Se ontem, 8 de Maio, dia da Europa, o palco maior difundido em todo o mundo foi a eleição do Papa Leão XIV, que levou uma multidão expectante à Praça do Vaticano, hoje, acordamos com as imagens de Moscovo, exibindo o ditador Putin, ufano do seu material de guerra na Praça Vermelha, rodeado por alguns chefes de estado que não devem ter escrúpulos por estarem presentes e apoiar o ignóbil chefe de uma guerra infame. São todos eles marcados pelo sorriso matreiro e obscuro do homem que, de artimanha em artimanha, vai enganando o seu povo e desenvolvendo uma feroz e cruel guerra de expansão nos territórios soberanos de outras nações. De entre os presentes, o que mais me choca é o Presidente do Brasil, Lula da Silva, que numa tentativa mercantilista e de guerra comercial, quer justificar o alargamento e poder dos BRIC, ao solidarizar-se com este facínora , Vladimir Putin.
O Papa Leão XIV falou da Paz no seu discurso inicial na janela da Basílica de S. Pedro, perante uma multidão vibrante de alegria que lhe acenava com bandeiras vindas de todo o mundo. Entre elas, exibiam-se muitas do Brasil, o país que, por tradição, se assume como irmão de Portugal. Foram abençoadas, apesar de Lula com o vazio e reiterado argumento de que é pela paz, ter rumado para os braços de Putin, o maior promotor da guerra.
Neste dia , não posso deixar de recordar Eugénio Lisboa, um acérrimo defensor da concórdia, da Paz mas combativo na denúncia dos horrores da guerra, que nos deixou uma obra lapidar sobre esse tema, que todos nós vamos acompanhando desde 2022, com a invasão da Ucrânia pela Rússia.
É, pois , dever nosso transcrever algumas páginas do livro Poemas em Tempo de Guerra Suja , para que os olhos não se fechem à atroz realidade provocada pela guerra de ditadores infames e se acomodem à passiva contemplação que grassa entre alguns.
Serviço inútil
por Eugénio Lisboa
" Nenhum dos grandes livros que se escreveram contra a guerra,
ao longo dos séculos, evitou jamais que uma nova guerra se travasse,
com o habitual cortejo de ruínas, mortos e mutilados. Nas guerras
vence-se, mas não se ganha. Há sempre um vencedor, um vencido e
dois perdedores. Essa grande e sábia mulher que foi Eleanor Roosevelt disse um dia isto, que é uma pérola digna de meditação: «Ninguém ganhou a última guerra nem ninguém vai ganhar a próxima.»
O grande poeta chileno Pablo Neruda fez um dia esta afirmação,
que é bela, mas falsa: «Os poetas odeiam o ódio e fazem guerra à guerra.» É conforme e, se há poetas que odeiam a guerra e cantam contra
ela, outros tem havido, ao longo dos séculos, que a cantam fervorosamente, em gestas de admiração e louvor. Por isso, Malraux considerava a Ilíada uma idiotice e Valéry achava La Chanson de Roland uma
idiotice ainda maior. E a Jerusalém Libertada, de Torquato Tasso, é
uma prolongada chatice, provavelmente só visitada, bocejando, pelos fazedores de currículos académicos. Mas essas obras são oficialmente veneradas como clássicos e consideradas e classificadas como
património da humanidade. Provavelmente, apenas por serem muito
antigas, visto que aqui é como na vida militar, em que, no passado, a
antiguidade era avaliada como um posto. Curiosamente, os mandantes das Forças Armadas aboliram este conceito, mas os mandantes
das Humanidades continuam agarrados a ele. (Shakespeare cantou
a guerra em altos e belos decibéis e isso em nada lhe afectou a reputação…)
Em suma, há uma grande literatura contra a guerra, feita por
gente bem-intencionada e talentosa, que julga que, mostrando quão
horrorosas são as guerras, poderá evitar guerras futuras. Tem-se visto que nada têm conseguido. A eles me junto agora, sabendo muito
bem que estou a empurrar para cima o penedo de Sísifo, que voltará a tombar, assim oferecendo à comunidade um serviço inútil. Mas fica-nos este absurdo privilégio – ético, mas sobretudo estético – de
sabermos não desistir. Poder recuar e não recuar. Poder abocanhar e
não abocanhar.
Poderá ser ético, mas é, fundamentalmente, bonito. Gide propôs,
subversivamente, que a Ética fosse uma dependência da Estética.
Por isso digo que desistir é feio, antes de ser muitas outras coisas.
Lutemos, então, mesmo sabendo que vamos perder, juntamente com
aqueles que julgam que vão ganhar.
Nota importante – Este livro intitula-se Poemas em Tempo de Guerra Suja e, por isso,
inclui também poemas que nada têm que ver com a guerra, mas foram escritos em
tempo dela. Em tempo de guerra, ora a encaramos de frente, ora lhe voltamos as
costas. É conforme.
Eugénio Lisboa
SONETO MUITO GAUCHE PARA USO DOS
OPRESSORES DO MOMENTO
Os ditadores usam a cartilha
normalmente usada por quem oprime.
O opressor percebe bem que trilha
inocentes e que nada o redime.
A razão do opressor é a força,
já que outra razão não tem.
Porém a força a razão reforça
e a razão faz da força seu refém.
A sabedoria dos opressores
é o contrário de saber viver:
o uso constante dos seus terrores
é sementeira que fará colher
os tais destemidos frutos da ira,
que atira os restos da força à pira!
25.02.2022
Nota do autor – Quem não tem cão caça com gato. Quem não tem espingarda dispara soneto mal-amanhado.
INTERPELAÇÃO AOS POETAS PORTUGUESES
SILENCIOSOS PERANTE A CATÁSTROFE
1
Mas que merda de poetas,
de liras enferrujadas,
pouco vigor nas canetas
e de iras mal mijadas!
2
Mas que vergonha de gente,
tão indigna de Camões,
de tesão deficiente
e falta de palavrões!
3
Que gente tão sem tomates
(mais são castanhas piladas!),
maricas, tatibitates,
com as tusas congeladas!
4
Onde está a vossa Musa,
bem canora e eloquente,
que ao bandido que abusa
faz frente intransigente?
5
A vossa Musa morreu?
Coragem já não existe?
A honra esmoreceu?
A lira já não resiste?
6
Gente indigna de Bocage,
cuja lira abissal
envigora o ultraje,
tal louco Gomes Leal!
7
À guerra que tudo esmaga,
oponde a lira imortal,
que ao invasor embarga
o seu avanço letal!
8
Acordai a vossa lira,
apodrecida no sono
e instigai-lhe a ira,
que não fique ao abandono!
27.02.2022
DE DITADORES, FALEMOS
O ditador é sempre um psicopata,
que se julga o centro do universo.
Também, em tudo, um condutopata
e um labirinto muito perverso.
Um deles era cropofilopata
e grande amigo de matar judeus.
Tinha grandes tiques de nevropata
e tais horrores ele prescreveu,
que, por fim, enfiado num buraco,
em Berlim, já no fim de longa guerra,
pôs fim ao seu destino de velhaco.
Agora, anda aí outro que emperra
sua maldade às portas de Kiev:
aguardemos que o diabo o leve!
13.03.2022
OS FRUTOS DA GUERRA
O horror tornou-se quotidiano,
a destruição transformou-se em hábito,
o mundo foi ficando kafkiano,
o morrer, agora, volveu-se súbito,
as lindas crianças servem de alvo,
e os olhos das mães gritam de espanto!
Se nada do que temos está a salvo,
fina-se a fala e também o canto.
A morte agora veste-se de aço
e vomita incêndios majestosos:
volatiliza com desembaraço
o museu, o palácio esplendoroso,
o hospital, o armazém, a praça
e tudo quanto o horror devassa!
14.03.2022
Eugénio Lisboa, in Poemas em tempo de guerra suja, Guerra & Paz Editores, Setembro de 2022, pp.13,14, 17,18,19, 29, 30
Muito bom
ResponderEliminarExcelente!👏🏼👏🏼👏🏼
ResponderEliminarObrigado por esta excelente análise de 2 acontecimentos bem distintos: o primeiro com aquelas palavras que Jesus Cristo disse aos apóstolos após a ressurreição: A Paz Esteja Convosco. Do outro não vale a pena falar, exceptuando os vendilhões do templo, vendedores da guerra, onde assume particular relevo Lula da Silva.
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