terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

Algumas ponderações catabólicas

Fernando Botero, "Bailando en Colombia", 1980,  (óleo sobre tela)

Algumas ponderações catabólicas
por Rubem Braga
" Catabólico é uma palavra engraçada; parece o exercício do goleiro que sai de quatro (de cata-cavaco) atrás da bola que lhe escapou das mãos.
Mestre Aurélio não regista a palavra em seu excelente Pequeno Dicionário; apenas refere catabolismo no sentido de desassimilação; aliás Aurélio também não acolhe catacavaco ou cata-cavaco, palavra corriqueira para designar uma interessante posição do corpo.
São cochilos de mestre. Mas qualquer pessoa gorda que quer emagrecer ( caso meu e também de Aurélio, que já o vi a derreter untos numa sauna em Itatiaia, embora ele também ainda não haja acolhido a palavra sauna), qualquer pessoa como nós, que faz regime ou pelo menos lê livro que ensina a fazer regime, sabe que se diz catabólico o alimento que consome mais calorias para ser digerido do que as que  fornece ao organismo: alface, abacaxi, etc. .Enfim: comida que emagrece, embora alimente.
Um médico meu amigo aconselha para o verão não apenas mantimentos mas também literatura catabólica. Evitar grandes versos de Schmidt ou odes de Vinicius, consumir poemas magros de João Cabral ou Carlos Drummond de Andrade. Tirar da parede quadros de  Di Cavalcanti, reproduções de Rubens ou Renoir: engordam horrorosamente. Não ouvir bossa nova: tem muito açúcar, é melhor traçar saladas de cool jazz em estado natural.
Cuidado com as mulheres . As meigas  e rechonchudinhas  devem ser eliminadas; use-as magras e amargas, mas não em excesso para não suscitar úlcera no estômago. O melhor  é o tipo da magra esquiva, com sabor de carne de peixe.
O ideal mesmo, aliás, é não sair muito com mulheres. Compre uma bicicleta e saia com a mesma, eis um fino conselho.
Esculturas de Bruno Giorgi  são mais recomendáveis que as de Alfredo  Ceschiatti. Pintor francês atual, o mais catabólico, é mesmo Buffet. Ouvir acordeão engorda tanto como romance de José de Alencar e Jorge Amado; leiam Machado de Assis e Graciliano Ramos , os catabólicos da prosa brasileira.
Crónica, se gostar, que seja do género meio aflito, como José Carlos Oliveira; Pongetti, Braga e Elsie Lessa engordam um pouco; cuidado com os salgadinhos e frituras do Stanislaw Ponte Preta! Entrevista de candidato sempre contém farináceos.
O melhor é não ler nada. Não ler, não amar, não comer, morrer, dormir, sonhar talvez ,quem sabe...."
Rubem Braga, in Desculpem tocar no assunto, Editora Tinta-da-China Lda, Lisboa, Outubro de 2023, pp.176-177

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