segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

Os tics do Estado Novo

A censura no Estado Novo
 
Os tics do Estado Novo
por Eugénio Lisboa
“Há comportamentos e afirmações que são tristemente reveladores de que as marcas identitárias do Estado Novo ainda não desapareceram. Uma delas é o sentimento subliminar de que a respeitabilidade está sempre à direita ou chegada a ela. O que leva, às vezes, a esquerda a ter tics de direita. Outra é um partido que se diz social democrata – o PSD – considerar-se de direita e afirmar constantemente que o seu “aliado natural” é o CDS, que, pelo menos, nas mãos de Nuno Melo, é um partido assumidamente de direita.
Mas há mais. Durante a vigência do Estado Novo, qualquer cidadão que se opusesse ao regime era imediatamente acusado de ser um perigoso comunista e um traidor. Não sei se o faziam por convicção ou por manobra. O certo é que o faziam. Eu próprio fui dezenas de vezes “acusado” de comunista perigoso pelos próceres do Estado Novo. Nunca refutei publicamente tais “acusações” porque seria, na altura, cobarde e pouco estético fazê-lo, em relação aos verdadeiros comunistas, entre os quais tinha bons amigos que muito respeitava. Seria quase o mesmo que estar a dizer que eles tinham lepra e fazer o jogo do Estado Novo. Mas os meus escritos e os mestres em que me abonava nada tinham que ver com o comunismo, antes com uma convicta social democracia e com uma intransigente defesa da liberdade de pensamento. Seja como for, é penoso ver hoje o líder do PSD, Luis Montenegro, a acusar membros da esquerda do PS de gonçalvismo! Tudo quanto não seja aquela direita mole e gananciosa é perigoso gonçalvismo e traição à pátria. Tudo quanto seja levar a sério os deveres e obrigações de uma autêntica social democracia é logo demonizado por um partido que tem social democracia no nome. Se isto não é táctica típica de autocracias, não sei o que seja.
O actual PSD devia fazer um longa e profunda reflexão sobre as suas origens. Mencionar Sá-Carneiro, a torto e a direito, não chega: é preciso ir ver o que ele realmente pensava. De certo, ele não se reveria neste PSD que vê a direita como a sua família “natural”.
O mais grave, porém, é que estes tics estadonovistas não se detectam só no PSD. Um dos candidatos à próxima eleição de secretário geral do PS, José Luis Carneiro, enferma dos mesmos trejeitos próprios de quem receia ver um reformismo sério e preocupado com uma verdadeira e vívida social democracia, como coisa pouco respeitável, senão como gonçalvismo a bater à porta. Lembro-me, não sei porquê, da peça de Ionesco, O RINOCERONTE.”
Eugénio Lisboa, em 10.12.2023

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