sábado, 1 de outubro de 2022

A liberdade de saber , falar e discutir

Imperador Juliano, o Apóstata
(Constantinopla,331–Samarra, Junho de 363)
 
" Milton fez,  em 1644, um discurso no Parlamento inglês, posteriormente impresso como Aeropagitica, no qual criticava o licenciamento oficial - e, portanto, a potencial censura - da impressão. É uma das grandes e apaixonadas defesas da liberdade de expressão, que para Milton é a chave não só da promoção do saber, mas também da promoção da virtude. Além disso, tipifica o país que o parlamento representa: « Uma nação que não é apagada e tosca, mas que tem um espírito penetrante, inteligente e rápido.» Milton argumenta a partir tanto dos princípios como da prática.  A censura, declara, é simplesmente ineficaz: é como « a proeza daquele homem galante que pensava impedir  a passagem dos corvos fechando a cancela do jardim». Milton insiste: «Concedei-me, portanto, acima de qualquer outra, a liberdade de saber , falar e discutir livremente, de acordo com a minha consciência.»
Este argumento não é um acto de nobreza para todos os tempos, mas um acto político do seu tempo. Porque o que era mais estranho ao pensamento libertário protestante de Inglaterra do que o catolicismo romano: um papado opressor, uma Inquisição «tirânica», o Index, a censura, a perseguição de Galileu e muitas outras coisas? Nos tempos iniciais, é claro que a Igreja  foi mais perseguida do que perseguidora; e aqui Milton cita Juliano, o Apóstata, como « o mais subtil inimigo da nossa fé». Poderia pensar-se que Juliano é uma escolha paradoxal neste contexto: afinal, a destruição maciça de manuscritos e bibliotecas e a consequente perda de saber foi infligida pelos cristãos primitivos sobre os idólatras e não ao contrário . Juliano , ao que sabemos, não mandou destruir um único texto galileu.
Mas é por isso que foi tão subtil: pode não ter destruído ou censurado livros, mas censurou os leitores. A táctica mais perigosa do imperador foi «proibir aos cristãos o estudo do saber pagão». Isto pode , à partida , parecer uma pequena perda - na realidade, pode pensar-se que a exclusão dos livros pagãos seria uma coisa bem acolhida pelos cristãos.  Mas o resultado de banir o acesso à filosofia e à ciência helenísticas, deixando aos galileus  apenas a possibilidade de ensinarem os seus próprios livros sagrados nas suas próprias igrejas, uma forma  de os marginalizar  e excluir de direitos e deveres cívicos . Os cristãos perceberam logo o perigo.  Como Milton afirma: « Consideraram  que era um grande prejuízo serem assim privados do saber helenístico e pensaram que era uma perseguição mais debilitadora e secretamente enfraquecedora da Igreja do que a frontal crueldade de Décio e Diocleciano.» Afortunadamente, o Deus  cristão apercebeu-se do perigo representado pelo Apóstata e agiu através de São Basílio e São Mercúrio. Para Milton, «a providência de Deus [interveio] [...] eliminando a lei iletrada com a morte de quem a tinha concebido».
Julian Barnes , in Elizabeth Finch, Quetzal Editores, Julho de 2022, pp. 124, 125, 126

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