"Não há razão nenhuma para que, no dia 25 de Maio de 1930,
“eu” tenha nascido num canto improvável da África Austral.
Nenhum milagre é coisa de somenos.(...) A Lourenço Marques da minha
infância e adolescência, com a praia ali ao lado e o mato muito perto,
foi um desses milagres. Foi lá que aconteceu tudo quanto é importante. Foi lá que nasci e foi lá que o mundo começou: o sol descomunal, a chuva grande, as trovoadas de estarrecer, o mar, a noite, o
amor, a leitura, o futuro a haver – começaram lá. (...)
A cidadezinha de Lourenço Marques podia passar por uma das
mais bonitas do continente africano – era-o nos anos trinta,
que foram os da minha infância e era-o, tanto ou mais, em 1976,
ano em que a deixei para sempre. Viver ali, crescer ali, aprender
ali, amar ali foi uma dádiva de que, todos os dias, tive aguda consciência. Sabia que era bom e repetia com os meus botões: é tão bom
estar aqui, não te distraias, repara, minuto a minuto, como é bom
o nascer do dia, o pôr-do-sol, o Índico grande, generoso e ameaçador! Goza, sabendo que gozas! Olha que o paraíso não se repete...
O paraíso é isto, este espaço, estas praias, estas ruas, estes cinemas,
estas livrarias, esta família, estas árvores a que trepamos com fúria,
estes amigos. É isto, foi-te dado uma vez e os deuses não gostam de
repetir estes dons. É só uma vez – fá-lo durar dentro de ti.
Nasci ali, em 1930, num bairro limítrofe, isto é, pobre, não
muito longe do cais: o Quebra-Bilhas."
Eugénio Lisboa, in Acta est Fabula, Memórias, Lourenço Marques.1930-1947, Editora Opera Omnia., Novembro de 2012
Eugénio Lisboa faria hoje 95 anos. Deixou-nos há um ano, mas as suas palavras ficarão para sempre nos registos da nossa Literatura. Um extraordinário escritor que trazia África no coração, com destaque para a cidadezinha de Lourenço Marques . A cidade mais bela que daria um bom começo de qualquer livro, como sempre afirmou, e que tornou realidade com as suas Memórias, uma obra em sete opíparos volumes.
Em sua homenagem e porque sempre nos prodigalizou com a ímpar riqueza dos seus textos, trazemos-lhe , neste espaço dedicado à música, os sons de África na voz de Miriam Makeba que tanto apreciava.
Parabéns Eugénio Lisboa.
Miriam Makeba, em Zimbabwe concert (Paul Simon - Graceland land) .
Miriam Makeba ou a "Mama Africa", a cantora Sul Africana , nasceu em Joanesburgo a 4 de Março de 1932 e morreu em Itália, Castel Volturno, a 10 de Novembro de 2008, com 76 anos. Além do valioso legado musical que deixou, foi um exemplo de coragem na luta pelos direitos humanos e contra o Apartheid na África do Sul. Em 1963, após ter proferido um discurso no Comité das Nações Unidas foi impedida de regressar ao seu país. Nos anos 80, Makeba foi Delegada da Guiné, junto da ONU, que lhe atribuiu o Prémio da Paz Dag Hammarskjöld, país onde residiu durante alguns anos com o activista Stokely Carmichael com quem havia casado em 1968.Com o fim do Apartheid regressa à sua pátria, em 1990, a pedido de Nelson Mandela que a recebeu com honras e gratidão.
Miriam Makeba, em Malaika (legendas em Swahili e Inglês).
Miriam Makeba, em Mbube.

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