quinta-feira, 12 de julho de 2012

Amanhã




«Amanhã», dizes tu. Viverei amanhã.»
Quando virá, porém, esse tal amanhã?
Ah! que sabemos nós do dia de amanhã?
Em que reino se esconde o rosto de amanhã?
Que idade tem ao certo o vulto de amanhã?
É coisa que se venda? É coisa que se compre?
Que certeza tens tu de estar vivo amanhã?

Tarde já é viver no próprio dia de hoje.
Mais sábio é começar a vivermos desde ontem.

Marcial, Epigramas, Livro V, 58,Tradução de David Mourão-Ferreira in “Vozes da Poesia Europeia” – I, Colóquio Letras n.º 163,Janeiro - Abril 2003

1 comentário:

  1. O Amanhã!... Sempre esse pequeno, curto, futuro, que desejávamos longo, muitas, inúmeras vezes só pela curiosidade de conhecer o que se segue aos dias passantes... Para os que nunca conhecerão o Amanhã, vegetarão, vegetaremos no tarde de Ontem. Assopremos com quanta força temos nos pulmões do desejo, enchendo-os de futuros longínquos, sonhados e belos, os balões, esses balões frágeis que o presente nos oferece, essa revoada colorida de bolas multiformes, pequenas, maiores, espalhando-se pelo ar, ao sabor da brisa!... Se mais sábio seria termos vivido desde ontem, porque esperámos por nascer só no Amanhã?... Ah!... Já sei. A causa. É a vaidade, o brio, a petulância que nos faz ambicionar o Amanhã, passeá-lo de braço pelas ruas, para que todos, mas todos, nos vejam, nos invejem, nos admirem, e nunca, nunca nos possam perdoar!... Vivos ou mortos, os Amanhãs foram sonhados antes de ontem, quando navegando no mecóneo, no ventre materno nos preparávamos... E para quê?... Se tudo ontem à tardinha estava já descoberto. Se o mais estava declarado. Nos mortificávamos por sermos amantes, ou coisa que o valha, Amanhã. Porque de amantes e balões e certezas estamos cheios... Ou fingimos todas as madrugadas que cheios nos encontrariam... Porque amantes é sermos amados. V. P.

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