quinta-feira, 13 de junho de 2019

13 de Junho - Dia de Poetas


Há 131 anos , 13 de Junho de 1888,  nascia, em Lisboa,  Fernando Pessoa. 
Há 14 anos, 13 de Junho de 2005, morria, no Porto, Eugénio de Andrade.
Dois poetas ligados ao dia que celebra  Santo António, em Lisboa
Evocamos, hoje,   estes dois poetas.  

 ‘O Fernando Pessoa anda por aí todo deturpado’ - Quem o afirma é Teresa Rita Lopes que estuda a obra de Fernando Pessoa há meio século e já deu a volta aos 27 mil documentos do espólio por mais de uma vez. Em artigo publicado no DN  a investigadora refuta com vários argumentos as acusações de que o poeta era racista e esclavagista, no seguimento de uma polémica que começou com a possibilidade de se dar o nome do poeta a um programa de intercâmbio académico entre os países da CPLP. Escolha que não reuniu o consenso de todos, designadamente em Angola. O jornal cabo-verdiano Expresso das Ilhas destacou a notícia das palavras de Luzia Moniz, presidente da Plataforma para o desenvolvimento da mulher africana, de Angola,proferidas na Assembleia da República em Lisboa, e questionou a posição das autoridades em Cabo Verde. Estava lançada uma polémica... sem razão de ser como esclarece Teresa Rita Lopes .Eis  um pequeno excerto desse artigo:
"(...)O problema central que, mesmo alguns dos que escrevem sobre Pessoa não entenderam ainda, é que a obra de Pessoa é de natureza dramática, o tal “drama em gente” por ele assim chamado: por isso cada personagem por ele inventada, quer lhe chame “heterónimo” ou “personalidade literária” tem a sua verdade, que exprime em “entreacção” (expressão de Pessoa) com as da outras personagens da obra que foi escrevendo ao longo da vida. Disse ele que “cada personagem constitui um drama” – questão fulcral a que nem os numerosos pessoanos de ocasião atendem: escrevem que “Pessoa disse” e repetem o que disse uma das suas personagens, sem perceberem que é diferente do que ele dizia e, muitas vezes, em “contradição” - essa “contradição” notada pelo autor das passagens citadas a favor da escravatura, sem perceber que não é Pessoa que assim se exprime mas uma personagem sua, António Mora, mesmo quando Pessoa não chegou a manifestar essa atribuição. 
Os 47 anos de vida de Pessoa não lhe chegaram para encenar as falas das diferentes personagens que habitaram o palco desse “drama”, só esporadicamente o fez – e já publiquei em livro esses diálogos em que ele próprio encena verdades contraditórias. (Ciente dessa necessária encenação já a ela me dediquei em dois livros: um, bilingue, em 1985, F.Pessoa – Le théâtre de l’être  e outro, em português, Véspera de Partida.).
(....)Os critérios de António Mora não são naturalmente os do homem de hoje mas os do pagão helénico – o que explica que tenha da escravatura uma visão bem diferente da actual.
A principal militância de Pessoa foi pela pátria-língua-portuguesa – esse o tal Quinto Império de que por aí se fala à toa. Pena que alguns cidadãos dessa pátria-língua com que tanto sonhou estejam, por ignorância, a prejudicar a sua realidade – presente e futura. " Teresa Rita Lopes, em «PESSOA DESENTENDIDO E CALUNIADO“Branqueá-lo?” Não! Entendê-lo!»artigo publicado no DN de 16.02.2019
Fernando Pessoa nasceu a 13 de Junho de 1888, no Largo de São Carlos, em Lisboa.
Começou a escrever em criança e fê-lo sobretudo em português, mas também em inglês e francês. Viveu 47 anos e passou grande parte deste tempo a escrever. Considerava que ser poeta e escritor não constitui profissão, mas vocação.
Morreu a 30 de Novembro de 1935, em Lisboa, cidade referida em muitos dos seus poemas e cenário do famoso Livro do Desassossego. É nesta cidade que se encontram os seus papéis, depositados na Biblioteca Nacional de Portugal, e a sua biblioteca particular, depositada na Casa Fernando Pessoa e disponível para consulta online.

CANÇÃO TRISTE

Sol, que dá nas ruas, não dá
No meu carinho.
A felicidade quando virá?
Por que caminho?

Horas e horas por fim são meses
De ansiado bem.
Eu penso em ti indecisas vezes,
E tu ninguém!
Não tenho barco para a outra margem,
Nem sei do rio
Ah! E envelheceu já tua imagem
E eu sinto frio.

Não me resigno, não me decido,
Choro querer...
Sempre eu! Ó sorte, dá-me o olvido
De pertencer!

Enterrei hoje outra vez meu sonho
Amanhã virá
Tornar-me triste por ser risonho,
E não ser já.
1917
Fernando Pessoa, in "Pessoa por Conhecer - Textos para um Novo Mapa" . Teresa Rita Lopes. Lisboa: Estampa, 1990.

Eu sou uma antologia.

Eu sou uma antologia.
Escrevo tão diversamente
Que, pouca ou muita valia
Dos poemas, ninguém diria
Que o poeta é um somente.
……

Depois para si o poeta
Deve ser poeta também
Se ele não tem a completa
Diversidade
Não é poeta, é só alguém.

Eu graças a Deus não tenho
Nenhuma individualidade
Sou como o mundo (...)
13-12-1932
Fernando Pessoa, in Pessoa por Conhecer - Textos para um Novo Mapa . Teresa Rita Lopes. Lisboa: Estampa, 1990.

Em tempos quis o mundo inteiro.

Em tempos quis o mundo inteiro.
Era criança e havia amar.
Hoje sou lúcido e estrangeiro.
(Acabarei por não pensar.)

A quem o mundo não bastava,
(Porque depois não bastaria)
E a alma era um céu, e havia lava
Dos vulcões do que eu não sabia,

Basta hoje o dia não ser feio,
Haver brisa que em sombras flui,
Nem se perder de todo o enleio
De ter sido quem nunca fui.
28-5-1930
Fernando Pessoa, in Pessoa por Conhecer - Textos para um Novo Mapa . Teresa Rita Lopes. Lisboa: Estampa, 1990.

Desperto de sonhar-te

Desperto de sonhar-te
Quando inda a noite é funda,
E um céu estelar faz parte
Do silêncio que inunda.
Perdi poder amar-te
E a treva me circunda.

Talvez que relembrasse,
Sonhando-te, outro ser,
E aquilo que sonhasse
Fosse tornar a ter.
Mas despertei, e faz-se
Claro em meu quarto a ver.

Insónia de perder-te!
Quem foste já não sei.
Pela janela verte
Cada astro a sua lei.
Como, sem sonhar ter-te?...
Porque não dormirei?
4-3-1932
Fernando Pessoa, in  Pessoa Inédito (Orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes). Lisboa: Livros Horizonte, 1993.
"Eugénio de Andrade nasceu em Póvoa de Atalaia (19. 01. 1923), uma aldeia da Beira Baixa onde passou a infância. Com oito anos de idade acompanha a mãe para Castelo Branco, e, em 1932, vão viver para Lisboa. Neste mesmo ano, termina os estudos primários que iniciara na aldeia natal. Em 1938, envia uma carta a António Botto, com alguns poemas, manifestando o desejo de o conhecer; momento particularmente importante, pois é nesse encontro com Botto que um amigo deste revela a Eugénio de Andrade a poesia de Fernando Pessoa, origem de um fascínio ilimitado. O conhecimento da literatura do autor da Mensagem será determinante para a afirmação de um estilo individual numa direcção oposta à poética pessoana, naquilo em que esta se mostra distanciada da exaltação do sensualismo, da afirmação da corporalidade — vectores decisivos no trajecto poético de Eugénio de Andrade. Em 1942, dedicará o seu primeiro livro à memória de Pessoa.
Em 1994, deixa a exígua morada na Rua Duque de Palmela, onde viveu durante décadas, e passa a viver numa casa, apoiada pela Câmara do Porto, onde funciona uma Fundação com o seu nome. Foi nesta casa, no Passeio Alegre, na Foz do Douro, que faleceu em 13 de Junho de 2005.
Eugénio de Andrade sagrou-se à poesia como uma espécie de monge que vê no poema a via da redenção. Afabilidade e rudeza, ascetismo e hedonismo nele coabitam sem qualquer espécie de tensão. O encanto desta poesia capaz de suscitar uma emoção tão viva provém em grande medida da extraordinária harmonia (“aliança primogénita entre a palavra e a música”) encontrada no corpo do poema. Torna real o símile da corporalidade, tornando a língua mais maleável."Carlos Mendes de Sousa, Eugénio de Andrade 

Procuro-te

Procuro a ternura súbita,
os olhos ou o sol por nascer
do tamanho do mundo,
o sangue que nenhuma espada viu,
o ar onde a respiração é doce,
um pássaro no bosque
com a forma de um grito de alegria.

Oh, a carícia da terra,
a juventude suspensa,
a fugidia voz da água entre o azul
do prado e de um corpo estendido.

Procuro-te: fruto ou nuvem ou música.
Chamo por ti, e o teu nome ilumina
as coisas mais simples:
o pão e a água,
a cama e a mesa,
os pequenos e dóceis animais,
onde também quero que chegue
o meu canto e a manhã de maio.

Um pássaro e um navio são a mesma coisa
quando te procuro de rosto cravado na luz.
Eu sei que há diferenças,
mas não quando se ama,
não quando apertamos contra o peito
uma flor ávida de orvalho.

Ter só dedos e dentes é muito triste:
dedos para amortalhar crianças,
dentes para roer a solidão,
enquanto o verão pinta de azul o céu
e o mar é devassado pelas estrelas.

Porém eu procuro-te.
Antes que a morte se aproxime, procuro-te.
Nas ruas, nos barcos, na cama,
com amor, com ódio, ao sol, à chuva,
de noite, de dia, triste, alegre — procuro-te.
Eugénio de Andrade, in " As Palavras Interditas " Assírio & Alvim Editores,pp 33-34

Escrita da Terra
1.
Sê tu a palavra,
branca rosa brava.

2.
Só o desejo é matinal.
Poupar o coração
é permitir à morte
coroar-se de alegria.

3. 
Poupar o coração
é permitir à morte
coroar-se de alegria.

4.
Morre
de ter ousado
na água amar o fogo.
Beber-te a sede e partir
– eu, que sou de tão longe.
Da chama à espada
o caminho é solitário.

5.
Beber-te a sede  e partir
-- eu sou de tão longe. 

6.
Da chama à espada 
o caminho é solitário.

7.
Que me quereis,
se me não dais
o que é tão meu?
Eugénio de Andrade, in Ostinato Rigore (1964), Assírio & Alvim Editores, pp 24,25
O Olhar

Eu sentia os seus olhos beber os meus;
longamente bebiam, bebiam;
bebiam
até não me restar nas órbitas nenhuma
luz, nenhuma água,
nem sequer o sinal de neles ter chovido
naquele inverno.
Eugénio de Andrade, in Rente ao Dizer (1992),Fundação Eugénio de Andrade, p 33

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