domingo, 30 de junho de 2019

Ao Domingo Há Música

A outra morada
É de  Schumann, a música.
Dói, acalma, é transparência
última da rosa, a de Dante
no Paraíso; 
não há outra morada, outro cristal, outra ave;
há somente esse rio, esse gume;
que fere, apazigua, 
o corpo, a alma - quem sabe?
Eugénio de Andrade,  Rente ao Dizer

O espaço deste domingo enche-se com a  Música de Robert Schumann . Pianista e compositor legou-nos uma obra que  tanto dói ou acalma  como  se afunda ou se evola em sons de pura magia.
Piano Concerto de Robert Schumann, com Murray Perahia ao  piano e a Berlin Philharmonie, sob a direcção do Maestro Sir Simon Rattle.
A gravação foi registada, em 14 de Abril de  2012, no Berliner Philharmoniker's Digital Concert Hall.

Lang Lang,  na bela e famosa peça de Robert Schumann, Traumerei -- (Kinderszenen, Op. 15 No. 7.
De Robert Schumann Fantasiestücke Op 73, com Gautier Capuçon no violoncelo, Martha Argerich ao piano,em 2011, no Verbier Festival.

Sobre Robert Schumann (1810 – 1856)
"Robert Alexander Schumann nasceu a 8 de Junho de 1810, em Zwickau, Saxónia, Alemanha. No mesmo ano, Beethoven chegava aos quarenta anos, Schubert contava treze, Mendelssohn, apenas um; nascia Chopin. Liszt nasceria no ano seguinte. O pai do compositor, Friedrich August Schumann ganhava a vida como livreiro. Mas as suas actividades preferidas eram devorar os livros da sua livraria, traduzir os poemas de Byron e escrever novelas góticas. A sua mãe, Johanna Christina Schumann, era quem, de facto, dirigia a livraria. Schumann, tinha quatro irmãos: Eduardo, Carlos, Júlio e Emília.
Sobre a educação de Robert, sabe-se que, aos seis anos ingressou na escola primária e que aos dez anos foi transferido para o Liceu de Zwickau, onde permaneceu até 1828. No curso secundário, apreciava, sobretudo, o grego e o latim. Os autores antigos, de Homero a Tácito, passando por Platão e Sófocles, conhecia-os profundamente. Contudo, mais decisivos para a sua formação foram o hábito de ler (os livros da livraria), e os contactos com os intelectuais que se reuniam com o seu pai - na livraria.
Leitor insaciável, Robert devorou os poetas e novelistas românticos, mas a sua preferência recaía sobre o mais modesto e obscuro poeta alemão, Jean-Paul Richter, que exerceu profunda influência sobre Schumann. Jean-Paul foi um dos precursores da tensão entre os opostos que caracterizou o Romantismo. Todos os jovens poetas o idolatravam e Schumann venerava-o: "Se todos lessem Jean-Paul, seríamos melhores (...)"; " Schubert será sempre o meu único porque tem tudo em comum com o meu único Jean-Paul". Neste período Schumann escreveu muito, sempre sob a influência de Jean-Paul: poemas, cartas, novelas sucediam-se, criando-lhe uma angustiante necessidade de opção: ser poeta ou músico?
O despertar do seu talento musical ocorreu cedo. Aos sete anos o seu pai providenciou para que o menino estudasse com Johann Kuntzsch, autodidacta que leccionava no liceu e tocava órgão na igreja de Santa Maria. Não era um grande músico, mas serviu para estimular o futuro compositor. Meses mais tarde, Robert já escrevia pequenas danças.
Aos nove anos, o pai levou-o a um recital do grande pianista Moscheles. O acontecimento causou-lhe profunda e duradoura impressão.
Aos doze anos formou um pequeno conjunto com os seus amigos da escola (dois violinos, duas flautas, duas trompas e um clarinete) para tocar na escola e nas casas de família.
Quando tinha quinze anos, Kuntzch reconheceu nada mais ter para lhe ensinar. Posto isso, o pai de Schumann pediu ao compositor Weber para aceitá-lo como aluno. Mas, ocupado com a ópera Oberon, não atendeu o pedido. Pouco depois da negativa de Weber, uma tragédia se abateu sobre a família: em 1826, a sua irmã Emília, mentalmente doente, suicidou-se num acesso de loucura. O pai, com saúde debilitada, não teve forças para suportar o choque e faleceu no mesmo ano. De um só golpe, o jovem Schumann perdia a irmã, que amava ternamente, e o pai, o seu mais fiel amigo. Profundamente abatido, entregou-se à melancolia, à passividade, a pressentimentos mórbidos.
Mas tinha de continuar os estudos e desenvolver-se musicalmente. Quanto ao primeiro ponto, a mãe decidiu que ele deveria cursar direito. Assim, em 1828, Schumann ingressou na Faculdade de Direito de Leipzig. Quanto à música, o compositor tornou-se aluno de Friedrich Wieck, um famoso professor de piano, e pai de Clara, uma talentosa menina de nove anos. Em Schumann, logo após conhecê-lo, depositou nele grandes esperanças.
Em pouco tempo de estudos, o progresso realizado com Wieck e a forte impressão que lhe causou um recital de Paganini (1830) mergulharam o jovem numa outra dúvida: ser artista ou advogado? "A minha vida tem sido uma luta entre a poesia e a prosa, ou, se quiser, entre a música e o direito. Agora estou numa encruzilhada, e a questão ‘para onde ir’, assusta-me". Essas palavras foram endereçadas à mãe, deixando-a muito preocupada com a possibilidade de o filho abandonar a faculdade. Consultado pela mãe, Wieck disse-lhe:
"Comprometo-me, minha senhora, a fazer do seu filho Robert, em menos de três anos, graças ao talento e à imaginação que ele tem, um dos maiores pianistas vivos, mais espiritual e ardoroso que Mocheles, mais magnífico que Hummel."
Diante destas palavras, a mãe permitiu que ele optasse pela música. Nos meses seguintes, surgiram as primeiras obras-primas de Schumann: Variações sobre o Nome Abbeg, Papillons. No estudo de piano, o seu progresso era enorme; seria um virtuoso. No entanto, um drama profundo o aguardava.
Para desenvolver a sua técnica pianística, Schumann teve a infeliz ideia de imobilizar o dedo médio da mão direita com o uso de uma ligadura, a fim de tornar independente o dedo anular. Foi um desastre: na primavera de 1832, o dedo imobilizado tornou-se paralítico para sempre. De médico em médico, de charlatão em charlatão, o compositor, dois anos depois, ainda procurava solucionar o problema. De nada adiantaram os seus esforços. A história da música, no entanto, saiu a ganhar: morrendo o intérprete, só lhe restava a via da criação.
Desfeito o seu sonho de ser pianista, Schumann voltou-se para a composição e à crítica musical. Em 1834 escreveu a sua obra-prima para o piano Carnaval, Opus 9 e os Estudos Sinfónicos, Opus 13. Como crítico musical, fundou um jornal, A Nova Gazeta Musical, cujo primeiro número foi publicado em 1834. Os seus redactores (Schumann - director e mais assíduo colaborador - Wieck, Schuncke, Lyser, Hiller, Mendelssohn, Wagner) formavam a Associação dos Amigos de David. Escrevendo sob pseudónimos, os Davidsbündler (Companheiros de David) investiam contra os reaccionários "filisteus", que barravam novos talentos musicais, como Chopin e Mendelssohn. As múltiplas facetas do compositor apareciam na revista sob os nomes de Florestan, o impetuoso, e Eusebius, o tranquilo.
Durante dez anos, Schumann dedicou uma parte importante do seu tempo à tarefa ambiciosa de dirigir a atenção do público para a verdadeira obra de arte, lutando contra o esclerosamento e o pedantismo da crítica vigente.
Schumann conheceu Clara Wieck muito antes de se apaixonar por ela. Em 1828, quando Clara tinha apenas nove anos e já era uma notável pianista, Schumann teve o primeiro contacto com a família. Em 1830, quando optou pela música, foi morar na casa dos Wieck e o seu contacto com Clara, então com onze anos, tornou-se quotidiano.
Em Abril de 1835, Clara tinha dezasseis anos. Regressava de Paris, depois de uma das suas inúmeras excursões como pianista. Mais tarde, em carta à própria Clara, o compositor relataria o que sentiu quando foi recebê-la: "Você pareceu-me mais crescida, mas estranha. Já não era uma criança com a qual eu pudesse rir e brincar; dizia coisas sensatas e vi brilhar nos seus olhos um secreto e profundo raio de amor". O que se seguiu foi uma forte ligação, que cresceu por toda a vida. O amor entre Robert e Clara despontava definitivamente. Ele tinha 25 anos; ela, apenas dezasseis. Todavia, Friedrich Wieck, certamente guiado pelo egoísmo próprio de um pai de uma criança prodígio, opôs-se logo desde o início ao romance entre sua filha e seu melhor aluno. Wieck de forma alguma admitia que a sua filha se casasse, tivesse filhos, fosse uma mulher comum. Para ele, Clara era um génio musical, uma criatura fora dos padrões da normalidade burguesa, que feneceria se tivesse que viver com qualquer um. Por isso, passou ao ataque: mandou Clara para Dresden e proibiu-a de se comunicar com o compositor, fosse de que maneira fosse. Programou um maior número de apresentações para a filha, sempre fora de Leipzig. Como se não bastasse, chegou a espalhar calúnias sobre o compositor: bêbado inveterado, homem volúvel com as mulheres, vagabundo incurável, filho de uma família mentalmente insana, e outros ‘elogios’ deste tipo.
O conflito durou quatro longos anos, culminando com uma demanda judicial, em que Schumann solicitava às autoridades permissão para o casamento, não obstante a oposição do pai da noiva. 
Finalmente, Schumann ganhou a causa e, a 12 de Setembro de 1840, casou-se com Clara. Apesar de todo o desgaste que o conflito com Wieck lhe causou, Schumann não deixou de lado o trabalho criativo, e depois de casados, a ligação entre Clara e Robert manteve-se intensa e profunda. 
Depois de casados, a ligação entre Clara e Robert manteve-se intensa e profunda. Oito filhos e todos os problemas de uma família normal não impediram que os dois trabalhassem activamente: ele compondo e ela apresentando-se nos principais centros europeus. Devido à sua carreira de concertista, Clara gozava de muito maior renome do que ele. Tratado muitas vezes como "marido de Clara Wieck", isso chegou a causar-lhe um certo abalo, mas nunca a ponto de prejudicar o seu relacionamento. Como compositor, nos anos seguintes, Schumann mostrou o seu interesse em dominar outros géneros que não apenas o pianístico. Estimulado por Clara, Liszt e outros amigos, criou várias partituras para música de câmara, uma ópera (Genoveva), a música incidental para o Manfredo, de Byron, e para o Fausto, de Goethe, além de três sinfonias, o Concerto para Piano e Orquestra em lá Menor, e o Concerto para Violoncelo e Orquestra, entre outras obras.
O seu ritmo de trabalho, normalmente muito intenso, às vezes tornava-se frenético. Disso resultariam algumas crises nervosas muito sérias, como ocorreu no início de 1843, em Julho de 1844 e em 1847. Mas estas crises não seriam senão o prelúdio de algo mais grave: a loucura que marcaria os seus últimos anos.Em 1851, ocupando o cargo de director de orquestra em Düsseldorf, Schumann teve graves problemas com os músicos, devido à sua instabilidade emocional. Em 1853, começou a ter alucinações auditivas, ouvindo incessantemente a nota "lá"; a isso juntavam-se a dificuldade de fala e a melancolia.
No início do ano seguinte, as alucinações tornam-se cada vez mais frequentes e, nos momentos de lucidez, é tomado pelo temor de se tornar completamente louco. A obsidiante nota "lá" transforma-se em música, música descrita por Schumann como "a mais maravilhosa e executada por instrumentos que ressoam tão esplendidamente como jamais se ouviu".
Em 30 de Setembro de 1853, por volta do meio-dia, a campainha tocou… Marie Schumann correu para abrir a porta. Era um belo jovem, louro, imberbe, de rosto fino, que com voz fraca e tímida pediu para falar com o compositor Robert Schumann. Marie, a sua filha, respondeu que o pai não estava, mas que poderia encontrá-lo no dia seguinte por volta das onze horas. No outro dia voltou e quem abriu a porta foi o próprio compositor. O jovem era um músico, como muitos que vinham ver o “mestre”, o “grande Schumann”, e trazia debaixo do braço as suas composições manuscritas. Disse que tinha vinte anos, que vinha com uma carta de apresentação de Josef Joachim e que o seu nome era Johannes Brahms.
Com aspecto infantil, não disse mais nada e convidado por Schumann (que também falava pouco) sentou-se ao piano e começou a tocar as suas composições. Após alguns compassos da Sonata em Dó Maior, teve que parar imediatamente porque Schumann levantou-se agitado, com uma alegria incontida. Saiu a correr e a gritar: “Clara! Clara! Vai ouvir uma música como nunca ouvira antes!” Clara veio e o adolescente de Hamburgo recomeçou. Robert Schumann, estava comovido, porque reconhecia na música de Brahms os ecos da sua própria mística. Foi-se o primeiro movimento, depois o segundo e finalmente Brahms tocou o terceiro, com os Schumann extasiados de alegria, emocionados, maravilhados. Não houve naquele dia o tradicional passeio do casal. Brahms ficou para almoçar e à tarde tocou mais, e depois Clara também tocou. De noite, Schumann escreveu no seu livro de anotações uma nota lacónica: “1º de Outubro: Brahms em visita (um génio) ”.Corria o ano de 1854 e uma nova etapa na vida do jovem Brahms estava prestes a começar. Em pouco tempo, passou a viver em casa de Robert e Clara como se fosse da família.
Em sua casa em Düsseldorf, Robert e Clara Schumann trataram Brahms como um génio. Robert tratou de recomendar as obras de Brahms aos seus editores e escreveu um famoso artigo na Nova Gazeta Musical, intitulado Novos Caminhos, onde era chamado de "jovem águia" e de "Eleito".
Robert Schumann logo deixou claro para Brahms que não tinha nada para lhe ensinar. 
Brahms ficou alguns anos perambulando entre duas cidades da Alemanha, ora ficando em Hanôver em casa de Joachim ora na de Schumann em Düsseldorf. Esta vida de errante só haveria de terminar em 1856, com a trágica morte de Schumann.
Atormentado e insone, na noite de 17 de Fevereiro de 1854, Schumann levanta-se repentinamente da sua cama para escrever um tema ditado por anjos que via ao seu redor. Mas, aos poucos, essas figuras celestiais transformam-se em demónios em forma de hiena e de tigre. E essas novas visões são acompanhadas de uma música tenebrosa e assustadora. Pede então para ser internado num asilo de alienados. Poucos dias depois, a 27 de Fevereiro, tenta o suicídio, atirando-se às águas do rio Reno. Salvo por barqueiros, é conduzido ao asilo de Endenich, próximo de Bona. Nessa altura, Brahms, como um filho mais velho, tomou sobre si as responsabilidades da casa. Clara Schumann tornou-se uma grande amiga e companheira, representando para ele, de certa forma, o que Nadeja Von Meck foi para Tchaikovski. Muito se especulou sobre essa amizade mas ao que parece Brahms e Clara nunca se apaixonaram. Por outro lado, Ambos destruíram cartas e outros documentos que poderiam afirmar isso. Restou apenas a dúvida.
Os pesquisadores Eliot Slater, Alfred Meyer e Eric Sams afirmam que a demência de Schumann seria decorrente de uma sífilis terciária mal curada, que o próprio compositor admitiu ter contraído nos seus anos de juventude.
De Endenich, Schumann jamais sairia. Proibido de ver Clara, recebe frequentemente a visita de amigos. Para Clara, envia cartas que testemunham o seu amor até o fim: "Oh! se eu pudesse te rever, falar-te mais uma vez". A 23 de Julho de 1856, chamada com urgência, Clara testemunha os seus últimos momentos de consciência: "Ele sorriu-me, e com grande esforço enlaçou-me nos seus braços. Eu não trocaria esse abraço por todos os tesouros do mundo". Morre no dia 29 de Julho, com 46 anos." Publicado a 21 Jul, 2011, 11:49, pela Antena 2 -RDP/

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