segunda-feira, 30 de outubro de 2023

O aprendiz de feiticeiro

Joseph de Maistre

O aprendiz de feiticeiro
De como um pensamento reacionário do século XIX se tornou um aviso sensato no século XXI
por Eugénio Lisboa
“Joseph de Maistre foi um filósofo, crítico e pensador político dos séculos XVIII / XIX, opositor impiedoso do iluminismo e, mesmo, reacionário ultramontano e pai espiritual de Charles Maurras. Excelente prosador, contudo, teve, como tal, a aprovação de poetas como Lamartine e Baudelaire. É dele este pensamento, de 1800, que traduzo:” Se não voltamos às máximas antigas, se a educação não é reentregue aos padres e se a ciência não é posta, por todo o lado, em segundo lugar, os males que nos esperam são incalculáveis: seremos embrutecidos pela ciência e será o último grau do embrutecimento.” Pondo de lado a reentrega da educação aos padres – lagarto! lagarto! – há, no pensamento deste impenitente reacionário, matéria que merece atenção. É evidente que não poderemos atribuir à ciência só alguns males sérios que estamos a fazer à humanidade e à vida no planeta, em geral, e esquecermos os incalculáveis benefícios que ela trouxe ao nosso viver material e espiritual. Nos transportes, nas comunicações, na vida doméstica, no campo essencial da medicina, no armazenamento e rápida transmissão do conhecimento, nos novos instrumentos e condimentos que trouxe às artes, a ciência prestou um indiscutível melhor estar aos humanos. Mas não houve, hélas!, um necessário e cauteloso equilíbrio entre essas vantagens inegáveis e a depredação que, com elas, andámos a fazer ao ambiente, além do mal que andamos também a fazer às mentes das novas gerações, com o uso embrutecedor de certas vantagens tecnológicas. O uso indiscriminado e pouco pensado do telemóvel e do computador, para dar um só exemplo, está a produzir intermináveis fornadas de imbecis e ignorantes, totalmente convencidos e satisfeitos consigo próprios e com o seu próprio saber, “porque está tudo na internet”. Pois está: antigamente também estava tudo nas enciclopédias, mas não estava na cabeça deles, como agora também não está. Esta horrível desfasagem entre o crescimento assombroso da ciência e a nossa estagnação em termos de sabedoria de viver, foi e tem sido diagnosticada, com alarme, por figuras como Einstein e até por pais fundadores da ciência informática. Estamos, como o aprendiz de feiticeiro, a brincar com um invento de que não sabemos muito bem as consequências que nos vai trazer. Ou sabemos e fechamos os olhos para não ver e a cabeça para não antever. No entanto, o feio e crescente embrutecimento está à vista: basta uma visita breve às malcheirosas redes sociais. Nunca tantos disseram tantos dislates em tão pouco tempo e com tal velocidade de transmissão.”
Eugénio Lisboa, 29.10.2023 

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