terça-feira, 14 de abril de 2020

Poesia em tempo de peste

A NOVA NAU CATRINETA
(em redondilha maior como manda a tradição)

Lá vem a Nau Catrineta
que tem muito que contar!
Pegai, bardos na caneta,
há muito que anunciar!

Havia um lindo planeta,
muito bom de habitar:
nem estrela nem cometa
o podiam molestar.

Era limpo todo o ar
que ali se respirava!
Dava gosto ir ao mar
que era grande e ondeava!

O vizinho acudia
se ao lado alguém chorava:
no coração dele ardia
o desejo de ajudar.

Usava-se o necessário
que a terra boa dava,
mas sabia-se quão precário
era o bem que ali guardava.

E assim se foi vivendo,
com tal conta e medida,
que no mundo foi havendo
abundância bem sortida.

E ninguém ali buscava,
por mais que o desejasse,
ter mais do que precisava
p’ra que o ar se não estragasse.

Mas o bicho da ambição
deu aos homens tal saber,
tal desejo e compulsão,
que a terra deu em tremer!

Os rios e mares sujos,
atmosfera corrompida,
estes foram males cujos
frutos queimaram a vida.

Chegou o mundo a tal abismo,
tão perto de se perder,
que fico perplexo e cismo:
que futuro vai haver?

Estes foram os anúncios
que a Nau Catrineta trouxe:
os anúncios serão prenúncios
de Alguém com uma fouce?
                                    12.04.2020
Eugénio Lisboa,
pedindo desculpa, pelo atrevimento, aos trovadores d’antanho que congeminaram os versos da primeira Nau Catrineta.
Lourenço Marques
TOADA AFRICANA,
COM HEPTASSÍLABOS
EM FORMA DE ESCUDO
                                 
                                              Ao João Filipe Bugalho

Há já muitos, muitos anos,
onde o espaço era imenso,
naqueles meridianos,
onde o sol era intenso,
naqueles anos, dizia,
em que a vida era doce
e o amor florescia,
por mais dura que fosse
a luta do dia a dia,
era ali que acontecia,
que tudo se dilatava,
que o tamanho aumentava
de tudo o que era bom,
que assim nos sustentava,
naquela imensa baía,
ouvindo, do mar, o som!
Tendo assim experimentado
o sabor do paraíso,
já não é, digo eu, preciso
temer o assalto tentado
pela peste que nos tenta:
ter vivido nos alenta!

O passado sempre conta
quando o vírus já desponta!
                              10.04.2020
Eugénio Lisboa
que está muito consciente de que isto não é a “Toada de Portalegre”, dedicada ao Francisco Bugalho, mas é o que se pode arranjar nesta emergência e vai dedicada ao João Filipe Bugalho, que nos tem mimoseado com magníficos exemplos da sua arte consumada.

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