O Credo de um Poeta
por Jorge Luís Borges
"O meu objectivo era falar sobre o
credo do poeta, mas, olhando para mim, descobri que tenho um tipo de credo
vacilante , nada mais. Esse credo talvez possa ser útil para mim, mas
dificilmente o será para os outros.
Com
efeito, penso em todas as teorias poéticas como meras ferramentas para
a escrita de um poema. Suponho que devia
haver tantos credos, tantas religiões, como
há poetas. Embora no fim diga qualquer
coisa do que gosto e do que não gosto no que se refere à escrita de poesia, acho que vou começar por
algumas recordações não só de escritor, mas também de leitor.
Penso-me essencialmente como
leitor. Como sabem, aventurei-me na escrita; mas penso que as coisas que li foram muito mais importantes do queas que escrevi. Porque lemos aquilo de que gostamos
–mas não escrevemos o que gostaríamos de
escrever, apenas o que podemos escrever.
(…)
Encontrei
alegria em muitas coisas – nadar, escrever,
contemplar um nascer do sol ou um pôr do
sol, apaixonar—me etc.. Mas, de certo modo, o facto central de minha vida tem sido
a existência das palavras e a
possibilidade de as tecer em poesia. A
princípio, por certo, era apenas um leitor. Mas penso que a felicidade de um leitor vai além da de
um escritor, pois o leitor não precisa de sentir a perturbação, a ansiedade: anda
simplesmente à procura da felicidade. E
a felicidade, quando se é leitor, é frequente. Por isso , antes de passar a falar
sobre minha produção literária, gostaria de dizer umas palavras a respeito dos
livros que foram importantes para mim. Sei que essa lista abundará em omissões,
tal como todas as listas. Com efeito , o perigo de fazer uma lista é que as
omissões se destacam e as pessoas nos acham insensíveis .
Falei há momentos das Mil e um noites de Burton. Quando penso
nas Mil e uma noites não penso naqueles vários volumes,
pesados e pedantes (ou melhor , formais) volumes ,mas no que podemos chamar as verdadeiras Mil e uma noites – as
Mil e uma noites de Galland e, talvez, de Edward Willliam Lane.”
Jorge
Luis Borges , in Este
Ofício de Poeta, Relógio D'Água, Lisboa 2017, p. 75, 77, 78
Nota: «Este
Ofício de Poeta é uma introdução à literatura, ao gosto e ao próprio
Borges. No contexto das suas obras completas, só tem comparação com Borges,
oral (1979), que contém as cinco palestras — de âmbito um tanto mais estreito
do que estas — que ele proferiu em maio-junho de 1978 na Universidade de
Belgrano, em Buenos Aires. Estas Palestras Norton, anteriores em uma década a
Borges, oral, são um tesouro de riquezas literárias que nos chegam sob formas
ensaísticas, despretensiosas, muitas vezes irónicas, sempre estimulantes.»
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