quinta-feira, 16 de abril de 2020

A arte de "Escrever "por Rubem Fonseca

Rubem Fonseca
Tomo conhecimento de que Rubem Fonseca, contista, romancista, ensaísta, guionista e "cineasta frustrado", faleceu, ontem, 15 de Abril. Recordo, então, alguns dos livros que escreveu. Muitos foram premiados e alguns tenho-os na minha biblioteca. Levanto-me e retiro da estante "Amálgama", colectânea de textos diversos.  Abro-a e fico-me, de novo, perante este curto texto que me convida a partilhá-lo convosco, neste dia do seu desaparecimento.

Escrever

" O dicionário diz que escrever é representar ou exprimir , relatar, transmitir por meio de escrita , compor , redigir, desenvolver obra literária: conto, romance, novela, livro, etc.
É isso o que diz o dicionário. Porém, escrever é mais do que isso, é urdir, tecer, coser palavras, tanto faz ser uma bula de remédio ou uma peça de ficção. A diferença é que a ficção consome o corpo e a alma. Os poetas também poderiam ser incluídos aqui, se eles não tivessem pacto com o diabo.
O ficcionista quanto melhor pior, sofre mais, depois de algum tempo não aguenta o sufoco. Os mais sensatos, se é  que se pode chamar de sensato um indivíduo como esse -  eu  já disse alhures que todo escritor é louco -, os  que têm algum discernimento, e esses são poucos, desistem, no auge da sua carreira dizem BASTA, para desespero dos seus admiradores.
Os outros , cada vez mais desesperados com essa insana actividade, entregam-se às drogas ou cometem suicídio.
O que eu vou fazer? 
Isso era para ser um poema, mas eu não tenho pacto com o diabo."
Rubem Fonseca , in Amálgama, Sextante Editora, Outubro de 2014,  p.75
Rubem Fonseca
Eis alguns dos recortes da Imprensa  sobre  Rubem Fonseca, a propósito do seu falecimento.
Rubem Fonseca,  considerado um dos maiores escritores brasileiros da actualidade,  morreu esta quarta-feira, no Rio de Janeiro, vítima de enfarte. Completaria 95 anos de idade no próximo mês de Maio.
«Recluso e avesso a eventos públicos e entrevistas, o celebrado Rubem Fonseca era conhecido por ser, na intimidade, uma pessoa divertida, como lembrou o jornalista e escritor Zuenir Ventura, amigo do autor havia mais de 50 anos, em entrevista à GloboNews nesta quarta.
"Era uma pessoa admirável, divertida e engraçada, no plano pessoal. Eu estava entre o choro e o riso, me lembrando das histórias do Zé Rubem. Acho que a literatura brasileira perdeu seu maior representante – a literatura urbana, policial, do subúrbio do Rio", lamentou Zuenir Ventura.
Também à GloboNews, a escritora Nélida Piñon lembrou que Rubem Fonseca era também respeitoso.
"A perda de Rubem deixa um vazio imenso no Brasil", afirmou Nélida Piñon. "Trazia no bojo de seu texto uma grande cultura (...), às vezes até através de uma banalidade carioca."
Rubem Fonseca era viúvo de Théa Mauad, que morreu em 1997 e com quem teve três filhos: a jornalista e escritora Bia Corrêa do Lago, o cineasta José Henrique Fonseca e José Antônio.
Natural de Juiz de Fora (Minas Gerais), nasceu em 11 de Maio de 1925 e residia desde a infância no Rio de Janeiro. Formado em Direito, chegou a trabalhar na polícia do Rio, especialmente no departamento de relações públicas.O primeiro livro de contos, intitulado "O Prisioneiro", foi lançado em 1963, quando Fonseca tinha 38 anos. Colecções como "A Coleira do Cão" (1965) e "Lúcia McCartney" (1967) se seguiram, com o primeiro romance, "O Caso Morel", chegando dez anos depois da estreia do escritor. A colectânea "Feliz Ano Novo", de 1975, com relatos de sexo, violência e conflitos de classes, foi censurada pelo governo da ditadura militar.
Se os extremos da sociedade não o intimidavam, muito menos o faziam as palavras. “Eu escrevi 30 livros. Todos cheios de palavras obscenas. Nós, escritores, não podemos discriminar as palavras. Não tem sentido um escritor dizer: ‘Eu não posso usar isso’. A não ser que você escreva um livro infantil. Toda palavra tem que ser usada”, disse ele em 2015 ao receber o Prémio Machado de Assis, entregue pela Academia Brasileira de Letras (ABL). Quase sempre recluso, foi um dos poucos eventos públicos aos que consentiu sua presença —outro foi em 2003, quando recebeu das mãos de Gabriel García Márquez em Guadalajara, no México, o prestigioso Prémio Juan Rulfo.
Para Antonio Sáez Delgado, crítico literário de EL PAÍS, Fonseca foi um “mestre em examinar os labirintos da violência psicológica” através de seus personagens que vivem nos limites do mundo e de si mesmos. “Seu universo é, portanto, social e obsessivo, perturbador, com um estilo directo e penetrante, perfeitamente administrado na arte de, ao mesmo tempo, dizer e se esconder”.
Fonseca ganhou diversos prémios em vida, dentre eles o Camões, um dos mais importantes da literatura em língua portuguesa, em 2003, e seis Jabutis, sendo o último deles em 2014, na categoria contos e crónicas, graças a "Amálgama".»

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