por Giovanni Papini
”O sonho é a explosão dos
súbditos na ausência do rei. Se o homem fosse um ser único, não sonharia. Mas
cada um de nós é uma tribo em que somente um chefe tem os privilégios da vida
iluminada. O chefe é a pessoa reconhecida pelos semelhantes, o «mim» legal da
sociedade e da razão, obrigado a uma concordância fixa consigo mesmo. Só ele
tem relações expressas com o mundo exterior e o único a reinar nas horas de
vigília. Mas abaixo dele há um pequeno povo de cadetes expulsos, de insurrectos
punidos, de hóspedes indesejáveis - exilados da zona da consciência, mas donos
do subconsciente, encerrados no subterrãneo, mas prontos para a evasão,
vencidos mas não mortos. Há a criança que foi renegada pelo jovem, o
delinquente imobilizado pela moral e a lei, o louco que todos os dias estende
armadilhas à razão raciocinadora, o poeta que a prática condenou ao silêncio, o
bobo dominado pelas amarguras, o antepassado bárbaro que ainda se recorda do
machado de pedra e dos festins de Tiestes.
O eu quotidiano e vulgar, o respeitável, o vigilante, o vitorioso, dominou essa
tribo de larvas inimigas, de irmãos renegados e moribundos. E como a alma tem o
seu subsolo, escuridão palúdica encimada pela varanda iluminada da consciência,
mantém encerrados lá em baixo os intempestivos e preocupantes rivais. Às vezes,
conseguem emergir, no meio-dia do eu dominante, mas por breves momentos - em
particular, quando o homem está só consigo mesmo, sem testemunhas, e faz e diz
coisas estranhas que evitaria diante dos companheiros. Em certas ocasiões, um
deles consegue derrubar para sempre o chefe legítimo, e o homem, em virtude
dessa revolução triunfante, torna-se assassino, louco ou génio - por vezes
santo." Giovanni Papini , in Relatório Sobre os Homens, Livros
do Brasil, Abril de 1986

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