quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

Leonardo e o gato

 

Leonardo e o gato
por Eugénio Lisboa
“Leonardo não inventou o gato. Criou beleza como ninguém, congeminou engenharias, máquinas de guerra, aviões e conheceu a anatomia dos seres vivos, com uma abundância e minúcia que não tiveram nem antecedentes nem herdeiros. Mas não inventou o gato. O advento do gato é anterior ao advento de Leonardo. Como criador, Leonardo competiu com Deus e ganhou, mas nem Leonardo nem Deus criaram o gato. Quem criou o gato? É o mais indecifrável mistério do Universo. Há uma teoria que sustenta ter sido o gato que se inventou a si mesmo, visto não se conceber outro poder capaz de o fazer. Mas, quando observamos os olhos de um gato, tudo o que vemos é mistério insondável. O gato é uma beleza máxima que eternamente desafia. Quando Leonardo o viu, pela primeira vez, teve a mais singular e perturbante das sensações: um misto de deslumbramento e dor. Deslumbramento, porque nunca vira, na natureza dos vivos, uma tal esbelteza, uma tal perfeição, um tal acerto dos números. O gato era a fórmula final da perfeição. E não fora ele, Leonardo, a inventá-la: de aí a sua incurável dor. Não ter inventado o gato tornou-se um tumor maligno cravado no seu espírito criador. O gato, embora admirado por Leonardo, tornou-se o seu persistente mau sangue. Agravado por nunca ter conseguido saber qual o poder que tinha podido criar tal obra-prima da natureza. Se Leonardo fracassou, ninguém mais alcançará. O gato ficará como o último segredo que a ciência do homem será incapaz de violar. O homem só compreenderá o gato, no dia em que se tornar gato. Mas será isso concebível? Será possível uma transformação para melhor, de tal dimensão? Tratando-se do gato, fiquemo-nos por perguntar já que é impossível responder.”                                                         
Eugénio Lisboa, em 20.11.2023.

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