro‑me de que então sempre assim me parecia e ouvia. A segunda circunstância que me agastou e me tornou injusto foi a nova ponte de Colónia. A ponte é sem dúvida magnífica, e é com justiça que a cidade se orgulha dela, mas a mim pareceu‑me que se orgulhava demasiado. É evidente que me irritei logo com isso. Além do mais, o colector de moedas à entrada da ponte maravilhosa não tinha nada que me cobrar aquela prudente taxa com o ar de quem me cobra uma multa por uma qualquer falta desconhecida. Não sei, mas a mim pareceu‑me que o alemão está a armar‑se em fanfarrão.
«Por certo percebeu que eu sou estrangeiro e precisamente russo» — pensei. Pelo menos os olhos dele por pouco não disseram: «Estás a ver a nossa ponte, russo miserável, pois tu não passas de um verme diante da nossa ponte e diante de qualquer alemão, porque não tens uma ponte como esta.» Concordem, isto é insultuoso. É claro que o alemão não disse nada disto, até talvez nem tivesse isso em mente, mas vem a dar no mesmo; eu tinha então tanta certeza de que ele queria dizer precisamente isso, que fiquei logo completamente furioso. «Diabos te levem — pensei —, nós também inventámos o samovar… publicamos revistas… no nosso país fazem‑se coisas para oficiais… temos…» — numa palavra, encolerizei‑me e depois, comprando um frasco de água‑de‑colónia (ao qual já não conseguia de maneira nenhuma escapar), parti imediatamente para Paris, na esperança de que os franceses fossem muito mais amáveis e mais interessantes. Agora julguem por vocês próprios: se eu me tivesse dominado, se tivesse permanecido em Berlim não um dia, mas uma semana, em Dresden outro tanto, em Colónia digamos uns três dias, ou pelo menos dois, por certo teria olhado uma segunda, ou até uma terceira vez para os mesmos objectos com outros olhos e teria formado sobre eles uma ideia mais conveniente. Até um raio de sol, um qualquer simples raio de sol, tinha aqui muito significado: se ele brilhasse sobre a catedral, como brilhou depois na segunda vez à minha chegada à cidade de Colónia, o edifício por certo havia de mostrar‑se à sua verdadeira luz, e não como naquela manhã nublada e até um pouco chuvosa, que apenas pôde suscitar em mim um acesso de patriotismo ofendido. De resto, isto não significa, de modo nenhum, que o patriotismo surge apenas com mau tempo. Pois bem, estão a ver, meus amigos: em dois meses e meio é impossível ver tudo como deve ser, e eu não lhes posso fornecer as informações mais precisas.”
Fiódor Dostoievski, in Notas de Inverno sobre Impressões de Verão, Relógio D’Água Editores, Fev. 2022, pp. 7-11
Sobre o Livro
"Este livro resulta da primeira viagem de Dostoievski ao estrangeiro, efectuada em 1862.
Desafiado pelos amigos a descrever as suas impressões, o autor de Crime e Castigo respondeu através de uma mistura de ensaio e ficção.
A obra reúne observações de viagem, esboços, comentários, que no conjunto constituem uma tipologia mais imaginária do que real do Ocidente. Em muitas das cenas descritas, situadas em Paris, Londres ou em carruagens de comboio, encontramos a prosa incisiva do autor de Memórias do Subterrâneo e Os Demónios.
Sobre o autor
Fiódor Dostoievski nasceu em Moscovo em outubro de 1821, o segundo de sete filhos. A mãe morreu em 1837, de tuberculose, e o pai, médico, saído da nobreza provinciana, foi assassinado dois anos depois, quando se instalara já como proprietário rural.
Dostoievski estudou num colégio interno em Moscovo e, entre 1838 e 1843, frequentou a Academia Militar de Engenharia, onde se interessou mais por Púchkin, Gógol e Lérmontov do que pelas disciplinas do curso. Nessa época, leu também Shakespeare, Byron e Balzac (traduziu Eugénie Grandet), Victor Hugo, Hoffmann, Goethe e Schiller. Publicou a sua primeira história, «Gente Pobre» (onde a influência de O Capote de Gógol é visível), aos vinte e cinco anos, obtendo um enorme sucesso. Em 1849, quando escrevera já uma dúzia de contos, foi preso e condenado à morte por participar no Círculo Petrashevski. A pena foi substituída à última hora por cinco anos de trabalhos forçados numa prisão siberiana.
Foi agrilhoado e a caminho da Sibéria que Dostoievski recebeu um exemplar do Novo Testamento das mãos de uma das mulheres dos Dezembristas. Não mais largou o livro, mas a sua relação com a religião foi sempre atormentada pela rejeição e a dúvida. Na década que se seguiu ao seu exílio, onde teve os primeiros ataques de epilepsia, escreveu Cadernos da Casa Morta (1860), baseado na sua experiência prisional, e Humilhados e Ofendidos. Em 1857 casou com uma viúva, Maria Isaieva, tendo criado uma relação de amizade com o seu jovem amante semelhante à descrita em Noites Brancas.Entre 1862 e 1863 fez várias viagens pela Europa, onde conheceu Paulina Suslova, que serviu de modelo para algumas das suas heroínas. Foi em Wiesbaden que se iniciou na paixão pelo jogo (O Jogador é a obra em que ficcionou a sua atração pela roleta).Em 1866 publicou Crime e Castigo, em capítulos, na revista O Mensageiro Russo .Em 1867 casou-se com Anna Grigorievna, a jovem estenógrafa a quem ditara O Jogador em vinte e seis dias. O casal viria a instalar-se em Genebra, onde teve uma primeira filha. Passado um ano, o casal viajou para Milão e Florença, antes de regressar a Dresden. Dostoievski só voltou à Rússia em 1871. Em 1880 proferiu um discurso memorável na inauguração do monumento a Púchkin, em Moscovo. Morreu seis meses depois, em 1881. Algumas das suas obras mais importantes foram publicadas na década final da sua vida: Os Demónios (1872) e Os Irmãos Karamázov (1880)."

terça-feira, 16 de dezembro de 2025

Quais os melhores romances da minha vida?!

Eu tive e tenho ainda hoje um grande problema: tento acompanhar, o melhor que sei e posso, a literatura do meu tempo, mas sempre com a angústia de estar a ignorar uma obra-prima do passado, que ainda não tenha visitado. É talvez isto mesmo que se reflecte no atrevido aforismo do conhecido ensaísta e moralista francês, Joseph Joubert (Sec. XVIII/XIX), quando diz: “O pior que há nos livros novos é impedirem-nos de ler os velhos.”
Eugénio Lisboa, 11.08.2023

Retirei este segmento da crónica de Eugénio LIsboa, "Diz-me o que lês, dir-te-ei quem és", para servir de pequena introdução  ao texto que se segue , escrito num tempo bem anterior.
Eugénio Lisboa era um leitor compulsivo. Ele próprio se afirmava ferido dessa compulsão da leitura. Lia muito e sabia muito. Um conhecimento profundo que lhe vinha de um saber construído por uma magna  inteligência,  sempre em exercício. 
Deixou-nos páginas de grande riqueza sobre a Literatura e sobre quem a faz. Ao lê-las ficamos mais completos. A vida ganha outra medida.

Os dez melhores romances que li
por Eugénio Lisboa
" Pedem-me que indique os dez melhores  romances que até hoje li. A resposta é evidente que é impossível. Porquê dez? Porque não doze, ou vinte ou cinquenta? Há, neste número, dez, um não sei quê  de arbitrário. Seja como for , entremos no jogo. Suponhamos , por exemplo, que se trata de limites de espaço, de limites de bagagem...
Segundo André Gide, foi Jules Lemaître que lançou a moda destes jogos: " Tendo que passar o resto dos seus dias  numa ilha deserta, quais os vinte livros  que desejaria levar consigo?" Jules Lemaître era menos rigoroso: vinte em vez de dez, e livros, em geral, sem indicação de que devessem ser romances. Romances, limita. Por outro lado, esta escolha reflecte sempre as inclinações pessoais  de cada um. Como dizia Somerset Maugham, a quem também perguntaram pelos seus dez, uma pessoa apaixonada por música tenderá a incluir  livros que tenham que ver com esse mundo (o Doutor Fausto,  de Thomas Mann, por exemplo). Um espanhol ou um francês, segundo Maugham, nunca se lembrariam de incluir o Pride and Prejudice, de Jane Austen que, para um inglês, é provável  que se torne obrigatório.  Por outro lado, a Princesse de Clèves, de Madame de Lafayette, inevitável para um francês , poderá ser esquecida pelo inglês, pelo espanhol ou pelo alemão.  E por ai fora. Quis apenas dar uma ideia, ainda que superficial, das armadilhas que espreitam este tipo de escolhas.
Por outro lado, quando se ama profundamente um autor, a tentação é grande de escolher os livros todos desse autor e esquecer os outros. Porque não? Porquê escolher o Le Rouge et le Noir de Stendhal e deixar de fora La Chartreuse de Parme e o Lucien Leuwen?
Porquê aceitar a convenção  (arbitrária e, se calhar, injusta) de que se não deve seleccionar mais do que um livro de cada autor? Porquê os Karamazov e não Os possessos , o Crime e Castigo ou O Idiota? Quase percebo a tentação em que se deixou cair um crítico inglês, quando lhe perguntaram quais os seis  maiores romances deste século. Respondeu, sem hesitar: " Quaisquer seis , desde que sejam todos de Conrad." A mim, quando um dia me perguntaram pelos meus três compositores preferidos, também não hesitei: " Mozart, Mozart e Mozart". Há que ter a coragem das nossas convicções...
Feitas as reservas anteriores, irei dar, não a minha lista de dez, mas duas, três ou quatro listas de dez, todas elas viáveis e duvido que alguma delas especialmente melhor do que as outras. É o meu modo de afirmar, com ênfase, a relatividade destas escolhas:

Primeira Lista:
Le Rouge et Le Noir, Stendhal
Le Cousin Pons, Balzac
Middlemarch, George Eliot
David Copperfield, Charles Dickens
Os Irmãos Karamazov, Dostoievsky
Ana Karenina, Tolstoi
Les Liaisons Dangereuses, Choderlos de Laclos
Nostromo, Joseph Conrad
Os Maias, Eça de Queirós
Jogo da Cabra Cega, José Régio

Segunda Lista
La Chartreuse de Parme, Stendhal
Adolphe, Benjamin Constant
Guerra e Paz, Tolstoi
Amor de Perdição, Camilo Castelo Branco
As Aventuras de Huckleberry Finn, Mark Twain
À la Recherche du Temps Perdu, Marcel Proust
O Processo , Kafka
O Doutor Fausto, Thomas Mann
Moby Dick, Herman Melville
Le Chaos et La Nuit, Henry de Montherlant

Terceira Lista
Vilette, Charlotte Brontë
Great Expectations, Charles Dickens
Tess of the  D'Urbervilles, Thomas Hardy
Amor de Salvação, Camilo Castelo Branco
A Loucura de Peredonov ( ou O Demónio Mesquinho) , Fiodor Sologub
Dom Casmurro, Machado de Assis
Les Faux Monnayeurs, André Gide
Les Thibault, Roger Martin du Gard
A Confissão Impúdica, Junichiro Tanizaki
Para Sempre, Vergílio Ferreira

Quarta Lista
Wuthering Heights, Emily Brontë
Os Possessos, Dostoievsky
Niels Lyhne, Jens Peter Jacobsen
Madame Bovary, Flaubert
L'Immoraliste, André Gide
Etzel Andergast, Jacob Wasseman
Les Jeunes Filles, Henry de Montherlant
The Heart of the Matter, Graham Greene
Nome de Guerra, Almada Negreiros
Sons and Lovers, D.H. Lawrence

Posto o que, fico perfeitamente inconsolável por causa de todos os nomes e títulos que deixei de fora... os quais me ficam a azedar a alma, sussurando-lhe que são indesculpáveis as exclusões que fiz. Onde ficaram Cervantes, Sterne, Fielding Musil, Svevo, Goncharov, Teixeira Gomes, Guimarães Rosa, Faulkner, Gogol etc.,etc., etc.? Até à náusea... Não me perdoarei nunca, por exemplo, não ter incluído esse notabilissimo romance que é The Sun Also Rises, de Hemingway. E, depois, a palavra "romance" exclui do mundo da ficção as histórias menos longas de Karen Blixen, de Isaac Bashevis Singer, de Irene Lisboa... Mais vale terminar mesmo! De uma vez por todas.
                                                             Londres, Março de 1985"
Eugénio Lisboa, in Portugaliae Monumenta Frivola, Universitária Editora, Lisboa

segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

O dia em que o mar engoliu a História

 
Final Moments in History | Alexandria Tsunami 365 AD – The Wave That Ended an Empire,Final Frame History 
"Em Julho de 365 d.C., um terramoto devastador atingiu a costa de Creta. O tsunami resultante varreu o Mediterrâneo, destruindo cidades da Grécia à Líbia. Agora, historiadores e cientistas estão a descobrir as provas do desastre natural esquecido de Roma. 
Este documentário recria o tsunami de Alexandria de 365 d.C., combinando relatos de testemunhas oculares da antiguidade com a geologia moderna, para revelar como um império enfrentou a fúria da natureza — e sobreviveu. 
Do imponente Farol de Alexandria aos templos inundados do porto, testemunhe o dia em que o mar engoliu a História."

domingo, 14 de dezembro de 2025

Ao Domingo Há Música

Dance me to your beauty with a burning violin Dance me through the panic 'til I'm gathered safely in Lift me like an olive branch and be my homeward dove Dance me to the end of love Dance me to the end of love Oh let me see your beauty when the witnesses are gone Let me feel you moving like they do in Babylon Show me slowly what I only know the limits of Dance me to the end of love Dance me to the end of love Dance me to the wedding now, dance me on and on Dance me very tenderly and dance me very long We're both of us beneath our love, we're both of us above Dance me to the end of love Dance me to the end of love
Leonard Cohen


Há vozes que encheram a minha juventude. Nessa época , talvez por sorte ou porque foi possível,  o panorama musical fervilhava de  novos e  grandes cantores. Assim foram os Beatles que pulverizaram a geração que se afirmava e a voz cava e matizada, por um timbre único, do cantor  Leonard Cohen que, com muito prazer,  evoco.
"Leonard Cohen foi um compositor, músico, poeta, romancista e artista visual, cuja obra notável e original tocou a vida de milhões de pessoas, ao longo de uma carreira que abrangeu seis décadas. Quando Cohen entrou no Rock & Roll Hall Of Fame, em Março de 2008, o venerado Lou Reed descreveu o cantor como o “escalão mais elevado e influente dos compositores”. O livro de canções de Cohen já foi interpretado por centenas de artistas, incluindo nomes como Jeff Buckley, Bob Dylan, Nina Simone, Johnny Cash, Lou Reed, Tori Amos, Nick Cave, Joan Baez, Harry Belafonte, Rufus Wainwright e The Civil Wars. Álbuns de tributo foram também  lançados em honra do cantor em França, Noruega, Canadá, Espanha, Suécia, República Checa, África do Sul e EUA."
Talentoso e culto, sabia escrever e compor as suas canções. Fascinou-me e continua a fascinar-me a ímpar subtileza da sua voz. Recebeu o Grammy de Carreira (2010), entrou para o Rock & Roll Hall Of Fame (2008), para o Canadian Music Hall Of Fame (2006), para o Canadian Songwriters Hall of Fame (2006) e para o Songwriters Hall Of Fame (2010). 
Teve uma vida literária relevante, com destaque para 13 livros de Poesia publicados e dois romances. Conquistou o prestigiante Prémio Príncipe das Astúrias – o maior prémio literário atribuído em Espanha (Espanha, 2011), bem como o prémio Glenn Gould que é atribuído à contribuição única de uma vida que enriqueceu a condição humana através da arte (Canadá, 2011). Canadiano de origem, Cohen conquistou as mais elevadas honras civis do seu país: Oficial da Ordem do Canadá (1991), Companheiro da Ordem do Canadá (2003), Grande Oficial da Ordem Nacional do Quebec (2008).
Leonard Cohen nasceu a 21 de Setembro de 1934, em Westmount, na província do Quebec,  Canadá e faleceu a 7 de Novembro de 2016, aos 82 anos, em  casa enquanto dormia, depois de sofrer uma queda nocturna na sua casa,  em Los Angeles, EUA. 


 Leonard Cohen & Judy  Collins em Suzanne 1976.
Leonard Cohen , em So Long, Marianne (Live 1979) (Official Audio).
 
Leonard Cohen, em Dance me to the end of love, (Official Live in London 2008).
 Leonard Cohen, em Anthem (w/lyrics) London 2008.
 
Leonard Cohen, em Tower Of Song (Official Live in London 2008).
   
Well, my friends are gone and my hair is grey
I ache in the places where I used to play
And I'm crazy for love but I'm not comin' on
I'm just payin' my rent every day in the Tower of Song

sábado, 13 de dezembro de 2025

No dia 13 de Dezembro de 1959

 
Neste 3º volume das suas Memórias (Acta Est Fabula) , que se completam em sete volumes,  Eugénio Lisboa relata-nos momentos da sua vida entre 1955 e 1976, anos vividos em África, nomeadamente em Moçambique, onde nasceu.
“ Lanço , neste papel, memórias que me parecem importantes – a mim . Escrever memórias é tentar imprimir a marca da eternidade a momentos , para nós inesquecíveis e inesquecidos, intensos, mágicos, às vezes, quase insuportavelmente vivos...mas que serão , para outros , provavelmente despidos de interesse. Captar a atenção destes, a sua cumplicidade, atraí-los a esta narrativa de minúcias e convencê-los de que estes momentos foram realmente algo de especial – eis a tarefa gigantesca do memorialista." Eugénio Lisboa

A estrada da felicidade
por Eugénio Lisboa

Há muitas estradas para a felicidade
se os deuses estiverem de acordo.
  Píndaro, Odes.

[...]"No dia 13 de Dezembro deste ano (1959), nasceu a minha filha Maria Eugénia, em Lourenço Marques, na Clínica da Dra. Ema Machado da Cruz. Foi, para nós, um acontecimento. Mostrou-se, desde o início, de uma grande energia (mesmo vocálica) e de uma enorme e atraente vivacidade. Perfeitamente intemerata, atirava-se das grades abaixo, sem pestanejar. Quando começou a andar, perseguia, teimosamente, as nossas chávenas de café e mostrava-se fascinada – e nada amedrontada – pelos cactos que tínhamos na casa da Matola. De aí que eu tenha começado a chamar-lhe Kacta e, depois, prevendo já o Acordo Ortográfico, simplesmente, Kata , ou, nos momentos mais ternos, Katinha. Viria a tornar-se muito popular com os guardas da instalação da Matola que, embora tivessem instruções para a não deixarem entrar, mal ela aparecia, muito lampeira abriam-lhe os dentes e a porta...Quando um dia, perguntei a um deles, o André Cavele, a razão de ter autorizado a entrada da Geninha, contra as minhas instruções, ele torceu-se e só soube responder: «Ih, a minina pidiu...» Até o jardineiro, com cara de facínora, vigiava, com atenção meticulosa, a brincadeira da menina, no jardim, não fosse aparecer, por ali, alguma cobra.
Às vezes, ao fim da tarde, saíamos a dar uma volta de carro, com a Geninha, pela Matola ou até à cidade, onde jantávamos em casa dos meus pais. Para o meu pai, a Geninha era um brinquedo. Como, de início, era «língua de trapos», o meu pai passava a vida a desfrutá-la. Num dia de anos, aproveitando as visitas, resolveu dar espectáculo à custa da neta. A Geninha tinha dificuldade em pronunciar «carrinho», dizendo «carinho», o que ao meu pai dava um gozo infinito. Nesse dia querendo ouvi-la, mostrou-lhe um brinquedo (um pequeno carro) e perguntou-lhe repetidamente, o que era aquilo. Percebendo a armadilha, a Geninha fechava-se em copas. Mas a insistência foi tanta que, para pasmo do meu pai, ela se dispôs a responder. E disse: «É um pó-pó.». Cheque-mate!"
Eugénio Lisboa, in Acta Est Fabula - Memórias III - Lourenço Marques (1955 - 1976), Editora Opera Omnia, pp. 113-114

sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

Há 110 anos nascia "The Voice"

 
 1915 – Nascia Frank Sinatra 
12 de Dezembro de 1915 
"O inesquecível cantor e actor norte-americano Francis Albert Sinatra nasceu na cidade de Hoboken, em Nova Jersey, no dia 12 de Dezembro de 1915, único filho de um casal de imigrantes italianos. Sem jamais ter estudado música formalmente, ele deixou o último ano no curso secundário para seguir a carreira musical. Frank principiou  como cantor em clubes do seu estado natal e marcando presença constante em diversas estações de rádio. Em 1938, venceu um concurso radiofónico e transformou-se imediatamente em mestre de cerimónias de um clube conhecido como The Rustic Cabin. Não tardou para que ele fosse publicamente revelado e então convidado para se tornar um membro do conjunto de Harry James e, posteriormente, o crooner da então célebre orquestra de Tommy Dorsey. O seu  estilo era completamente informal, mas ao mesmo tempo muito requintado. O seu talento  para emitir notas longas e fluídas, sem mesmo parar para respirar, impressionava a todos e contribuiu para que ele se tornasse um sucesso imediato em todo o mundo. 
Como actor de cinema não foi menos famoso, e conta, em seu currículo, com mais de cinquenta produções, entre elas, From Here to Eternity (1953), Young at Heart (1954), The Man with the Golden Arm (1955), Around the World in 80 Days (1956), Pal Joey (1957), Some Came Running (1958), Never So Few (1959), Can-Can (1960), Come Blow Your Horn (1963) e The First Deadly Sin (1980).
Entre os anos 50 e os 60, integrou uma comunidade artística conhecida como Rat Pack, composta por artistas que estavam sempre actuantes no respectivo  campo de acção. Na TV, Sinatra manteve, ao longo de diversos anos, um show televisivo próprio. Na década de 90, levou mais longe a sua carreira, ao investir em shows e gravações, no lançamento de diversos duetos, que  eram transmitidos através dos melhores recursos tecnológicos da época. Entre seus hits musicais estão clássicos como: Fly me to the moon , My Way, New York, New York, entre outros. 
Sinatra tinha um carinho especial pela bossa nova e admirava profundamente o maestro Tom Jobim. Com ele ,  cantou a eterna Garota de Ipanema, parceria que seria imortalizada. 
Frank foi casado com Nancy Barbato e depois com as divas cinematográficas Ava Gardner e Mia Farrow. Mais tarde,  uniu-se à dama da sociedade Barbara Marx, ao lado de quem permaneceu até ao fim da sua existência. De seus casamentos, restaram três filhos, Nancy, Tina e Frank Sinatra Jr. .
O famoso cantor e actor teve também uma intensa participação política no seu país, especialmente na campanha de Franklin Delano Roosevelt para ocupar a Casa Branca. No início da década de 50 , viu-se, de repente,  acusado de integrar a máfia e de ter uma secreta participação no crime organizado.
" The Voice" ("A Voz") , como é conhecido, pela modulação aveludada e pela apurada musicalidade da sua voz que se tornou inconfundível,  nunca deixou de vender os  seus discos,  mesmo entre as mais intrincadas polémicas e escândalos por  que passou. 
Duas estrelas na Walk of Fame  reafirmam  a  popularidade tanto na carreira musical quanto nas telas da TV e do cinema. Aos 80 anos, em 1995, decidiu aposentar-se como cantor. Três anos mais tarde morreu, em Los Angeles, vítima de um ataque cardíaco, a 14 de Maio de 1998." Cais da Memória 
Frank Sinatra e  Antonio Carlos Jobim, em The Girl From Ipanema ( Garota de Ipanema)| A Man And His Music (1967).
 
Frank Sinatra  , em Over and Over (The World We Knew).
 
Frank Sinatra , em  Strangers in the Night.
 
Frank Sinatra, em  Fly Me To The Moon .