quarta-feira, 9 de agosto de 2023

A Linguagem Crítica e a Linguagem Oracular

Mário Cesariny, Naniôra -Uma e Duas, 1960
 
A Linguagem Crítica  e a Linguagem Oracular
por Eugénio Lisboa
 
O comunismo, como todas as religiões reveladas,
é largamente feito de profecias.
H. L. Mencken
 
“O que o grande humorista americano disse do comunismo pode também dizer-se de muita linguagem alegadamente crítica, que grassa em meios intelectuais, dentro e fora das universidades. Em vez de uma prosa lavada, escorreita e isenta de miasmas oraculares, uma prosa que visa iluminar e não obscurecer, temos, frequentemente, um delírio obscurantista, que tenta iluminar um quarto escuro, apagando a luz e mergulhando-o numa triunfal escuridão.
A prosa de Agustina é muitas vezes – demasiadas vezes – desta natureza obscurantista, sibilina, fazendo supor grandezas abissais, onde se encontra apenas o delírio do arbitrário. E o escrever sobre Agustina convoca, um igual número de vezes, uma prosa crítica que nada ilumina, antes obscurece mais o já de si obscuro. Também se chama a isto “linguagem”. Eu prefiro pensar que a linguagem serve para esclarecer e não para confundir. Como dizia António Sérgio, com aquela intrépida inteligência que ainda hoje lhe não perdoam os cultores e amantes da prosa arrebicada, um eclipse do sol é uma obscuridade, mas a explicação científica de um eclipse deve ser uma claridade. Um bom professor deve ser um senhor que esclarece e não que obscurece. Os grandes e lendários professores, como Ortega y Gasset ou Bergson, enchiam as suas aulas até à rua, com a sua linguagem lavada, despretensiosa e sedutora. Por outras palavras, enchiam as salas e as almas de luz.
Quando deparo, por todo o lado, com fraseado delirante que aspira a frenesi mais ou menos oracular, desanimo, quanto ao futuro do milieu intelectual lusíada. Ainda hoje, num artigo dedicado ao centenário do grande poeta Mário Cesariny, num prestigioso diário lisboeta, leio isto e empalideço : “Quando olhamos as suas pinturas, sabemos que há nelas um segredo sagrado e uma potência electromagnética que as torna ímanes do Deus desmedido que apenas se aproxima de nós – e existe – naquelas cores que o fazem nosso ou naquelas formas que o fazem dele.” Se, a partir deste arrazoado frenético e epilético, alguma coisa se fica a saber da pintura de Cesariny e do que nela podemos encontrar, agradeço o favor de mo explicarem, mas em linguagem que me não ponha a mim epilético.
Cada vez mais a linguagem crítica prevalecente anda mais preocupada com espanejar-se, “criativamente”, do que com esclarecer empenhadamente o objecto estudado. Em tomar de assalto o palco que, de direito, lhe não pertence. Pede-se humildade: entender e fazer entender. Acrobacias parolas de linguagem não ajudam.”
Eugénio Lisboa, 09.08.2023

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