sexta-feira, 10 de abril de 2020

Prece de gratidão

Prece de gratidão

Eu te agradeço, Senhor,
ser filho do Teu amor
e herdeiro do Universo.
Ser cantor dessa beleza,
ter um lugar nessa mesa,
pelo sabor do meu verso.

Senhor, muito obrigado,
pelos pais bons e honrados
e pelas lições da pobreza.
Pelo café com farinha,
por tudo que eu não tinha
e que fez minha riqueza.

Pelo meu corpo perfeito,
pela poesia em meu peito
e os anos da minha idade.
Por todo dever cumprido,
pelo amparo recebido
e o céu da imortalidade.

Eu Te agradeço também
pela semente do bem
plantada no meu pomar.
Pela doçura desse fruto
não ter me tornado um bruto 
e ter aprendido a amar.

Pela água da minha fonte,
pela linha do horizonte
e um sonho de marinheiro.
Pelo meu mar de criança
e o meu barco de esperança
percorrendo o mundo inteiro.

Pelo pão, pelo abrigo,
pelo abraço do amigo,
por Teu carinho invisível.
Agradeço-Te com veemência
esta paz na consciência
e a minha fé invencível.

Pela luz que me ilumina
desde a antiga Palestina
na alegria e na dor.
Por quem sou, pelo que sei,
por Moisés trazendo a Lei,
por Jesus trazendo o amor.

Senhor, eu Te agradeço
pela dor e o tropeço
quando ensinam uma lição.
Ninguém paga sem dever
e a Lei obriga a colher
o efeito da nossa acção.

Pela sapiência contida
no pergaminho da vida,
na magia e na razão.
Agradeço-Te a minha parte,
pela ciência, pela arte
e pela Grécia de Platão.

Por Cabral no rumo certo,
pelo Brasil descoberto,
pela pátria e o cidadão.
Pelo herói da Inconfidência,
o Grito da Independência
e a bênção da Abolição.

Pelas lições da História,
pelo povo e a sua glória
na busca da liberdade.
E pela Humanidade inteira,
quando erguer sua bandeira
pela paz e a verdade.

Grato sou por ter um sonho,
sonhar com um mundo risonho
numa paz contagiante.
Ver este Brasil fecundo,
como o coração do mundo,
em um porvir deslumbrante.

Agradeço o bom combate,
e ter encarado esse embate,
com o coração despojado.
Com Tua luz nos meus passos,
a fraternidade em meus braços
e o meu sonho preservado.

Contigo, Senhor, sou forte,
tenho um fanal, tenho um norte:
amor, sensibilidade.
Eu moro na melodia,
na música, na poesia
e no farol da verdade.

Muito obrigado, Senhor
pelo trabalho e o suor,
pelo que dei e recebi.
Quando chegar meu momento,
se eu tiver merecimento,
me leva pra junto de Ti.
                                      Curitiba, Dezembro de 2002
Manoel de Andrade, in " As palavras no Espelho", Editora Escrituras, São Paulo, Brasil, 2018, pp. 255-258

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