Ao Domingo Há Música

Van Gogh

Devora-me a sede de infinito.

Que vou fazer? Como resolvê-la?

Decido: saio para noite e fito

o espaço nu, a luz de uma estrela.

Eugénio Lisboa, O Ilimitável Oceano 

Noite Estrelada sobre o Ródano, de Vincent van Gogh, Setembro de 1888,

Autorretrato de Van Gogh com chapéu de palha

Há, na Arte, um especial chamamento. Somos atraídos pela beleza de uma tela, pela sonoridade de uma peça musical, pela magia das palavras nas suas infindas combinações. Nietzsche dizia:  Temos a Arte para não morrer de verdade. E talvez tenha razão . Tudo o que enumerei são formas de arte. Formas reais que nos tocam, nos alentam e dão sentido à vida. Preenchem as lacunas criadas pela  sombra para as lançar num   vislumbre de uma nova luz. 

Van Gogh é um dos meus pintores eleitos. Neste blog, tem sido alvo de algumas abordagens. Esta que se vem apresentando, desde sexta feira última, é uma forma diferente de o abordar. Está conforme os tempos  hodiernos. Como acredito que tem interesse esta visão da vida e da obra deste grande artista, publica-se, hoje,  o último episódio visual e musical na rubrica deste domingo. 

Visual Poems | Van Gogh Part III |Para além da Noite Estrelada , por Mystic Video AI .

"Este vídeo é a Parte III da nossa homenagem a Vincent van Gogh, o capítulo final da sua viagem. Acompanha os seus últimos dias em Saint-Rémy e Auvers, onde a solidão, o sofrimento e a beleza fugaz se entrelaçaram na tela. Pelos corredores desbotados de Saint-Rémy, em direcção aos ciprestes trémulos e aos vastos campos de trigo de Auvers — a tristeza pairava pesada, mas, mesmo dentro dela, a beleza florescia como luz. Esta homenagem vai para além da mera lembrança, permitindo que as suas pinceladas voltem a respirar, transformando o silêncio em visão e a dor em cor eterna. 

Esta obra é uma homenagem artística ao mundo emocional e visual de Vincent van Gogh, reimaginado por olhos modernos e fluindo com reverência. Este vídeo contém reinterpretações ampliadas por IA de obras de arte originais de Vincent van Gogh, cujas obras são de domínio público."

Alguns dados biográficos sobre Van Gogh

Vincent Willem van Gogh nasceu em Groot Zundert, uma pequena aldeia holandesa, no dia 30 de Março de 1853. Filho de um pastor calvinista, era o primogénito de seis filhos. Passou a infância melancólico e inclinado à solidão.

Gostava muito de ler, sobretudo histórias sobre os oprimidos, o que posteriormente justificou o seu interesse pelo sofrimento e injustiças sociais. Em 1865 ingressou num internato provinciano.

Desajustado no lar e insatisfeito com a estrutura da sociedade à qual pertencia, com 16 anos aceitou a sugestão do pai e foi para Haia trabalhar com o tio, que abriu a filial da Galeria Goupil, importante empresa francesa que comerciava livros e obras de arte.

Depois de três anos, insistiu com o tio para viajar e ver o mundo. Foi então mandado para Bruxelas, onde passou dois anos. Depois foi para Londres, sempre a serviço da galeria, onde permaneceu dois anos e meio.

Em 1875, Van Gogh conseguiu realizar o desejo de conhecer Paris, onde julgava poder libertar-se de todas as suas frustrações. Mas não gostou do emprego. Dedicou-se à leitura de livros sobre arte, formou opinião e discutia com os clientes. Em Abril de 1876 foi demitido do grupo Goupil. 

No final de 1885, Van Gogh viajou para Antuérpia, onde iniciou os estudos na Academia local, apaixonou-se pela cor e descobriu a pintura japonesa. Em Fevereiro, foi acolhido em Paris por seu irmão Theo, que nunca deixará de o proteger e ajudar.. Essa foi a época mais sociável do pintor. Familiarizou-se com os impressionistas Claude Monet, Auguste Renoir e Camille Pissarro. Mais tarde, ficou amigo de Paul Gauguin.

Em 1888, Van Gogh estava com a saúde precária pelo que seguiu os conselhos de Toulouse-Lautrec, indo para o campo e, em Fevereiro, estava em Arles, pintando ao ar livre.

Na época, Van Gogh pintou  as suas obras mais importantes - foram mais de 100 quadros, entre eles: Vista de Arles com Lírios (1888), Girassóis (1888), em que o amarelo é valorizado através das modulações de luz, e Quarto em Arles (1888)

Na mesma época, Gauguin aceitou o pedido de Theo para ir morar com Van Gogh em troca de que ele continuasse vendendo as suas telas. Mas a personalidade autocentrada de Gauguin não combinava com a sensibilidade de Van Gogh.

Esse facto, Van Gogh expressa nas obras A Cadeira de Van Gogh com Cachimbo e  A Cadeira de Gauguin, ambas de 1888.

 A  cadeira de Van Gogh  (à esquerda), e a cadeira do amigo Gauguin (à direita), em 1888

Nessas telas, podemos notar as diferenças entre as personalidades desses artistas, visto que a cadeira de Gauguin é mais sofisticada, enquanto a de Van Gogh é mais simples. Assim, a diferença de temperamento e de atitudes diante da vida acabou explodindo em desavença. Van Gogh tinha crises de humor, discutia e agredia o amigo. Sofria de mania de perseguição e, numa das crises, tentou ferir Gauguin com uma navalha, mas perdeu a luta e foi para a cama para  chorar. Arrependido, cortou um pedaço da orelha e enviou-a num envelope para Gauguin.

Autorretrato de Van Gogh, com orelha cortada,1888

Van Gogh foi então levado para o hospital Saint-Paul para doentes mentais. Depois de dez dias, foi para casa e pintou o Auto Retrato Com a Orelha Cortada (1888).

Em Maio de 1889, ele mesmo pediu ao irmão que o internasse. Foi para o Hospital de Saint-Rémy-de-Provence e transformou o quarto num atelier. Vigiado por um guarda, pintava paisagens. Produziu mais de duzentos quadros e centenas de desenhos, entre eles uma das suas obras mais aclamadas, A Noite Estrelada (1889).

A Noite Estrelada, 1889

O artista deixou Saint-Rémy em Maio de 1890.

Quando sai do hospital, Vincent vai a Paris visitar Theo. Lá, passa três dias, conhece o sobrinho pequeno e encontra-se com os amigos artistas Pissarro, Toulouse-Lautrec e Tanguy.

Em Maio de 1890 vai à cidade de Auvers-sur-Oise, próxima de Paris. Lá, faz amizade com o Dr. Gachet, médico e amante das artes, que o examinou e informou que a situação era grave. Ficará sob os cuidados do Dr. Gachet, que retrata numa tela. No local, realiza também outras pinturas do povoado e arredores.

Van Gogh morreu sem o reconhecimento que o seu talento e a sua dedicação mereciam. Depois de uma vida atormentada, que o levou ao isolamento, a versão mais firme da história é de que tenha  cometido suicídio.

  Campo de Trigo com Corvos (1890) (Museu Van Gogh, Holanda)

No dia 27 de Julho, Van Gogh teria saído para o campo de trigo com um revólver na mão e, no meio do campo, teria disparado um tiro no peito. Socorrido pelo filho de Dr Gachet, estava lúcido e esperando o irmão. No dia 29, morreu segurando a mão de Theo, irmão e grande amigo  e com o Dr. Gachet ao seu lado, depois de dizer ao irmão: "A miséria não tem fim".

Vincent Van Gogh morreu em Auvers, França, em 29 de Julho de 1890. Tinha apenas 37 anos.

No dia de sua morte, no sótão da Galeria Goupil, em Paris, 700 quadros amontoavam-se sem comprador.

A fama só veio após sua morte. Grande parte da sua história está descrita nas 750 cartas que escreveu para o irmão Theo e que evidenciavam a forte ligação entre os dois.

Seis meses depois, o irmão Theo também faleceu, sendo enterrado ao lado de Van Gogh, no Auvers-sur-Oise Town Cemetery, Auvers-Sur-Oise, França.

Túmulos de Vincent e Theo van Gogh no cemitério de Auvers-sur-Oise, França

As obras de Van Gogh ficaram com a viúva de Theo, Johanna van Gogh-Bonger, mas na época, elas não tinham nenhum valor de mercado. Após a morte de Johanna, o seu filho Vincent van Gogh (1890-1978), sobrinho do pintor, e o único filho de Theo passou a administrar as obras do tio. Em 1973, com o apoio dos Países Baixos, foi criado o Museu van Gogh, onde está a maioria das obras de Van Gogh.

Algumas frases de Van Gogh

Tanto na vida como na pintura, posso muito bem ficar sem Deus; mas não posso, sem sofrer, ficar sem algo que é maior do que eu, que significa a minha vida inteira: a força de criar

Os quadros mais bonitos são aqueles com que sonhamos quando fumamos cachimbo na cama, mas que jamais pintamos.

Há leis de proporção, de luz, de sombra e de perspectiva, que é preciso conhecer para desenhar um motivo, se essa ciência nos falta, arriscamos travar eternamente uma luta estéril e não conseguimos nunca criar.

São vastas extensões de trigo sob céus tempestuosos e não tive dificuldades para expressar a tristeza e a extrema solidão.

Quando amamos sinceramente o que é realmente digno de amor, sem dispersar o amor entre as coisas insignificantes, nulas e enfadonhas, obtemos a nosso redor mais luz - e isso dá mais força.

.

Muito se tem escrito e documentado sobre Van Gogh.

Saiba ainda:

- Em 27 de Julho de 2017 , publicámos o seguinte: 

  Vincent Van Gogh

- Em 2018, foi feito um filme sobre a vida de Van Gogh: “At Eternity’s Gate”. Um drama biográfico sobre os últimos anos de vida de Vincent Van Gogh, realizado por Julian Schnabel. Eis o trailer: