segunda-feira, 4 de abril de 2022

Morreu Lygia Fagundes Telles

Lygia Fagundes Telles, com Pum-Gati

"Uma das maiores escritoras brasileiras de todos os tempos, a paulista Lygia Fagundes da Silva Telles morreu neste domingo (3), aos 98 anos. A informação foi divulgada pelo colunista Ancelmo Góis, do jornal O Globo, e confirmada por Lucia Riff, agente da autora. Estava em casa,  quando faleceu.
Membro  da Academia Brasileira de Letras (ABL), Lygia publicou o primeiro livro de contos, Porões e sobrados, em 1938, quando tinha apenas 15 anos. Era a quarta ocupante da Cadeira nº 16 da ABL, tendo sido eleita em outubro de 1985, na sucessão de Pedro Calmon. A escritora também era formada em Direito, tendo cursado a Faculdade de Direito do Largo do São Francisco.
Com uma carreira repleta de honrarias, recebeu o prémio Camões, o mais importante da língua portuguesa, em 2001 pelo reconhecimento de sua obra. Também venceu por três vezes Jabuti: 1966, 1974, 1996. 
Prosadora, Lygia  destacou-se entre os contistas brasileiros surgidos na segunda metade do século XX ao lado de nomes como Rubem Fonseca e Dalton Trevisan. Seminário dos ratos e Antes do baile verde são dois de seus principais livros de narrativas curtas. Em 2018, a Companhia das Letras reuniu todos os contos da autora na antologia Os contos. Ela também escreveu romances de sucesso, como Ciranda de pedras e As meninas, ambos adaptados para o audiovisual.
Quarta filha do casal Durval de Azevedo Fagundes e Maria do Rosário Silva Jardim de Moura, nasce na capital paulista, em 19 de abril de 1923, Lygia de Azevedo Fagundes, na rua Barão de Tatuí. Seu pai, advogado, exerceu os cargos de delegado e promotor público em diversas cidades do interior paulista (Sertãozinho, Apiaí, Descalvado, Areias e Itatinga), razão por que a escritora passa seus primeiros anos da infância mudando-se constantemente. Cresce a ouvir histórias contadas pelas pajens e por outras crianças. Em pouco tempo, começa a criar os seus próprios contos e, em 1931, já alfabetizada, escreve nas últimas páginas de seus cadernos escolares as histórias que irá contar nas rodas domésticas. Como ocorreu com todos nós, as primeiras narrativas, que escutou,  falavam de temas aterrorizantes, com mulas-sem-cabeça, lobisomens e tempestades.
O seu pai gostava de frequentar casas de jogos, levando Lygia consigo "para dar sorte". Diz a escritora: "Na roleta, gostava de jogar no verde. Eu, que jogo na palavra, sempre preferi o verde, ele está em toda a minha ficção. É a cor da esperança, que aprendi com meu pai."
Em 1936,  os pais se separam, mas não se desquitam.
“Porão e sobrado” é o primeiro livro de contos publicado pela autora, em 1938, com a edição paga por seu pai. Assina apenas como Lygia Fagundes.
No ano seguinte termina o curso fundamental no Instituto de Educação Caetano de Campos, na capital paulista. Ingressa, em 1940, na Escola Superior de Educação Física, naquela cidade. Ao mesmo tempo, frequenta o curso pré-jurídico, preparatório para a Faculdade de Direito do Largo do São Francisco.
Terminado o curso de Direito, em 1946, só três anos depois a escritora publica, pela editora Mérito, seu terceiro livro de contos, “O cacto vermelho”. O volume recebe o Prêmio Afonso Arinos, da Academia Brasileira de Letras.
Casa-se com o jurista Goffredo da Silva Telles Jr., seu professor na Faculdade de Direito que, na ocasião, 1950, era deputado federal. Muda-se, em virtude desse facto, para o Rio de Janeiro, onde funcionava a Câmara Federal.
Com seu retorno à capital paulista, em 1952, começa a escrever o primeiro romance, Ciranda de pedra. Na fazenda Santo Antônio, em Araras - SP, de propriedade da avó de seu marido, para onde viaja constantemente, escreve várias partes desse romance. Essa fazenda ficou famosa na década de 20, pois lá reuniam-se os escritores e artistas que participaram do movimento modernista, tais como Mário e Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Anita Malfatti e Heitor Villa-Lobos.
Em Março de 2001, foi agraciada com o título de Doutora Honoris Causa pela Universidade de Brasília (UnB)."
Artigo composto com informação retirada da imprensa literária brasileira
Lygia Fagundes Telles

Publicámos, neste espaço, alguns trechos de Lygia Fagundes Telles. Sendo uma excelente contista , deixou um acervo muito rico composto numa prosa límpida e sedutora. Lê-la é sempre um momento de prazer e de requintada  delícia. 
..Gosto de me preparar para escrever. Eu não escrevo de qualquer jeito - de camisola, de pijama. Eu gosto de me arrumar! Escrever é o meu ofício e quero estar arrumada para ele. Dentes escovados, banho tomado, uma roupa, pronto: agora vou trabalhar.
Lygia Fagundes Telles 
A minha tiazinha falava muito na falta que lhe fazia esse ombro amigo, apoio e diversão, envelheceu procurando um. Não achou nem o ombro nem as partes, o que a fez chorar sentidamente na hora da morte, Mas o que você quer, queridinha?! a gente perguntava. Está com alguma dor? Não, não era dor. Quer um padre? Não, não queria mais nenhum padre, chega de padre. Antes do último sopro, apertou desesperadamente a primeira mão ao alcance: “É que estou morrendo e não me diverti nada!””
 Lygia Fagundes Telles, in "A disciplina do amor"
Lygia Fagundes Telles, Antonio di Benedetti e Clarice Lispector, 1974.

Muito se escreveu sobre Lygia Fagundes Telles. Grandes escritores  deixaram registado  o que pensavam sobre esta senhora da Literatura brasileira. Eis dois pequenos registos:

Quem conhece a Lygia de perto, isto é, quem convive com ela, não imagina que esse monstrinho escreva essas coisas… góticas – como se diz por aqui. Porque você é dos melhores papos que conheço, das presenças mais agradáveis e fáceis. Estar com você é muito bom e a gente não se sente com necessidade de usar nenhuma máscara, de escolher palavras ou ficar na defensiva. E como é que uma menina esportiva, extrovertida, produz esse tipo de literatura dramática e densa? Não a estou censurando, ao contrário, estou me admirando. Há contos seus que ficam perseguindo a gente por muito tempo [...] 
Erico Verissimo, em carta a Lygia Fagundes Telles (Virginia/EUA, 1966)

Com Lygia há o hábito de se escrever que ela é uma das melhores contistas do Brasil. Mas, do jeitinho como escrevem, parece que é só entre as mulheres escritoras que ela é boa. Erro: Lygia é também entre os homens escritores um dos escritores maiores. - escreveu Clarice Lispector .

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