quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Saudação a Manoel de Andrade

Manoel de Andrade no Castelo de Silves,Portugal, 14.10.2016

Apesar de tanto desencanto,

nada vos direi que sonegue a esperança,

mas digo que os poetas jamais silenciarão seu canto,

porque ninguém poderá desterrar o sonho e a beleza

e porque sempre haverá um poema de amor a ser escrito.

Os poetas cantam desde a aurora dos tempos,

pela glória de Aquiles e pela paixão por Beatriz.

Cantam para gestar uma “Ode Triunfal”,

para compor  “ Uma Canção Desesperada”,

ou para erguer uma bandeira libertária.

    Manoel de Andrade “ O Desterro dos Poetas” 


Manoel de Andrade é um poeta. Um poeta que jamais silenciará o seu canto. Tive o prazer de o conhecer através dessa música que é a poesia. E, quando  os primeiros acordes me chegaram, soube que fora tocada pelo fulgor daquelas palavras. Vinham de um poeta que cantara  uma Améríca Latina , pátria de todos os espoliados, vitima de  uma liberdade roubada, de uma bandeira mutilada. Tirana, coartava a voz de quem a chorava . E Manoel de Andrade, o poeta que saíra do Brasil, de uma Curitiba aprisionada por uma Ditadura Militar, em exílio indesejado, caminhou pelos países que sangravam .  Ai América,/que longo caminhar!//Eu venho com o trigo do meu canto/minha ternura aberta/e o meu espanto;/ e do fundo de mim e assombrado/e pelos meus lábios de vinho e gaivotas,/te trago o meu cantar de caminhante.//Para ti, amada minha,/para teu corpo de cansaço/e por tua fome/eu trago este meu verso frutecido.
Canção de Amor à América, poema desse belo livro (bilingue) ” Poemas para a Liberdade” ,  encontrei a essência libertária de um poeta  que nunca mais deixei de saudar. Havia ,nesse canto  profundo,  o eco remoto de um passado quase irmão. Os anos da ditadura salazarista que  se arrastaram por quatro décadas no meu país. Manoel de Andrade estendia a sua voz a todos os países agrilhoados da América Latina. Mas extrapolava-se nessa latinidade um velho clamor que era também nosso , de todos aqueles que viveram sem Liberdade. Este poeta  teria estado entre nós, estudantes universitários, que na década de sessenta entoavam canções de  protesto e desafiavam as forças da Pide. Seria um dos eleitos para o desafio que nos mobilizava. Descobri-o já a Democracia neste Portugal era  uma verdade. Mas ao descobri—lo , soube que encontrara um arauto do tempo que todos nós ansiámos. O tempo de um sentimento global e fraterno da condição humana. Manoel de Andrade, brasileiro, lutava  por uma bandeira libertária Latino-americana. Era o trovador, o semeador, o bardo que agregava, através do seu canto, os povos sem voz,  acorrentados pelo poder de ditadores sem respeito pelo Homem, pela condição humana.

Manoel de Andrade acaba de fazer oitenta anos. Continua a escrever. Poeta, ensaísta, historiador é uma referência no mundo da Literatura. Tenho o imenso prazer de o ter como amigo. Visitou, por várias vezes, o nosso país. As suas palestras encantaram quem o escutou. É um exímio comunicador. Dele irradia o encanto dos homens inteiros e bons.  Culto e loquaz, tem a sedução dos grandes poetas. É , no entanto, um homem simples  que nos acolhe sem as pregas de qualquer vã fatuidade.

A Manoel de Andrade presto, com  enorme  apreço, a minha homenagem pela sua obra e louvo e exorto ao homem uma longa vida.
Parabéns, poeta amigo.

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