sexta-feira, 12 de abril de 2024

As Palavras de Eugénio Lisboa


AS PALAVRAS

No poema, as palavras encontram outras palavras,
que nunca tinham visto, mas logo se enamoram,
uma da outra, porque se sentem próximas
uma da outra, atraídas por uma química
irresistível.
As palavras, no poema,
fazem casamentos singulares, inesperados, fecundos,
e, juntas, exploram o mundo,
como, antes, nunca tinha sido explorado.
Palavras banais, em que ninguém repara
e andam para aí usadas, quase sem serem vistas,
surgem de novo, com outra força, com outra luz,
com outra sedução, que lhes dá o poeta,
com a sua lâmpada de Aladino.
Friccionando bem as palavras,
o poeta trá-las de novo à vida
como o Cesário, que, tuberculoso,
sonhava com uma mulher,
imaginem,
“aromática e normal”!
O Cesário, doente e, por isso,
nada normal,
ficou seduzido, não por uma mulher muito bela
ou muito vistosa ou muito inteligente,
mas por uma mulher que tivesse
aquilo que ele não tinha e não voltaria a ter:
a normalidade da saúde que,
naquela mulher sonhada, se iluminara, de repente,
como a coisa mais apetecida do mundo.
A palavra “normal” foi assim ressuscitada da sua morte aparente
pela fragilidade criativa do Cesário.
É que as palavras têm tesouros escondidos,
só há que encontrá-los, para transformar palavras murchas
em palavras cintilantes e acabadinhas de nascer.
Não se esqueçam das palavras, mesmo as mais humildes:
há nelas possibilidades que ninguém imagina.
Os especialistas destas coisas chamam-se poetas.
Eugénio Lisboa
06.09.2021

Eugénio Lisboa deu forma às palavras e criou magníficos poemas. Provou-nos, (obstinadamente), que o poeta é o melhor especialista das palavras. Conhece-lhes todos os segredos. Provou-nos também que é um excepcional escritor de plurais formas e um homem maior enquanto ser humano. Conhecê-lo foi um prazer. Ter a sua amizade foi um privilégio.
Gostava de citar muitos autores célebres. Paul Valéry era um deles. São dele as  palavras que roubamos para bem definir  Eugénio Lisboa, que vai hoje a sepultar:
Os homens verdadeiramente grandes estão muito próximos dos outros pela mesma simplicidade que os afasta até ao infinito. Porque os homens verdadeiramente grandes conservam, na sua relação com as coisas profundas e difíceis com as quais estabelecem sua intimidade, as mesmas atitudes que têm com toda a gente; são ao mesmo tempo familiares, delicados e verdadeiros. (Paul Valéry)
Requiescat in pace.

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