sexta-feira, 15 de abril de 2022

ECCE HOMO


 
ECCE   HOMO (*)
                                                                                                                                    
Levam ao Sinédrio o humilde nazareno          
para que se julgue o amor e a inocência          
e  diante  da  judaica  prepotência 
o Mestre se mantém doce e sereno.                 
 
Por ser blasfemador é réu de morte                
diz Caifás com desprezo ao acusado               
e  depois  de  cuspido e  maltratado                   
aos romanos entregam a  sua  sorte.                   
 
No pátio do palácio a massa se aglutina             
e um prenúncio sinistro percorre a multidão  
traído e abandonado à própria provação       
aguarda  o  prisioneiro  a  sua  sina.                     
 
– É um visionário, um sonhador  somente      
– e me comove sua mansidão, sua pobreza...               
diz Pilatos..., convicto  da  certeza                    
de estar frente a um homem inocente.              
 
Diante da  injustiça  e  do  impasse                     
transfere  a  Antipas  a  sentença                         
mas o tetrarca  devolve-lhe a presença                        
com os espinhos ensanguentando a face.
 
Coberto com  o  manto  da ironia                       
e como cetro uma cana  retorcida                      
nessa  imagem de realeza  escarnecida                  
trazem novamente o Rabi à pretoria.
 
Tenta Pilatos um último  artifício
para acalmar a plebe alucinada
e espera que a espádua açoitada
salve  o  Galileu  do sacrifício.
 
Rasga-lhe  a  carne  o  látego  cruel
e nem um murmúrio de dor ante o flagelo                                                             
envilecido e ultrajado, invencível e belo        
cumpre a Trágica Figura o seu papel.
 
Mas ainda assim a turba em desatino                                     
exige que a condenação seja mantida                                    
e Pilatos propõe à massa ensandecida
que  delibere  sobre  o  seu  destino.
 
Diante do pretório e amotinado
o  povo  absolve  Barrabás
e movido pelos asseclas de Caifás
exige o Galileu crucificado.
 
Ante a sentença e os gritos do estrupício
e entre a verdade e o interesse dos seus atos
lava  as  suas  mãos  Pôncio  Pilatos
e  entrega  o  Cordeiro  ao  sacrifício.
 
Na mais ingrata e suprema solidão
maltrapilho,  descalço  e  abatido
para o meio da escória é conduzido
sob o escárnio  cruel  da  multidão.
 
Passos  cambaleantes,  dor,  delírio
toda a ignomínia no símbolo da cruz
o madeiro infame nos ombros de Jesus
e o lancinante caminho do martírio.
 
Ergue-se o holocausto ao amor crucificado
na  dor  que  esmaga,  na  sede  insaciável
no estóico silêncio, no deboche intolerável
no lento suplício de um homem sem pecado.
                                                            
E na agonia do Calvário, rumo à glória
roga  a  Deus  perdão  para  os  algozes
por tanto amor recebe os golpes mais atrozes
e o julgamento mais iníquo da história.
                                                    Curitiba,   26/02/04
Manoel de Andrade, in Cantares, Escrituras Editora, São Paulo, Brasil, 2007, pp.94,95,96

(*) “Eis o homem” -  Palavras de Pilatos ao apresentar Jesus aos judeus

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