quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

O Credo de Um Poeta

 

O Credo de um Poeta
por Jorge Luís Borges
"O meu objectivo era falar sobre o credo do poeta, mas, olhando para mim, descobri que tenho um tipo de credo vacilante , nada mais. Esse credo talvez possa ser útil para mim, mas dificilmente o será  para os outros.
Com efeito, penso em todas as teorias poéticas como meras ferramentas para a escrita de  um poema. Suponho que devia haver  tantos credos, tantas religiões, como há poetas. Embora no fim  diga qualquer coisa do que gosto e do que não gosto no que se refere  à escrita de poesia, acho que vou começar por algumas recordações não só de escritor, mas também de leitor.
Penso-me essencialmente como leitor. Como sabem, aventurei-me na escrita; mas penso que as coisas  que li  foram muito mais importantes do  queas  que escrevi. Porque lemos aquilo de que gostamos –mas não escrevemos o que gostaríamos  de escrever, apenas o que podemos  escrever.
(…)
Encontrei alegria em muitas coisas –  nadar, escrever,  contemplar um nascer do sol ou um pôr do sol, apaixonar—me etc.. Mas, de certo modo, o facto central de minha vida tem sido  a existência das palavras e a possibilidade de as  tecer em poesia. A princípio, por  certo,  era apenas um leitor. Mas penso  que a felicidade de um leitor vai além da de um escritor, pois o leitor não precisa de sentir a perturbação, a ansiedade: anda simplesmente à  procura da felicidade. E a felicidade, quando se é leitor, é frequente. Por isso , antes de passar a falar sobre minha produção literária, gostaria de dizer umas palavras a respeito dos livros que foram importantes para mim. Sei que essa lista abundará em omissões, tal como todas as listas. Com efeito , o perigo de fazer uma lista é que as omissões se destacam e as pessoas nos acham insensíveis .
Falei há momentos das Mil e um noites de Burton. Quando penso nas Mil e uma noites não penso naqueles vários volumes, pesados e pedantes (ou melhor , formais) volumes ,mas no que podemos  chamar as verdadeiras Mil e uma noites – as Mil e uma noites de Galland e, talvez, de Edward Willliam Lane.”
Jorge Luis Borges , in  Este Ofício de Poeta, Relógio D'Água, Lisboa 2017, p. 75, 77, 78

Nota: «Este Ofício de Poeta é uma introdução à literatura, ao gosto e ao próprio Borges. No contexto das suas obras completas, só tem comparação com Borges, oral (1979), que contém as cinco palestras — de âmbito um tanto mais estreito do que estas — que ele proferiu em maio-junho de 1978 na Universidade de Belgrano, em Buenos Aires. Estas Palestras Norton, anteriores em uma década a Borges, oral, são um tesouro de riquezas literárias que nos chegam sob formas ensaísticas, despretensiosas, muitas vezes irónicas, sempre estimulantes.»

«O Credo de um poeta» é desenvolvido na perspectiva de  leitor e  não  a  de   escritor. Um leitor atento , profundamente empenhado em aproveitar  e encontrar  a felicidade naquilo que vai lendo."

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