sexta-feira, 9 de agosto de 2019

A velha amendoeira

JUNTO A UM MURO VELHO

Junto a um muro velho
A uma casa ruída
A velha amendoeira diz que não
À morte
E fica
De repente
Menina e noiva
Ao mesmo tempo.

O vento ri-se dela
Arranca-lhe as pétalas
- Mas são tantas que não se nota -
Escarnece-a:
- "És uma velha louca de véu e grinalda!"-
Para enxotar os insultos machistas do velho
Vento
Acudo-lhe com estes versos:
- "Não ligues! É inveja!
Estás tão linda assim de noiva, avozinha!"  
Teresa Rita Lopes, in “Caminhos de Alcoutim”, Câmara Municipal de Alcoutim
 
   
Quatro auto-retratos
2
Porque será que meus olhos tanto necessitam
de ver mar ao longe?
                             Ou pelo menos a água
de um rio
             para aí cheirar a sua raiz
Se calhar foi por tanto apetecer o azul
da água ao longe
                           que meus olhos são claros
e por tanto amar o mar
                           que meus desgostos
se tornaram destemidos e salgados
                                                      e têm
o voo a pique das gaivotas
                                         e o grito ácido
dos pássaros marinhos
Teresa Rita Lopes, in Afectos, Lisboa, Presença, 2000

Sobre a autora
"Maria Teresa Rita Lopes nasceu em Faro, em 1937. Entre 1969 e 1982 viveu em Paris, onde foi professora na Universidade da Sorbonne Nouvelle e onde defendeu a tese de doutoramento intitulada “Fernando Pessoa et le drame symboliste – héritage et création” (1975), publicada pela Gulbenkian em 1977. É Professora Catedrática de Literaturas Comparadas na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, desde 1979.
Dirigiu um grupo de investigadores que se dedicou particularmente à obra inédita de Pessoa, de quem tem publicado numerosos volumes. 
A escritora obteve vários prémios, no domínio do conto, da poesia, do teatro e do ensaio:
Prémio Cidade de Lisboa 1988 – poesia;
Prémio Eça de Queirós 1997 – poesia;
Prémio Pen Club 1990 – ensaio;
Grande Prémio de Ensaio Unicer/Letras e Letras 1989 – ensaio;
Prémio de Teatro APE, 2001.

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