O mar
Conheço teu agitado marulho
tua voz de barítono
conheço tua zangada pronúncia
tuas lanças arrojadas pelos braços da tormenta
conheço tua suave dança
na onda calma e inumerável
na crista transformada em súbita canção de espumas
conheço-te na beleza da baía amanhecida
na hora melancólica do crepúsculo
e no teu dorso enluarado.
Me deste a paisagem das águas litorâneas
e a espuma se estendendo sobre a areia
me mostraste a nudez e o encanto das praias solitárias
a preamar e a vazante
e o teu perfil de mastros e gaivotas
me deste a magia do horizonte
uma vela solta ao vento
e um barco de papel para os meus sonhos
mas nunca me mostraste
a extensão azul dos teus domínios
e nem um indício sequer dos teus enigmas.
Marinheiro sem mar e sem destino
nunca pude navegar tuas distâncias.
Deste banquete
me deste apenas o paladar salgado dos meus versos
minha sílaba de sal
e a tua própria essência salpicada entre meus dedos
molécula elementar
unânime cristal
para que na minha dieta imprescindível
eu possa provar teu sabor todos os dias.
Curitiba, Abril de 2004
Manoel de Andrade, in Cantares, Editora Escrituras, São Paulo, Brasil

Maravilhoso poema de alguém que sempre sonhou em navegar.
ResponderEliminarNão foi apenas minha infância vivida junto ao mar que me inspirou essa imagem poderosa da beleza. Muitos livros, poemas incontáveis, canções e quadros com “marinhas” deslumbrantes somaram meus encantos e o fascínio pelo mar.
ResponderEliminar“Talassa! Talassa!” – “O mar! O mar!” entoaram os dez mil soldados gregos, maravilhados ao rever o oceano, voltando após anos de lutas contra o império Persa. É o que conta o historiador Xenofonte, no seu “Anabasis”, esse livro delicioso que li na minha juventude.
São também daqueles anos a leitura de “O Mar do Norte”, cantando a nostalgia dos versos marítimos de Henrique Heine, este grande poeta romântico alemão que influenciou dezenas de poetas brasileiros da sua época.
Magnífico é o canto XIV, do “Canto Geral”, sobre “O grande oceano” e a “Ode ao Mar” de Pablo Neruda.
Inesquecíveis são as páginas de Moby Dick, onde Herman Melville retrata o céu na beleza serena das águas e descreve sua força implacável e seu abismo de segredos e mistérios.
Que livro sedutor é “O Velho e o Mar”, expressando uma profunda reflexão sobre o significado da vida e revelando o fascínio de Hemingway pela vida marinha.
De tudo o que mais ficou foi a “Ode Marítima”. Os versos de Fernando Pessoa sempre ressoarão como eco dos meus sonhos. Sou eu mesmo que lá estive: “Sozinho, no cais deserto, (...) Olho pró lado da barra, olho pró Indefinido.”
O mar, o mar de sempre, este cenário imenso de tantas histórias; símbolo da beleza e do mistério.
Meu querido poeta.
ResponderEliminarA vida começou no mar e a evolução nos tornou conscientes (humanos).
Seus versos são capazes de nós fazer retroceder no tempo e trazer a beleza da vida nas ondas espumantes e ruidosas e nesse agito marulho dos seus versos.
A lembrança me leva agora para aquele barquinho que conheci há vários anos.
Meu abraço carinhoso.
Laércio
O mar de tantos mares é sempre um deslumbramento. A bela evocação de Manoel de Andrade atesta quanto o mar vive em tantas páginas que nos acordam o seu mágico marulhar . Apenas relembro as telas pintadas em ímpares palavras por Raul Brandão no magnífico livro "Os Pescadores".
ResponderEliminarObrigada, Manoel.