sábado, 19 de abril de 2014

Jaz morto o menino de sua mãe

Jaz morto e arrefece o menino de sua mãe” (1973), escultura de Clara Menéres
(Fonte: Panorama da arte portuguesa do século XX, Fernando Pernes
Porto, Campo das Letras, 1986, p. 265.)

Os Corpos

vede
que jazem


à minha frente
 a pele citrina
da morte
biliosa
os habita

espécie de pacto
sobre tudo isto que vedes
a maneira de olhar
o sangue
calar a revolta
este pânico entreaberto
nos olhos dos cadáveres
e os coágulos duros deste sol

há uma mentira acreditável
em quem vê as armas caídas
ao lado destes corpos

cumplicidade de admitir nos mortos
a espera da nossa morte

vede que jazem
estes membros como insónia
sobre os corpos destruídos das granadas
perfil rígido
das metralhadoras
para sempre presas no sovaco

cratera da nossa boca
de comer e tanto vomitar a guerra

mas vede também
que ira interrompida
se morde contra a morte
sobre estes mortos

João de Melo, in Navegação da terra”, Lisboa, Editorial Vega, 1980, 1ª ed.

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