quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Cante jondo, canto andaluz

"Mais do que um símbolo musical da multimilenária cultura andaluza, o cante jondo («canto fundo»), tal como o seu epíteto indica, exprime - através de uma ambiência sonora cristalizada ao longo de séculos e assimilada na escrita pianística de um Albéniz ou de um Granados - o que de mais profundo encerra o espírito popular.
Cúmplice das penas e das alegrias do seu povo, o cantaor esconjura com «voz de sangre», através das sentidas letras e dos longos e dolorosos melismas, como num ritual, as angústias que lhe assaltam a alma, crendo que quem o escuta comungará, por empatia, da sua dor e que esta será, assim, mitigada.
A importância do cante na cultura flamenca, todavia, não se esgota no carácter confessório da interpretação. Possuído pelo duende, esse "espíritu oculto de la dolorida España" (Lorca: I, 1067), o cantaor percorre os recônditos meandros do inconsciente colectivo. Obedecendo a cânones há muito estabelecidos, não só constrói uma representação de si próprio e do seu povo ­ o que é, de certo modo, revelador da propensão dos andaluzes, como sustenta Ortega y Gasset, para um certo «narcisismo colectivo» (Ortega y Gasset, 1961: 112) ­, mas também invoca por via de imagens atávicas os mistérios das antiquíssimas religiões que outrora fecundaram o imaginário andaluz.
Na realidade, os estudiosos da matéria da Andaluzia, como J. M. Caballero Bonald, D. E. Pohren, J. Caro Baroja ou Fernando Quiñones, são unânimes em considerar que o cante encarna a permanente demanda de uma obscura e inefável essência destilada pela antiguidade das suas raízes culturais. ue de mais profundo encerra o espírito popular.
(…) A natureza ao mesmo tempo pagã, primeva e intuitiva do cante cativou a atenção de poetas e músicos. Um desses poetas, Federico García Lorca, figura de estatura ímpar no panorama literário espanhol do século XX, soube operar uma ruptura com a visão meramente folclorista do flamenco partilhada por alguns dos seus conterrâneos – nomeadamente Melchor de Palau, Salvador Ruedas e Manuel Machado, que em 1912 publicara um livro de coplas intitulado, justamente, Cante Jondo. A relação de Lorca com o «andaluzismo» não se cinge a um manusear curioso dos elementos castiços e potencialmente poéticos da cultura andaluza. Pelo contrário, a sinceridade da escrita lorquiana, a sedução incontida, obsessiva até, pelos temas e imagens da Andaluzia mítica e onírica trai a sua total identificação com o espírito a que aludimos. A somar a isso, ligam‑no estreitos laços ao mundo do café cantante onde aprenderá a partilhar, ao lado de cantaores, bailores e  tocaores, dos verdadeiros valores religiosos e estéticos contidos na arte flamenca.” António Lopes , in Dicionário de Termos Literários
Diego Carrasco, Miguel Poveda, Arcangel, Maria Toledo, India Martinez, Junior y Carrasco Family - El sol, la sal, el son
 El Flamenco Patrimonio del Alma - Canal Sur, 15 Novembro 2010
Miguel Poveda Real - "Triana, puente y aparte" ( Tangos de Triana ), Extraído do DVD "Miguel Poveda Real", uma produção de Universal Music Spain y Discmedi, dirigida e realizada por Sarao Films.

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