segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Os cem anos de Jorge Amado

Jorge Amado nasceu a 10 de Agosto de 1912, em Ferradas, na região do cacau, no sul da Bahia. 2012 é o ano do centenário desse grande homem das letras que revolucionou o romance brasileiro. Neste espaço, temos recordado a valiosa obra que legou ao Brasil e ao mundo. Fazê-lo é relançar uma galeria imensa de personagens que compõe magistralmente a produção literária deste escritor. Transcrevemos, anteriormente, num desses artigos, um excerto do Discurso da tomada de posse na Academia Brasileira proferido em Abril de 1961 que retomamos: " (...)quando aqui chego, chegam a esta casa, (...) pessoas simples do povo, aqueles meus personagens, pois é por suas mãos que aqui ingresso. Vêm mestres de saveiros e pescadores. Mestre Manuel, Maria Clara, Lívia e Guma, e sua ansiosa espera da morte no mar; vêm negros e mulatos, pai-de-santo Jubiabá e o negro Balduíno, Rosenha Rosedá e o Gordo, vêm as crianças abandonadas, os capitães da areia, trabalhadores dos campos de cacau e rudes coronéis de repetição em punho; vêm o rei das gafieiras da Bahia, Quincas Berro D'água, a mulata Gabriela feita de cravo e de canela, e o comandante Vasco Moscoso de Aragão, que amava sonhar e comandava os ventos.Gente simples do povo, não sou mais de que ele, e se os criei, eles me criaram também e aqui me trouxeram. Porque eles são o meu povo e a vida que tenho vivido ardentemente(...)". É esta a singularidade da obra de Jorge Amado.
Em 9 de Agosto de 2011 , véspera do dia em que Jorge Amado completaria 99 anos de idade, uma colectiva de imprensa em Salvador, na Fundaçāo Casa de Jorge Amado, deu início às comemoraçōes do centenário do escritor baiano. Na ocasiāo, foi apresentada uma comissāo para organizar diversas actividades que começaram em Salvador e se realizarão em todo o Brasil e que terāo um selo exclusivo deste centenário criado por Máquina Estúdio.
“A ideia é que este ano nāo acabe nunca” brincou Cecilia Amado, neta do escritor.
Os eventos acontecerāo de Agosto de 2011 até Agosto de 2012. Veja a programaçāo divulgada na colectiva, aqui

Para nós e na sequência do que acabamos de afirmar , celebrar Jorge Amado é revisitar incessantemente a sua obra para reproduzir alguns excertos que estampam essa prodigiosa galeria de gente simples que figura em toda a sua produção literária. Hoje, mergulhamos nesse universo popular para extrair uma das suas mais belas personagens, o negro António Balduíno , personagem central do romance "Jubiabá", escrito em 1935.

Ele julgara que a luta aprendida nos ABC lidos nas noites do morro, nas conversas em frente à casa de sua tia Luísa, nos conceitos de Jubiabá, na música dos batuques, era ser malandro, viver livre, não ter emprego. A luta não é esta. Nem Jubiabá sabia que a luta verdadeira era a greve, era a revolta dos que estavam escravos. Agora o negro António Balduíno sabe. É por isso que vai tão sorridente, porque na greve recuperou a sua gargalhada de animal livre. (…)
A noite desceu e a Lua sobe do mar para junto das estrelas. O Gordo andará na Rua Chile , de braços estendidos, a perguntar onde está Deus. Zumbi dos Palmares é que brilha no céu. Para os homens brancos, é Venus, o planeta. Para os negros, para António Balduíno, é Zumbi, o negro que morreu para não ser escravo. Zumbi sabia aquelas coisas que só agora António Balduíno aprendera. Os saveiros dormem. Apenas O Viajante sem Porto sai, lanterna acesa, carregado de abacaxis. Maria Clara vai em pé cantando. Dela vem o cheiro poderoso de mar. Ela nasceu no mar, o mar é o seu inimigo e o seu amante. António Balduíno também ama o mar. Sempre viu no mar o caminho de casa. E quando Lindinalva morreu, ele que pensava que seu A B C já estava perdido, que nada mais faria, quis entrar pela estrada do mar para ser feliz como um morto. Porém os homens do cais, os homens do mar, lhe ensinaram a greve. O mar lhe mostrou o caminho de casa. E ele olha para o mar verde, amarelado pela lua. De muito longe vem a voz de Maria Clara :
A estrada do mar é larga, Maria …
Um velho no cais deserto toca realejo. A música vem em surdina e se espalha pelos saveiros, pelas canoas, pelos transatlânticos, pelo grande mar misterioso de António Balduíno. Se não fosse a greve, o mar engoliria o seu corpo numa noite em que a lua não brilhasse. Se não fosse a greve ele teria desistido de ser cantado num A B C , de ver Zumbi dos Palmares brilhando como Vénus. Um vulto passa ao longe. Será Robert, o equilibrista, que desapareceu misteriosamente do circo? Mas pouco importa. A música do realejo é plangente. A voz de Maria Clara se sumiu no mar. Mestre Manuel irá ao leme. Ele sabe todos os segredos do mar. E amará Maria Clara à luz da lua. As ondas do mar molharão os corpos e assim o amor ainda será melhor. A areia alva do cais, prateada com a lua . Areia alva do cais onde o negro António Balduíno amou tantas mulatas que eram todas Lindinalva, a sardenta. Se não fosse a greve, o seu corpo de afogado seria depositado na areia e os siris chocalhariam como chocalhavam no corpo de Viriato, o Anão. Brilha a luz de um saveiro. O vento levará até ele a melodia do realejo que o velho italiano toca? « Um dia », pensa António Balduíno, « hei-de viajar, hei-de sair para outras terras.»
Um dia ele tomará um navio, um navio como aquele holandês que está todo iluminado, e partirá pela estrada larga do mar. A greve o salvou. Agora sabe lutar. A greve foi o seu A B C. O navio vai largar. Os marinheiros souberam da greve, contarão em outras terras que aqueles negros lutaram. Os que ficam dão adeuses. Os que vão limpam lágrimas. Porque chorar quando se parte? Partir é uma aventura boa, mesmo quando se parte para o fundo do mar como partiu Viriato, o Anão. Mas é melhor partir para a greve, para a luta. Um dia António Balduíno partirá num navio e fará greve em todos os portos. Nesse dia dará adeus também. Adeus minha gente que eu já vou. Zumbi dos Palmares brilha no céu. Sabe que o negro António Balduíno não entrará mais pelo mar para a morte. A greve o salvou. Um dia ele dará adeus e agitará um lenço do tombadilho de um navio. A música do realejo chora uma despedida. Mas ele não dará adeus como estes homens e mulheres da primeira classe, que dão adeus para os amigos, para pais e irmãos, para esposas chorosas, para noivas tristes. Ele dará adeus como aquele marinheiro loiro que está no fundo do navio e agita o boné para a cidade toda, para as prostitutas do Taboão, para os operários que fizeram a greve, para os malandros que estão na Lanterna dos Afogados, para as estrelas onde está Zumbi dos Palmares, para o céu claro e a Lua amarela, para o velho italiano do realejo, para António Balduíno também. Ele dará adeus como marinheiro. Adeus para todos , que ele fez a greve e aprendeu a amar a todos os mulatos, todos os negros, todos os brancos, que na terra, no bojo dos navios sobre o mar, são escravos que estão rebentando as cadeias. E o negro António Balduíno estende a mão calosa e grande e responde ao adeus de Hans, o marinheiro.
Pensão Laurentina ( Conceição da Feira) , 1934
Rio de Janeiro, 1935”
Jorge Amado, in “ Jubiabá”, Edição “Livros do Brasil “ , Lisboa

1 comentário:

  1. Jorge Amado sempre foi o escritor mais criativo da Língua Portuguesa,e amado pelos seus inúmeros leitores, amado pelo povo Brasileiro!... Em Portugal, os seus livros também causaram um impacto enorme, desde que começaram a ser lidos, ainda as primeiras edições, eram produzidas por Editoras Brasileiras e adquiridas no Brasil,viajando para a Europa atrvés de Portugal. Por esse mundo fora, mesmo quando era repudiado pela ditadura no seu país e bebia as lágrimas do exílio, Jorginho foi traduzido em diversas línguas, coberto de honra, homenageado, abraçado, lembrado, sem precisar de qualquer Prémio Nobel, por muito respeito que este nos mereça!... Um grande escritor, um artista só precisa de ser laureado, louvado, amado pelo povo. E isso, basta-lhe.

    ResponderEliminar