terça-feira, 24 de novembro de 2020

O MAR

Atlântico
Mar, 
Metade da minha alma é feita de maresia.
Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2014)

Meio-dia
Meio-dia. Um canto da praia sem ninguém.
O sol no alto, fundo, enorme, aberto,
Tornou o céu de todo o deus deserto.
A luz cai implacável como um castigo.
Não há fantasmas nem almas,
E o mar imenso solitário e antigo
Parece bater palmas.
Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2014)
O que é o Mar?
“Mãe, o que é que é o mar, Mãe?” Mar era longe, muito longe dali, espécie duma lagoa enorme, um mundo d´água sem fim, Mãe mesma nunca tinha avistado o mar, suspirava. 
“Pois, Mãe, então mar é o que a gente tem saudade?”
Guimarães Rosa (1908-1967)

À beira-Mar
"Tenho a impressão de ter sido uma criança brincando à beira-mar, divertindo-me em descobrir uma pedrinha mais lisa ou uma concha mais bonita que as outras, enquanto o imenso oceano da verdade continua misterioso diante de meus olhos."
Isaac Newton (1643-1727)
Canção
– Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.

– Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.

– O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio…

– Chorarei quanto for preciso, /
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

– Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.
Cecília Meireles (1901-1964)
Sobre o Mar
"O mundo é grande e cabe nesta janela sobre o mar. O mar é grande e cabe na cama e no colchão de amar. O amor é grande e cabe no breve espaço de beijar."
Carlos Drummond de Andrade (1902 – 1987) 

A água do Mar
A riqueza influencia-nos como a água do mar. Quanto mais bebemos, mais sede temos.
Arthur Schopenhauer (1788 – 1860)
O Mar
Conheço teu agitado marulho
tua voz de barítono
conheço tua zangada pronúncia
tuas lanças arrojadas pelos braços da tormenta
conheço tua suave dança
na onda calma e inumerável
na crista transformada em súbita canção de espumas
conheço-te na beleza da baía amanhecida
na hora melancólica do crepúsculo
e no teu dorso enluarado.

Me deste a paisagem das águas litorâneas
e a espuma se estendendo sobre a areia
me mostraste a nudez e o encanto das praias solitárias
a preamar e a vazante
e o teu perfil de mastros e gaivotas
me deste a magia do horizonte
uma vela solta ao vento
e um barco de papel para os meus sonhos
mas nunca me mostraste
a extensão azul dos teus domínios
e nem um indício sequer dos teus enigmas.

Marinheiro sem mar e sem destino
nunca pude navegar tuas distâncias.
Deste banquete
me deste apenas o paladar salgado dos meus versos
minha sílaba de sal
e a tua própria essência salpicada entre meus dedos
molécula elementar

unânime cristal
para que na minha dieta imprescindível
eu possa provar teu sabor todos os dias.
               Curitiba, abril de 2004
Manoel de Andrade, in "Cantares"

Era o Mar
O vento enchia o Mundo. Mal deixava
lugar para a tremenda voz das ondas.
Mas era o Mar apenas que se ouvia.
Sebastião da Gama (1924-1952)
O pôr do Sol à beira-mar
"Se eu fosse pintor , passava a minha vida a pintar o pôr do Sol à beira-mar. Fazia cem telas, todas variadas, com tintas novas e imprevistas. É um espectáculo extraordinário.
Há-os em farfalhos, com largas pinceladas verdes. Há-os trágicos , quando as nuvens tomam todo o horizonte com um ar de ameaça, e outros doirados e verdes(…).Tardes violetas , neste ar tão carregado de salitre que torna a boca pegajosa e amarga, e o mar violeta e doirado a molhar a areia e os alicerces dos velhos fortes abandonados…
Um poente desgrenhado, com nuvens negras lá no fundo, e uma luz sinistra. Ventania. Estratos monstruosos correm do norte. Sobre o mar fica um laivo esquecido que bóia nas águas – e não quer morrer…
Há na areia uns charcos onde se reflecte o universo –o céu , a luz, o poente. Não bolem e a luz demora-se aí até ao anoitecer. E como o poente é oiro fundido sobre o mar inteiramente verde , que a noite vai empolgar não tarda , os charcos, entre a areia húmida e escura , teimam em guardar a luz concentrada e esquecida.
Em todo o dia , o mar não se viu nitidamente. Névoa esbranquiçada, grandes rolos de poeira e sol misturados , água de que se exala um hálito verde envolvido nas ondas. Por fim, o Sol desceu e um nevoeiro imprevisto entranhou poalha de oiro no mar esverdeado, fantasmagoria e sonho nesta frescura extraordinária.”
Raul Brandão ( 1867-1930)

2 comentários:

  1. Obrigado pela onda que me coube espraiar nesse seleto mar da poesia. Esse mar feito de saudade e de distância nas areias pandêmicas do planalto.
    Banho-me contigo nessa salgada postagem, esperando o mergulho do amanhã e a linha do horizonte flutuando sobre as águas e tatuada em meu olhar.
    Manoel de Andrade

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  2. Mais poesia neste comentário. O nosso agradecimento.
    Quem o canta conhece-lhe a sedução. Haverá sempre um novo poema.

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