segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Madrigal


Madrigal
 
A minha história é simples.
 A tua, meu Amor,
 é bem mais simples ainda:
 
 "Era uma vez uma flor.
 Nasceu à beira de um Poeta..."
 Vês como é simples e linda?
 
 (O resto conto depois;
 mas tão a sós, tão de manso
 que só escutemos os dois).

Sebastião da Gama, in Campo aberto.  Prefácio de Maria de Lourdes Belchior Pontes.3ª. Edição.Lisboa: Edições Ática, 1967. 112 p.  Obras de Sebastião  da Gama IV  (Colecção “Poesia”, fundada por Luiz de Montalvor).   

Sebastião da Gama (1924-1952). “Poesia”(2.02.1945) in «Serra-Mãe», 1945
Dito por Carmen Dolores, no CD «Poemas da Minha Vida», Dito e Feito, 2003

Poesia

Ai deixa, deixa lá que a Poesia
no perfume das flores, no quebrar
das ondas pela praia,
na alegria
das crianças que riem sem porquê
— deixa-a lá que se exprima, a Poesia.

Fica sentado aí onde estás, Poeta,
e não mexas os lábios nem os braços:
deixa-a viver em si;
não tentes segurá-la nos teus braços,
não pretendas vesti-la com palavras...

Se a queres ter,
se a queres sempre ver pairando à flor das coisas, fica aí
no teu cantinho, e nem respires, Poeta, e não te bulas,
p'ra que ela não dê por ti.

Não a faças fugir, toda assustada
com a tua presença...
Deixa-a, nua, pairando à flor das coisas,
que ela não sabe que a viste,
nem sabe que está nua,
nem sequer sabe que existe...

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