domingo, 17 de abril de 2022

Ao Domingo Há Música


"Era a época da Páscoa que se enchia de muitos momentos de grande assombro. Momentos que nunca me abandonaram e que me trazem odor , cor e ternura.
Era o tempo da Primavera e com ela acordava o jardim numa festa de cor e de fragância. Com sabedoria, E.M. Cioran já afirmara: Se cheirássemos uma rosa até sentir a sua música, que outra marcha fúnebre nos abriria com maior delicadeza uma tumba no céu? E não perde o céu o seu próprio brilho, dissolvido numa melodia que baixa até nós?  O jardim era isso: o reino encantado da minha mãe. Perdia-se nele todos os dias. Plantava, semeava, podava e acariciava cada jovem flor que brotava. Quando os canteiros se enchiam de pedúnculos de cujos  cálices espreitavam múltiplas e luminosas flores, uma nova   música soltava-se   para dar início à festa da renovação. Eram jovens e delicadas flores que se abriam aos raios de um Sol ainda avaro, mas pródigo em luz e presença. Entre elas, encantavam-me as tulipas.  Eram singulares,  majestosas e belas. Havia de todas as cores . Nesse tempo, eram,  para mim, o prenúncio da Páscoa. Não havia festa pascal na Quinta sem o adorno  dessas flores. Exerciam, sobre os meus olhos, um fascínio que me levava a contemplá-las , cada  manhã da sua  curta existência. Media-lhes o tamanho, a cor  e a altivez erecta com que se apresentavam. Amarelas, vermelhas, lilases, pretas, brancas, azuis resplandeciam em  exuberante sequência cromática. Essa profusa e intensa paleta capturava-me.  Todo esse esplendor se perdeu, quando cresci e me fiz adulta. As tulipas  das floristas não tinham qualquer resquício da beleza  fulgurante desse jardim de infância: o reino encantado da minha mãe. Nem os campos da florida Holanda, com uma inédita profusão de tulipas, foi capaz de rivalizar ou substituir esse encanto . A memória teima em corroborar que só na infância me foi possível esse deslumbramento. Experiência única que permanece inalterável num dos seus recônditos cantos.
(...)
No Norte, a Páscoa era uma festa muito celebrada. Não havia aldeia, vilarejo ou cidade que não tivesse a visita pascal , no Domingo de Páscoa. Era o Compasso que se mantém ainda  em muitas zonas nortenhas.
Vivíamos essa época, com muita alegria e sã vivacidade. Apanhava-nos nas férias pascais. Os dias escoavam-se entre  muita  actividade que se nos oferecia ou  que engendrávamos. O  ar , embora fosse tempo de algum frio, trazia em si a frescura suave dos dias amenos que a prodigiosa natureza anunciava. "
Maria José Vieira de Sousa, in O Livro que já escrevi, pp.81,82, 83
 
E tal como a Primavera, a Música faz parte da memória que vem dos tempos idos da infância. Neste domingo de Páscoa, chegou com  Gloria, da  Coronation Mass in C major, K.317,  de Wolfgang  Amadeus  Mozart, interpretado gloriosamente por Kathleen Battle, Trudeliese Schmidt, Gösta Winbergh, Ferruccio Furlanetto, Rudolf Scholz e a Wiener Philharmoniker com o Wienerer Singverein,  sob a direcção do Maestro Herbert von Karajan,  


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