segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Não é com palavras de ódio que se constrói a paz

 
Não é com palavras de ódio que se constrói a paz
por Eugénio Lisboa
 
 
Uma coisa não é necessariamente
verdadeira, só porque morremos por ela.
Oscar Wilde
 
 
“Não há mortos bons e mortos maus. Os mortos são todos iguais e não há uns mais iguais do que os outros. Morrer por uma causa que se julga boa é, como observou Bertrand Russell, uma estupidez, porque podemos estar errados e a causa não ser boa. Só os idiotas e os fanáticos têm certezas. Os filósofos e os homens de ciência costumam ter dúvidas. Quase todos os mortos têm alguém que gostaria de os retrazer à vida. Não se pode chorar um palestiniano morto e não se chorar um israelita morto. Um autor anónimo disse esta coisa belíssima: “Se as lágrimas pudessem construir uma escada e as memórias uma estrada, eu subiria ao céu para te trazer de volta.” Há por certo, pelo menos, um palestino que pensa isto de outro palestino morto e um israelita que pensa isto de outro israelita morto. Diante destes mortos, de um lado e do outro, devemos curvar-nos, em respeito, e não tomar partido. Não dá para se gostar de uns e não se gostar de outros. E também não deve dar para incitar palavras de ódio e não palavras de paz. Não há “infiéis”, há só pessoas que têm visões da vida diferentes. Devemos respeito aos mortos, mas não àqueles que os fizeram morrer, porque estes não souberam encontrar, nem de um lado nem do outro, a linguagem do diálogo e da paz. Nenhum deles tem a razão toda, embora ambos tenham as suas razões. Tentar chegar a uma solução aceitável, por via da guerra é o mesmo que tentar preservar a vida por via da morte. A guerra, como dizia o outro, não dita quem tem razão, dita só quem sobra. E os que sobram encontram-se, regra geral, piores do que estavam, antes de a guerra começar.
As redes sociais andam cheias de uma gritaria frenética, uns a favor dos palestinos (ocultando cuidadosamente as atrocidades do HAMAS), outros a favor dos israelitas (ocultando a opressão ignóbil destes sobre os palestinos e os colonatos impostos, em violação das leis internacionais). Quem não é nem palestino nem israelita devia favorecer a linguagem da aproximação, do diálogo e da paz, em vez de incitar ao ódio, que os leva, quase sem darem por isso, a pisar um chão ensanguentado. Cogito muitas vezes como podem dormir sossegados os fautores de guerras e os imbecis que os seguem, sem um minuto de reflexão. Sabe-se hoje, por força da documentação histórica existente, que a horrível carnificina da Primeira Guerra Mundial poderia ter sido evitada. A Europa poderia estar hoje mais forte e mais feliz. E o nosso património cultural infinitamente mais rico, se alguns dos talentos e génios ali mortos e apodrecidos, tivessem vivido as suas vidas normais.
Toda a guerra é sempre um mal e uma fonte insensata de desperdício. Quem a faz, quem a aplaude e quem a incita comete um inequívoco acto de delinquência, punível ao mais alto nível.”
Eugénio Lisboa, 23.10.2023

Sem comentários:

Enviar um comentário